Ala militar do Planalto encara a PF em depoimento
Afonso Benites
© ADRIANO MACHADO (REUTERS) O ministro do GSI,
Augusto Heleno, em imagem de junho de 2019.
A semana decisiva para o inquérito policial que
investiga se o presidente Jair Bolsonaro (sem
partido) cometeu cinco crimes começou com
o ex-diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, testemunhando que o mandatário
mentiu em um documento oficial e segue nesta terça-feira com três
generais-ministros emparedados pela Polícia Federal. Nesta segunda, Valeixo, que foi o pivô
da exoneração de Sergio Moro do Ministério da Justiça, disse em depoimento que
nunca pediu demissão do cargo —ao contrário do “a pedido” que saiu no documento
oficial de sua exoneração— e reafirmou que a sua troca aconteceu porque o
presidente queria ter alguém com mais afinidade com ele no cargo.
.Confirmada a versão de Valeixo, o autor do delito
responderia pelo crime de falsidade ideológica. Sergio Moro também diz que não
assinou o desligamento do policial, apesar de seu nome constar da publicação
juntamente com o de Bolsonaro. Na prática, o e-diretor da PF confirmou o que o antigo chefe, Moro, disse em duas
ocasiões, no seu pronunciamento de despedida e na sua declaração
oficial aos investigadores, na semana retrasada.
Esta terça-feira será marcada por dois lances-chave
na apuração. Pela manhã, haverá uma espécie de sessão de cinema na PF, quando
delegados da corporação, o advogado-geral da União, José Levi, procuradores da
República, além de Moro e seu advogado assistirão à gravação da reunião de
Bolsonaro com seu conselho de ministros no dia 22 de abril. Nesse encontro, o
presidente cobrou Moro sobre a exoneração de Valeixo porque entendia que ele
precisava trocar o superintendente da PF no Rio de
Janeiro, algo que ambos relutavam em fazer. O ministro interpretou a
cobrança como uma interferência política na polícia. E, como demonstrou
descontentamento com as queixas presidenciais, ouviu do presidente que ele iria
interferir em outros ministérios também.
Esse vídeo foi sugerido como prova pelo próprio
Moro, que também é investigado no inquérito. Caso ele não comprove as denúncias
feitas contra o presidente, seria responsabilizado pelo delito de denunciação
caluniosa e crime contra honra. No encontro, segundo relatos dos presentes,
houve ministros xingando ministros do Supremo
Tribunal Federal, outros dizendo que a culpa da pandemia de
coronavírus era da China e bate-boca entre os assessores presidenciais. Mesmo tendo
enviado a íntegra da gravação ao Supremo, a Advocacia-Geral da União defendia
que fosse entregue apenas uma parte editada, a que poderia ser usada como prova
para o inquérito. O relator do processo no Supremo, Celso de Mello, entendeu
que essa análise deveria ser feita pelos investigadores e determinou que apenas
um grupo restrito poderia assistir a essa gravação, em sessão única e
exclusiva.
O segundo ato de destaque da semana serão as
oitivas dos ministros Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional),
Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Walter Braga Netto (Casa Civil).
Os três falarão simultaneamente de seus gabinetes no Palácio do Planalto a
partir das 15h desta terça. O triunvirato militar corre o risco de ser
processado por falso testemunho caso minta sobre o que for questionado.
Conforme o Código Penal, as testemunhas são obrigadas a dizer a verdade ao
longo do processo. Se não relatarem os fatos de maneira verídica, podem até
serem presas em flagrante. Entre juristas, contudo, essa possibilidade é remota
nessa etapa do processo pois estarão diante de uma autoridade policial, não de
um juiz, em um momento de coleta de provas. Contudo, se, futuramente, constatar
que mentiram, correm o risco de cumprirem penas que varia de dois a quatro anos
de prisão.
De acordo com aliados de Bolsonaro, os generais-ministros
demonstraram desconforto com a decisão do ministro Celso de Mello, relator do
caso no STF, convocando-os para depor. Sentiram-se emparedados. E reclamaram
que Mello foi desrespeitoso ao dizer que, se necessário, os depoimentos
deveriam ocorrer mediante “condução coercitiva” ou “debaixo de vara”. Entre
oficiais, eles seriam considerados profissionais acima de quaisquer suspeitas.
Na prática, não são eles os investigados.
Na quinta-feira está previsto ainda o depoimento da
deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), uma bolsonarista que é afilhada de
casamento de Moro. Conforme o ex-ministro, foi ela quem sugeriu que ele ficasse
no ministério até novembro, quando seria aberta uma vaga no STF e Bolsonaro
poderia indicá-lo para o cargo. Zambelli, conforme mensagens entregues por Moro
à polícia, disse que intercederia junto ao presidente para que isso ocorresse.
Os depoimentos até agora
Nesta segunda, além de Valeixo, outros cinco
policiais depuseram nesse inquérito. Entre eles, Alexandre Ramagem, o diretor
da Agência Brasileira de Inteligência e amigo da família Bolsonaro que foi
impedido pelo Supremo Tribunal Federal de assumir a direção-geral da PF.
Quando decidiu abrir o inquérito, o
procurador-geral Augusto Aras disse que seriam apurados os crimes de falsidade
ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa,
prevaricação, obstrução de justiça, esses supostamente cometidos por Bolsonaro.
Além de corrupção passiva privilegiada, denunciação caluniosa e crime contra a
honra, cujo alvo é Moro. Caso entenda que cabe denúncia contra o presidente,
Aras tem de pedir uma autorização para a Câmara para acusá-lo. Essa permissão é
dada com a aprovação de dois terços dos parlamentares, ou seja, 342 dos 513
deputados. Se aprovado, o presidente é automaticamente afastado do cargo pelo
período de 180 dias, com o vice-presidente, o general Hamilton Mourão,
assumindo a função.

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