Coronavírus: Povo quer que Bolsonaro 'perceba dimensão do problema', diz
presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos
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Divulgação Joel García Hernández diz que a pandemia não é o momento para
"politizar problemas".
Enquanto o país se aproxima do pico da pandemia do
novo coronavírus, os brasileiros esperam que o presidente Jair Bolsonaro seja
"sensível" e "perceba a dimensão" da crise.
É essa avaliação do jurista Joel García Hernández,
o presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão ligado à OEA
(Organização dos Estados Americanos), em entrevista exclusiva à BBC News Brasil
por telefone.
"É tempo de reconhecer a magnitude do problema
e tomar medidas. Não ajuda politizar neste momento. Essa é hora de todos os
atores do país estarem unidos em torno de um objetivo comum: lidar com a
questão de saúde. Ninguém quer que uma crise de saúde se transforme numa crise
de direitos humanos", diz. "Essa é a nossa preocupação no hemisfério."
Para Hernández, que também é relator para o Brasil
no órgão internacional, a pandemia não é o momento para "politizar
problemas".
O comentário surge em meio a críticas diárias
feitas pelo presidente Bolsonaro a adversários políticos, especialmente o
governador João Dória, de São Paulo, a quem chamou de "gravatinha" e
culpou pelas mortes registradas no Estado.
Espécie de braço da OEA responsável por vigiar a
garantia de direitos humanos no continente, a comissão liderada por Hernández
tem sede em Washington, nos EUA. Entre diversas atribuições, cabe à Comissão
apresentar casos à Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA e atuar
frente ao tribunal em casos que envolvam crimes cometidos por Estados.
O presidente Jair Bolsonaro é alvo de duas queixas
no Tribunal Penal Internacional - conhecido como Tribunal de Haia -, uma delas
por "crime contra a humanidade" por sua condução da pandemia.
Para o especialista, é cedo para qualquer
especulação sobre julgamentos ou um veredito.
Leia os principais trechos da entrevista:
BBC News Brasil - Quando avisado que o Brasil tinha
mais de 5 mil mortes, mais que o registrado na China, o presidente Jair
Bolsonaro respondeu: 'E daí? O que você quer que eu faça?". Como vê a
maneira como o brasileiro tem lidado com a crise?
Joel García Hernández - Estes são momentos em que as pessoas esperam que
seus líderes sejam sensíveis e próximos a elas. As pessoas em todo o mundo
esperam que seus líderes entendam a urgência de medidas para aliviar os efeitos
da pandemia.
Acho que é o que o povo brasileiro está pedindo do
presidente Jair Bolsonaro que seja sensível com a situação, perceba a dimensão
do problema e tome medidas para aliviar os efeitos. Estes são momentos em que
autoridades nacionais têm que estar próximas para oferecer serviços de saúde e
apoio econômico aos que precisam ficar confinados pela pandemia.
BBC News Brasil - Como acha que o presidente
Bolsonaro tem respondido ao pedido que o senhor menciona?
Hernández - O
que temos lido é uma demanda intensa vindo de diferentes setores da sociedade
civil brasileira pedindo ao presidente Bolsonaro para se dar conta da situação
e tomar uma posição forte sobre o tema.
É o que tenho lido da população brasileira: eles
querem mais ações positivas.
BBC News Brasil - O presidente tem sido descrito como
um negacionista do coronavírus - alguém que não segue orientações da ciência
quando o tema é a pandemia. Poucos líderes mundiais têm essa postura: ele não
suporta medidas de isolamento forçado e diz que pessoas deveriam voltar ao
trabalho. Como vê?
Hernández - É
preciso analisar cada país em sua respectiva dimensão. O Brasil é um país com
tamanho continental, é uma federação de Estados, com um Estado democrático de
direito forte e separação de poderes. É uma democracia forte, com uma sociedade
civil ativa.
Há um sistema de contrapesos no Brasil e nós
observamos que governadores em em alguns Estados e cidades estão tomando
medidas para lidar com a pandemia. Alguns no nível estadual estão levando em
conta as recomendações da Organização Mundial da Saúde.
Então, eu olharia com um sentido mais profundo para
o Brasil, levando em consideração diferentes atores. O que agora parece
evidente é o fato que o número de pessoas infectadas está crescendo e também o
número de mortes (cresce) muito rapidamente. Isso deveria ser uma preocupação,
porque indica que o Brasil está indo em direção ao pico da pandemia. E é
imprevisível qual será a situação quando isso acontecer.
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Getty Images É tempo de reconhecer a magnitude do problema e tomar medidas, diz
Hernandez
É isso que estamos observando em outros países. Os
países que não tomam medidas em tempo hábil para lidar com a pandemia têm um
aumento exponencial no número de
infectados. E isso pode criar crises lá na frente.
