'Bolsonaro não tem opção: se socorre no Centrão, ou cai', diz analista
Marcela Mattos
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Gabriela Korossy/Câmara dos Deputados
A inesperada aliança entre o presidente Jair
Bolsonaro e os partidos de centro alimenta um duplo jogo de sobrevivência. A
avaliação é feita por Antônio Augusto Queiroz, analista político e fundador do
Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), entidade que
acompanha o Congresso Nacional há 35 anos. Para Toninho, como é conhecido, a
aliança com os quadros da “velha política” – como o próprio Bolsonaro os
chamava – é um movimento do presidente para evitar ver aprovado um processo de
impeachment contra ele ou a cassação de dois de seus filhos – Eduardo, o Zero
Três, é deputado federal, e Flavio, o Zero Um, é senador. Por outro lado, os
partidos do Centrão, conhecidos nos noticiários do mensalão e do petrolão,
garantem cargos estratégicos no governo, a execução de suas emendas
parlamentares e os recursos públicos para as eleições mesmo em tempos de
pandemia e de crise econômica. Todos saem ganhando.
“Quando o presidente aceita ter o Roberto Jefferson
[delator e beneficiário do mensalão] como interlocutor, é porque o negócio está
feio. Ou o Bolsonaro se socorre no Centrão para reunir os 172 votos para
impedir pedidos de impeachment ou de afastamento, ou ele cai. Só com os aliados
dele não é suficiente”, afirma Toninho.
Confira a íntegra da entrevista.
Como se define o chamado Centrão? O Centrão sempre foi associado ao núcleo
fisiológico do Congresso, aquele que viveu de patronagem e de favores
governamentais. Podemos dizer que o grupo hoje é composto principalmente por
esses partidos: Progressistas, PL, PSD, MDB, PSC, DEM, PTB, PRB, SD e uma parte
do PROS.
Como o senhor avalia a atuação desse grupo no
governo Bolsonaro? Para se blindar da acusação de ser a
velha política, eles tentaram se blindar perante a opinião pública dizendo:
‘Não somos fisiológicos. O que interessa é o Brasil e voto de acordo com a
consciência’. Isso pôde ser percebido na votação da Reforma da Previdência, que
acabou aprovada. Mas esse foi o único momento de o Centrão agir nessa
perspectiva. Na maioria das vezes, ele está ali para fazer algum tipo de
composição. E agora o Bolsonaro finalmente se rendeu. O problema do Centrão é o
seguinte: ele vai para onde? Se não tem candidaturas viáveis no centro, e só
tem na extrema direita e na esquerda, não tem alternativa a não ser ir para a
direita. Por mais que os partidos sejam hostilizados por essa extrema direita,
eles recebem os recursos no final e têm uma identidade programática e de
afinidades. Fica mais confortável se aliar a um governo com as características
do Bolsonaro do que ir para a oposição e favorecer os partidos de esquerda.
É um jogo de ganha-ganha, portanto. Exatamente. Estão indo para a base do governo
Bolsonaro com vantagem dupla agora. O governo está com o Orçamento liberado,
pode gastar o que quiser – o que é o melhor mundo para o Centrão. E está às
vésperas de uma eleição. Então, eles garantem recursos para as bases eleitorais
elegerem os seus prefeitos, enquanto o governo faz as concessões que eles
exigirem para evitar um eventual processo de impeachment ou mesmo a cassação de
um dos filhos do presidente. Lá na frente, os partidos podem dizer que só
socorreram o governo porque era um momento de pandemia e eles foram ajudá-lo
republicanamente. Tem álibi para isso.
E qual argumento o governo poderá usar? Para o governo, é questão de sobrevivência. Ou ele
põe o centrão do lado dele, ou ele cai. Quando o presidente aceita ter o
Roberto Jefferson [delator e beneficiário do mensalão] como interlocutor, é
porque o negócio está feio. Ou o Bolsonaro se socorre no Centrão para reunir os
172 votos para impedir o pedido de impeachment ou de afastamento, ou ele cai.
Só com os aliados dele não é suficiente.
O senhor vê um risco real de impeachment? O risco existe. São quatro fatores que justificam
o impeachment: a crise econômica, que está presente; a crise política, também
presente; o problema sanitário, que considero como um elemento novo neste
processo; a crise de popularidade. Esse último é o único ponto em que o
presidente está blindado. Mas, se a popularidade cair para 12%, o apoio ‘voa’
rapidinho. E eu avalio que o Rodrigo Maia topa [o pedido de impeachment]. Só
não faz isso agora porque não tem um pedido de centro, de gente com
credibilidade, e a popularidade do presidente está alta.
A aliança, portanto, vai durar enquanto o fantasma
do impeachment estiver rondando?
Exatamente. O Centrão quer se blindar em relação a duas coisas: a garantia de
que ninguém vai mexer com as emendas impositivas, tenha pandemia ou não, e que
não haja mudança nos fundos eleitoral e partidário, que é o que garante o
recurso para viabilizar a eleição deles. No meio dessa pandemia, eles estão
morrendo de medo de perder isso. O Bolsonaro, por outro lado, quer que não seja
autorizado seu processo de impeachment nem que seus filhos sejam cassados. Esse
é o objetivo dos dois. Quando o Bolsonaro se livrar dessa condição, ele próprio
vai chutar o Centrão. Do mesmo modo, se o Bolsonaro cair em popularidade, o
Centrão, depois de receber esses recursos, vai pular fora. Não vai ter aquela
história de que namora, fica noivo, depois casa, como o presidente gosta de
falar. Eu acho que com o Centrão vai ter divórcio antes de casar.
Há quanto tempo existe o tal Centrão? Desde a redemocratização, ele não ficou fora de
nenhum governo. Foi mudando de perfil, mas sempre buscando sobreviver. Durante
a Constituinte, por exemplo, ele foi originalmente financiado pelo poder
econômico para combater uma Constituição tida como socialista e para defender
uma economia de mercado. O Centrão geralmente é um grupo de parlamentares que
utilizam a força do mandato para arrancar concessões dos governantes. Eles
escolhem lideranças com esse perfil, que não têm problema em se expor
defendendo esse tipo de demanda, e, em troca, conseguem emenda, fundo eleitoral
e liberação de projetos. Em troca disso, votam sob a orientação, indicam gente
para cargos e conseguem liberar emendas para obras.
Mas isso é errado? Não seria esse um ato de
simplesmente fazer política?
Olhando por essa ótica, sim. Acontece que geralmente associam esse repasse de
recursos a esquemas que já têm empreiteiros definidos para fazer obras,
esquemas em que o desvio é assustador. Esses parlamentares, quando levam
recursos para essas regiões, exigem como contrapartida a garantia de recursos e
de cabo eleitoral para sua eleição. Isso não vem de forma espontânea, tem
custos. E esse é o problema.
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