Centrão avança em cargos ocupados por militares
Tânia Monteiro e Felipe Frazão
© Dida Sampaio / Estadão O presidente da República,
Jair Bolsonaro
BRASÍLIA - Conhecido por dar as cartas do poder, o Centrão
avança agora em áreas do governo antes restritas aos militares. Em um esforço pessoal para montar sua frente anti-impeachment no
Congresso, o presidente Jair
Bolsonaro tenta abrigar os partidos do bloco em diretorias
estratégicas de agências, bancos regionais, fundações e estatais que operam
orçamentos bilionários.
A abertura da máquina federal aos apadrinhados de lideranças
envolvidas em operações policiais nos governos do PT e de Michel Temer
já começou a frear a “militarização” dos órgãos públicos e se expande para
parte dos 106 postos do primeiro ao terceiro escalões, ocupados por oficiais da
reserva e da ativa.
Uma das joias cobiçadas neste ano de eleições
municipais é o Ministério do Desenvolvimento Regional. A pasta comandada
por Rogério Marinho tem orçamento de R$ 33,2 bilhões para
pequenas obras nos grotões. O Palácio do Planalto ofereceu ao Progressistas,
sigla presidida pelo senador Ciro Nogueira
(PI) – uma das estrelas do Centrão citadas na Lava Jato
–, cargos no Departamento Nacional de Obras contra as Secas, o Dnocs.
Subordinado ao ministério, o Dnocs já é controlado pelo grupo do deputado Genecias Noronha
(SD-CE), que indicou o diretor-geral, José Rosilônio Araújo. O
Progressistas, antigo PP, ainda recebeu oferta de diretorias na Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
O governo decidiu negociar cargos em outros setores
da pasta, como a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba
(Codevasf), que tem orçamento previsto de R$ 1,6 bilhão neste
ano, a Agência Nacional de Águas (ANA) e os órgãos de
desenvolvimento regional Sudene, Sudam e Sudeco. Uma parte desses cargos foi
oferecida ao PL de Valdemar Costa
Neto. Condenado no mensalão e investigado pela Lava Jato, o
ex-deputado deverá ter, ainda, postos no Banco do Nordeste, na Saúde, nas
agências reguladoras e conselhos de estatais.
Há também disputas entre os partidos na
distribuição de cargos: o DEM
bateu o pé e continuará no comando da Codevasf, mas diretorias da estatal serão
divididas entre outros partidos do bloco. No caso do Banco do Nordeste,
o Planalto impôs a condição de que o indicado pelo partido seja de carreira, isto
é, um servidor cooptado pela legenda, para evitar desgastes na imagem do
governo.
Dos nove ministros militares, um pode perder o
cargo para o Centrão. Motivo: o PSD do ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab
pretende voltar a controlar o Ministério da Ciência, Tecnologia e
Comunicações. Kassab também está de olho nos Correios, presidido pelo
general Floriano Peixoto.
Casamento
Os grupos do Centrão e dos militares são vistos
como esteios de Bolsonaro, mas o crescimento de um no governo pode se dar em
detrimento do outro. A Secretaria Especial do Esporte é um exemplo recente
desse cabo de guerra. Numa só tacada, o ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni
(DEM-RS), dispensou em março três coronéis do Exército.
Na prática, a atual rodada de negociação do
Planalto com o Centrão começou em março, mas Bolsonaro esperou até meados de
abril para informar à sua equipe que precisava abrir de vez a “porteira” do
governo ao bloco. Em uma das reuniões, o então ministro da Justiça Sérgio Moro
discordou. Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional, também reclamou.
Bolsonaro tem uma resposta pronta para seu eleitorado que rechaça o Centrão.
“Tem dezenas de milhares de cargos. Se um ministro quiser dar um cargo para
alguém do partido sem eu saber, você acha que isso pode acontecer? Pode”, disse
ele na última terça-feira.
Chega a 80 o número de superintendentes em postos
de terceiro escalão com poder de mando, nomeados por causa da aliança política.
