Guerra entre Bolsonaro e
Moro chega ao Congresso e ao STF esta semana
Jorge Vasconcellos
© Ed Alves/CB/D.A. Press. Brasil -
17/4/20 Bolsonaro escolheu Jorge Oliveira para assumir o Ministério da Justiça:
só falta sair no Diário Oficial
A semana que começa será marcada pelo aprofundamento da crise
enfrentada pelo governo, com os desdobramentos das acusações do ex-ministro
da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro contra o presidente Jair
Bolsonaro. O Supremo Tribunal Federal (STF) deve abrir inquérito para
investigar, a partir das denúncias, se o chefe do governo tentou interferir
politicamente na Polícia Federal para ter acesso a relatórios de
inteligência do órgão. No Congresso, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ),
será pressionado a dar andamento a pedidos de impeachment de Bolsonaro e de
instalação de uma CPI para apurar o caso.
A decisão sobre a possível instauração do inquérito será do ministro
Celso de Mello, decano do Supremo, a partir de pedido apresentado pelo
procurador-geral da República, Augusto Aras, na sexta-feira (24/4). No Congresso,
um dos pedidos de impeachment contra o presidente Bolsonaro será apresentado
nestas egunda-feira (27/4)pelo PSB, com base nas denúncias de Moro e
também em supostos crimes de responsabilidade que teriam sido cometidos pelo
chefe do Executivo em meio à crise do novo coronavírus. Além disso, também na
sexta-feira, o deputado Aliel Machado (PSB-PR) protocolou um requerimento de
instalação de uma CPI para apurar os relatos do ex-ministro da Justiça e
Segurança Pública.
Já no Executivo, Bolsonaro deve confirmar o nome de Jorge Oliveira,
atual secretário-geral da Presidência, como novo ministro da Justiça e
Segurança Pública. Advogado e major da reserva da Polícia Militar do Distrito
Federal, ele é o preferido da família do presidente, da qual é amigo. O pai
de Oliveira trabalhou com o presidente durante 20 anos, quando Bolsonaro era
deputado. O próprio secretário-geral já foi assessor parlamentar de Bolsonaro
e, depois, chefe de gabinete na Câmara de Eduardo Bolsonaro (PSL-SP),
filho do presidente. Oliveira também foi padrinho de casamento de Eduardo
Bolsonaro. A cerimônia foi realizada em 2019.
O nome do novo diretor-geral da Polícia Federal também deve ser
anunciado por Bolsonaro. Será Alexandre Ramagem, atual diretor da
Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Ramagem foi o coordenador da
segurança de Bolsonaro durante a campanha eleitoral de 2018 e se tornou amigo
da família do presidente. O deputado federal Marcelo Freixo (PSol-RJ)
anunciou que vai apresentar uma ação na Justiça para impedir que Ramagem assuma
o novo cargo. Na sexta-feira, o líder do partido Rede no Senado, Randolfe
Rodrigues (AP), já havia recorrido à Justiça com o mesmo objetivo.
Ainda no governo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, se reúne com
Bolsonaro, às 14h, no Palácio do Planalto. Considerado nos bastidores a “bola
da vez” da fritura no governo, Guedes entrou em atrito com colegas na Esplanada
e expôs sua contrariedade com o plano econômico anunciado na semana passada
para o período pós-pandemia do coronavírus. Em conversa ríspida com o ministro
do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, no Palácio do Planalto, acusou o
ex-auxiliar de atrapalhar a atuação do Banco Central na crise e na política de
juros.
Repercussão
O advogado constitucionalista Paulo Palhares, do Ibmec Brasília, avalia
os possíveis desdobramentos da divulgação por Sergio Moro de uma troca de
mensagens com Bolsonaro. “No âmbito administrativo, houve suposta quebra da
impessoalidade por parte do presidente, com violação direta do artigo 37 da
Constituição. Já no âmbito criminal, o presidente pode ter incorrido nos crimes
de advocacia administrativa, que é se valer do cargo para defesa de interesses
privados, e obstrução da Justiça, por praticar atos e visam embaraçar a
investigação criminal”, disse Palhares.
A advogada Vera Chemin, mestre em administração pública e pesquisadora
do direito constitucional, considera que, caso confirmadas as informações
prestadas por Sergio Moro, o presidente terá “cometido atos que atentam contra
os princípios da administração pública, como, por exemplo, a legalidade, a
impessoalidade, a moralidade e a eficiência”. Segundo a advogada, essas
violações são passíveis de processo por crime de responsabilidade e consequente
perda do mandato por impeachment.