Nossa experiência mostra que serviços de saúde podem colapsar. Então este é um
chamado muito importante para que as autoridades entendam qual é o nível de
crescimento da doença no Brasil.
Eu olharia para o que as demais autoridades estão
fazendo para além das falas públicas do presidente Bolsonaro.
BBC News Brasil - O senhor citou governadores. O
presidente tem culpado seus inimigos políticos pelas mortes. Tem criticado
exatamente governadores, dizendo que as mortes são culpa deles, e não do líder
federal. Alguns analistas o criticam por estar alimentando disputas políticas
em vez de se concentrar na crise. Como vê?
Hernández - Esta
não é o momento para política, a pandemia não é hora para politizar problemas.
É hora de agir e tomar medidas de forma adequada e em tempo. A experiência que
estamos observando no mundo mostra que países que estão seguindo recomendações
da OMS estão mais preparados para lidar com o problema.
É tempo de reconhecer a magnitude do problema e
tomar medidas. Não ajuda politizar neste momento. Essa é hora de todos os
atores do país estarem unidos em torno de um objetivo comum: lidar com a
questão de saúde. Ninguém quer que uma crise de saúde se transforme numa crise
de direitos humanos. Essa é a nossa preocupação no hemisfério.
BBC News Brasil - Membros do governo têm dito que a
imprensa só destaca notícias ruins sobre a crise e dizem que o jornalismo deve
se concentrar em notícias positivas em vez de mostrar problemas. O senhor
concorda?
Hernández -
A agenda em todo o mundo está focada na pandemia. A pandemia é a prioridade principal
na imprensa de todos os países. É claro que em todos os países há problemas
governamentais, problemas cotidianos. A vida continua. A normalidade de outras
questões não pode negligenciar o tamanho do problema.
BBC News Brasil - Bolsonaro é alvo de uma nova
queixa apresentada ao Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes contra a
humanidade graças a seu comportamento da pandemia de coronavírus. Este é o
segundo conjunto de acusações no TPI - o primeiro destaca "políticas
genocidas" em relação à população indígena. Algumas pessoas têm associado
o termo genocida ao presidente. Ele se aplica?
Hernández -
É muito difícil fazer uma qualificação nesse sentido. O crime de genocídio tem
delimitações específicas e eu não tenho os elementos para determinar isso.
Segundo, à luz do estatuto de Roma, a Corte Penal
Internacional tem que seguir um procedimento específico para abrir uma
investigação sobre qualquer acusado. Comunicações de atores nacionais são
enviadas ao escritório do procurador diariamente, sobre diferentes assuntos. O
procurador da Corte Penal Internacional recebe várias comunicações e cabe a
ele, a de acordo com as regras da corte, determinar quais dessas comunicações
estão aptas a dar início a uma investigação preliminar.
Daí, há um procedimento na corte para determinar
responsabilidade criminal do acusado.
© Getty Images Bolsonaro tem negado a gravidade do
problema desde o início
Acho que neste momento, estamos apenas na fase da
comunicação e é impossível determinar o que poderá acontecer no futuro.
BBC News Brasil - O que o senhor recomenda ao
Brasil neste momento? Qual seria a melhor conduta a partir de agora para
controlar a pandemia?
Hernández
- Há dois estágios. Um, lidar com a pandemia e seus efeitos - a coisa mais
importante a fazer é seguir as recomendações da OMS.
A OMS adotou regulações de acordo com as melhores
evidências científicas e a recomendação primária é promover distanciamento
social.
Muitos países adotaram diferentes formas de
distanciamento social. Em alguns há confinamento obrigatório. Isso varia de
país para país, e as medidas escolhidas para seguir as recomendações da OMS são
uma decisão soberana de cada Estado.
O que está claro para todos é que, neste momento,
distanciamento social é a medida primária a se tomar.
Em segundo lugar, nesse sentido, é evidente que
populações serão afetadas em sua sustentabilidade econômica. Por isso, o Estado
tem de oferecer apoio e assistência a comunidades afetadas, especialmente
aquelas que ganham sua renda em uma base diária e não têm o privilégio de
confinamento. O Estado tem a responsabilidade de garantir assistência social e
econômica a essas pessoas mais vulneráveis.
No longo prazo, entre várias coisas que devem ser
revistas pelos Estados, está a necessidade de os Estados revisarem seus sistemas
nacionais de saúde. A crise está testando a capacidade dos países em oferecer
serviços de saúde. E será importante que, entre outras coisas, em uma segunda
etapa, todos os países melhorem seus sistemas de saúde para lidar com crises.
Há sempre a possibilidade de pandemias anuais e os Estados precisam estar
preparados.
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