Dez partidos emplacaram apadrinhados: PSD (4), MDB (3), PL (3), PSL (3),
Progressistas (2), PSC (2), SD (2), DEM (1), PTB (1) e Cidadania (1). Na outra
ponta, a caserna continuou contemplada, mas em escala menor. Neste ano, a
proporção de superintendentes nomeados foi de dez com elos partidários para
cinco militares. O general Antônio Filho é mais um que pode perder o Dnit para
o Centrão.
Bolsonaro se convenceu de que está numa
encruzilhada, de acordo com aliados. Ex-capitão, ele se vê diante da
possibilidade de repetir Dilma Rousseff, que sofreu impeachment, ou Michel
Temer, que fez sucessivas negociações políticas para completar o mandato.
Segundo um aliado, foi uma absurda capacidade de criar crises que abriu o
governo mais rápido para os partidos.
Com passagens pelo PTB de Roberto Jefferson e PP de
Paulo Maluf, Bolsonaro voltou à sua origem: um representante do Centrão. Só que
agora no Palácio do Planalto. / COLABOROU JUSSARA SOARES
Maia recua após aproximação de Bolsonaro com
Centrão
Luiz Calcagno
©
Najara Araujo/Camara dos Deputados
A oferta de cargos aos partidos do Centrão pelo
presidente Jair Bolsonaro surtiu efeito no Congresso. O sinal mais visível é a
mudança de postura do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), um dos alvos
da estratégia do Planalto. O deputado, até poucos dias um crítico ferrenho da
atuação do governo frente à crise do novo coronavírus, passou a medir as
palavras e a evitar confrontos, ante o risco de ser isolado por um bloco
parlamentar com cerca de 200 votos na Câmara.
No meio político, o recuo do deputado é visto como
uma tentativa de se livrar da imagem de principal desafeto de Bolsonaro no
Congresso. Seria, primeiro, uma forma de não desagradar o Centrão, que passou a
nutrir uma simpatia pelo presidente da República ante a possibilidade de ocupar
postos importantes na administração federal. Além disso, Maia também precisa
demonstrar isenção frente aos mais de 30 pedidos de impeachment contra
Bolsonaro que repousam na Câmara à espera de seu posicionamento.
A mudança de postura de Maia ficou bem clara na
quarta-feira, em meio às repercussões do “E daí?”, comentário de Bolsonaro para
o aumento exponencial de mortes por Covid-19 no país. Em coletiva de imprensa,
o deputado frustrou os que esperavam dele uma crítica contundente à declaração
do presidente da República. Além de afirmar que foi uma “frase mal colocada”, o
parlamentar duvidou que Bolsonaro estivesse tratando as mortes como algo
irrelevante. Na ocasião, disse que a prioridade do país é o combate ao novo
coronavírus.
Para o líder do DEM na Câmara, Efraim Filho (PB), o
momento exige que o presidente da Câmara atue como um magistrado. “O
presidente Rodrigo Maia tem adotado uma postura de equilíbrio, de prudência e
serenidade. O país já enfrenta uma grave crise sanitária. Se alimentarmos
mais uma crise política aí o cenário será de uma tempestade perfeita",
observa Efraim Filho.
Na avaliação de Renato Ribeiro de Almeida,
integrante da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-SP , Maia tem tido a
preocupação de poupar o país de um longo e desgastante processo de impeachment
enquanto o desafio do novo coronavírus não for vencido. “Rodrigo Maia, na
condição de presidente da Câmara dos Deputados e como o único árbitro para dar
início a um eventual processo de impeachment, está sendo prudente em tempos de
pandemia. Penso que ele não irá mudar a forma de atuação a menos que o apoio do
presidente diminua para níveis dramáticos e não conte mais com o apoio mínimo
para barrar um processo de impeachment. Diante da certeza da aprovação de
eventual impeachment, Rodrigo Maia adotaria posições mais incisivas. Do
contrário, não agravará ainda mais a polarização e crise política”, conclui o
docente.
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