Na Esplanada
Confira como começa a semana nos três Poderes da República, após a crise
gerada com a saída de Sergio Moro do Ministério da Justiça e da Segurança
Pública
Executivo
» O presidente Jair Bolsonaro deve confirmar que o atual
secretário-geral da Presidência, Jorge Oliveira, será o novo ministro da
Justiça e Segurança Pública, em substituição a Sergio Moro, que pediu demissão
na última sexta-feira. Bolsonaro vai nomear Alexandre Ramagem, atual diretor da
Agência Brasileira de Inteligência (Abin), como novo diretor-geral do
Departamento de Polícia Federal.
Legislativo
» Partidos de oposição vão apresentar, na Câmara dos Deputados, pedidos
de abertura de processo de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro, em
razão das denúncias do ex-ministro Sergio Moro e de outros casos em que o chefe
do Executivo teria cometido crimes de responsabilidade, a exemplo das violações
das recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) para conter o avanço do
novo coronavírus. A oposição também vai pressionar pela instalação de uma CPI
para apurar as denúncias de Moro.
Judiciário
» O ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal (STF),
deve decidir hoje sobre a instauração de inquérito para apurar as denúncias
feitas pelo ex-ministro Sergio Moro de que o presidente Jair Bolsonaro
interferiu politicamente na Polícia Federal para ter acesso a relatórios de
inteligência produzidos pelo órgão. Segundo especialistas, o presidente corre o
risco de ser enquadrado em diferentes crimes, entre os quais o de obstrução de
Justiça, falsidade ideológica e advocacia administrativa (patrocinar, direta ou
indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da
qualidade de funcionário).
Cara a Cara
Como o senhor avalia a crise política desencadeada pela saída de Sergio
Moro da Justiça?
É grave
© Vinicius Cardoso/Esp. CB/D.A Press
Alessandro Molon (PSB-RJ), deputado federal
O PSB defende que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, dê andamento aos
pedidos de abertura de processo de impeachment contra o presidente Jair
Bolsonaro, porque as acusações do ex-ministro Sergio Moro são muito graves. O
partido vai apresentar um requerimento nesse sentido, a partir de decisão
tomada na última sexta-feira. Nós já tínhamos esse objetivo, por que o presidente
já cometeu uma série de crimes de responsabilidade desde que tomou posse. Mas
decidimos não apresentar o pedido de impeachment para não aprofundar ainda mais
a crise política em meio à pandemia do novo coronavírus. Agora, entretanto, em
razão das graves denúncias do ex-ministro Sergio Moro, avaliamos que não dá
mais para suportar o presidente incorrendo em uma série de atos delitivos.
É pirotecnia
© Rogério Dias/Divulgação
Carlos Jordy (PSL-RJ), deputado federal
Isso tudo é uma grande pirotecnia, a oposição está fazendo um papel
muito feio no momento em que o país enfrenta uma crise sanitária com graves
impactos na economia. O que temos visto são apenas ilações sem qualquer
embasamento ou materialidade. Print de WhatsApp, como o apresentado pelo
ex-ministro Sergio Moro, não é prova. Ele expôs uma troca de mensagens com a
deputada Carla Zambelli, sua afilhada de casamento, para mostrar que o
presidente iria indicá-lo para uma vaga no Supremo Tribunal Federal, caso
concordasse com a demissão do diretor da Polícia Federal. A verdade é que a
deputada não tem competência para negociar indicação de ninguém para ser
ministro. Além disso, é totalmente desnecessária a instalação de uma CPI,
principalmente porque o caso já está judicializado, pela Procuradoria-Geral da
República, no STF.
Palavra de Especialista
Trocas devem continuar
O presidente Jair Bolsonaro nasceu da polêmica. Considerando esse
aspecto, é natural que ocorram divergências dele com relação à equipe. O
problema é quando essas divergências ficam ingerenciáveis. A gente tem
percebido que, quando a situação envolve determinados temas que estão muito
enraizados na forma de o presidente pensar, sempre há um conflito muito grande
entre Bolsonaro e os seus subordinados. E como ele não consegue se convencer,
isso acaba resultando na demissão. De certa forma, o presidente é muito
assertivo nas suas posições e dificilmente recua delas. Qualquer ministro está
sujeito a este tipo de embate. Hoje, por exemplo, vemos que o Paulo Guedes,
escolhido como ministro da Economia com a orientação de conter o deficit
fiscal, foi pressionado por um plano de recuperação econômica feito pela Casa
Civil — comandada pelo Walter Braga Netto, um militar — que demanda gastos
públicos. Se a situação não for muito bem arbitrada pelo Bolsonaro, um dos
lados será prejudicado. Ele foi eleito presidente e cabe a ele balancear isso,
se não, a corda vai arrebentar para um dos dois ministérios. De todo modo, cabe
o alerta: é provável que ele siga trocando os ministros que insistirem agindo
contra as suas orientações.
Cristiano Noronha, cientista político da Arko Advice
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