sexta-feira, 3 de abril de 2020

PESQUISA INÉDITA VAI ANALISAR A PRESENÇA DE CORONAVÍRUS PELAS FEZES DOS ESGOTOS


Inédita no Brasil, pesquisa da UFMG vai identificar regiões com maior presença de coronavírus em BH

Anderson Rocha







Análises serão feitas semanalmente até o fim do ano
Uma pesquisa inédita no Brasil, executada por 11 pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), vai ajudar a mapear de forma indireta a concentração de coronavírus em Belo Horizonte e Região Metropolitana a partir da sua presença na rede de esgoto. O estudo terá início em 10 dias e seguirá, semanalmente, até o fim deste ano, sinalizando o poder público sobre ações para a prevenção e o combate à Covid-19.
A inciativa é do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) ETEs Sustentáveis, sediado na UFMG e especializado em pesquisas sobre o tratamento de esgoto. De acordo com Carlos Chernicharo, coordenador do INCT, serão 22 pontos de coleta do material, entre os ribeirões do Onça, no Barreiro, e do Arrudas, em Santa Efigênia (Leste), além da Pampulha.
Segundo o especialista, os pontos de coleta foram escolhidos a partir de critérios como a proximidade de hospitais e o índice socioeconômico dos bairros ao longo da rede de esgoto da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa). A empresa, aliás, está terminando de avaliar os pontos onde ocorrerá o estudo.
"Esperamos mapear a mobilidade do Sars-CoV-2 em diferentes pontos da região a partir da análise das fezes presentes no esgoto. É um acompanhamento espacial e temporal da distribuição e das variações de concentração do coronavírus na nossa região", explicou Chernicharo que, juntamente com César Rossas Mota e Juliana Calábria, coordenam o estudo.
Além deles, oito pesquisadores - entre mestrandos, doutorandos e pós-doutorandos - do Programa de Pós-Graduação em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos da UFMG participam da pesquisa, que é financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).
Finalidade prática
Com a informação de quais regiões concentram as maiores proporções de coronavírus no esgoto, os pesquisadores acreditam que poderão apoiar a tomada de decisão por parte do poder público em relação às medidas de controle da disseminação da doença. Segundo Chernicharo, o estudo permitirá uma "indicação indireta dos portadores assintomáticos" ou da quantidade de pessoas que, mesmo doentes, não fizeram exames de comprovação da Covid-19.
O estudo feito na UFMG reproduz em BH uma pesquisa realizada na Holanda, que detectou a presença do coronavírus em amostras de esgoto. No caso europeu, o Sars-CoV-2 foi encontrado na rede de rejeitos do aeroporto de Schiphol, além de estações de tratamento das cidades de Kaatsheuvel e de Tilburg.
Riscos aos rios
Embora não seja foco desta pesquisa mineira, Chernicharo relembra a importância de que pessoas que trabalham com o esgoto ou que, de alguma maneira, tenham hábitos de nadar em rios, se cuidem.
"Os profissionais que atuam na área de esgotamento sanitário, como os que operam as redes coletoras e estações de tratamento, e os pesquisadores que manuseiam amostras de esgoto, não podem abrir mão de medidas como a utilização de equipamentos de proteção individual, a fim de evitar a ingestão inadvertida de esgoto, ainda que por meio da ingestão de aerossóis (partículas finíssimas, sólidas ou líquidas, suspensas no ar), para evitar a contaminação", finalizou.
Uma nota técnica publicada na última semana pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) ETEs Sustentáveis - sediado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) - e que se dedica a pesquisas e ações relacionadas ao tratamento de esgoto, alerta para a presença do coronavírus na rede de escoamento de dejetos.
O texto do INCT faz referência a um estudo divulgado pela revista britânica The Lancet Gastroenterol Hepatol, em que pacientes com a covid-19 apresentaram em suas fezes o RNA do Sars-CoV-2, o novo coronavírus, causador da doença.
As análises também constataram em cerca de metade dos pacientes investigados, que a detecção do RNA viral se deu por cerca de 11 dias após as amostras do trato respiratório testarem negativo.
De acordo com a publicação, tal situação indica a replicação ativa do vírus no sistema gastrointestinal e a possibilidade da transmissão via feco-oral ocorrer mesmo após o trato respiratório estar livre do vírus.
O estudo da revista britânica afirma que também há evidências da presença de outros coronavírus (como o Sars-CoV e o Mers-CoV) nas fezes e de sua capacidade de permanecerem viáveis em condições que facilitariam a transmissão via feco-oral.
Cuidados
Coordenador do INCT, o professor Carlos Chernicharo destaca a necessidade de cuidado pelos trabalhadores e pesquisadores do setor para evitar a contaminação.
“Os profissionais que atuam na área de esgotamento sanitário, como os que operam as redes coletoras e estações de tratamento, e os pesquisadores que manuseiam amostras de esgoto, não podem abrir mão de medidas como a utilização de equipamentos de proteção individual, a fim de evitar a ingestão inadvertida de esgoto, ainda que por meio da ingestão de aerossóis (partículas finíssimas, sólidas ou líquidas, suspensas no ar), para evitar a contaminação”, completa Chernicharo,
Ainda segundo a nota técnica, medidas de segurança ocupacional, já adotadas como padrão, são eficazes na proteção contra o coronavírus e outros patógenos presentes no esgoto.
Covid-19 nos rios
Outra preocupação dos pesquisadores da UFMG é a possibilidade de uma grande carga viral estar sendo despejada nos rios neste momento de pandemia.
"Como consequência, poderá aumentar a disseminação do Sars-CoV-2 no ambiente e a infecção da parcela mais vulnerável da população, que não tem acesso a infraestrutura adequada de saneamento básico”, afirma a nota técnica, que é assinada por Carlos Chernicharo e pelos colegas de INCT César Mota e Juliana Araújo, também professores da UFMG.
O texto recomenda ações coordenadas urgentes dos profissionais das áreas de saúde, saneamento, universidades e governos no cenário atual de emergência de saúde pública.
A publicação ressalta que cerca de 100 milhões de brasileiros não têm acesso a serviços de coleta de esgoto e 35 milhões não usam água tratada, também segundo o SNIS 2018. O INCT ETEs Sustentáveis afirma que já foi procurado pelo governo estadual para discutir o assunto.

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