Banco Central descarta qualquer possibilidade de haver confisco
Trauma do Plano Collor assombra, mas
cenários são distintos, dizem especialistas
Por Queila
Ariadne
Em 1990 poupanças e aplicações foram bloqueadas
pelo presidente Fernando Collor
O bloqueio de poupanças e aplicações do Plano
Collor aconteceu há 30 anos, mas o trauma ainda assombra quem teve o dinheiro
confiscado. Esse efeito psicológico, que já atravessa três décadas, tem feito
muita gente se preocupar com a chance de o governo repetir a ideia como forma
de arrumar recursos para as medidas de combate ao coronavírus. Por meio de
nota, o Banco Central (BC) disse que “descarta qualquer possibilidade de
confisco”.
O especialista em direito constitucional Renato
Assis afirma que a medida é praticamente impossível dos pontos de vista tanto
econômico e social quanto do político e jurídico. “Primeiro, o cenário atual é
totalmente diferente. Há 30 anos, tínhamos uma hiperinflação, e o Collor fez o
confisco com o objetivo de retirar dinheiro de circulação. Hoje, tudo que o
governo precisa é o oposto: fazer o dinheiro circular”, analisa.
Naquela época, a inflação anual passava de 6.000%.
Agora, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) gira em torno de 4%. Numa
simulação feita na Calculadora do BC, ferramenta que permite estimar correções
de valores, de março de 1989, um ano antes do confisco, para março de 1990, 100
cruzados novos se transformaram em 6.983 cruzados novos. De março do ano
passado até hoje, R$ 100 virariam R$ 104.
Mudanças na legislação e no cenário político também
inviabilizariam um confisco da forma como foi feito no passado. “Seria
inconcebível porque, ao contrário do que o Collor fez, por meio de uma Medida
Provisória (MP), hoje teria que passar pelo Congresso Nacional”, afirma o
coordenador de alocação da XP Investimentos, Felipe Dexheimer.
Entenda
Em março de 1990, um dia depois da posse, o
presidente Fernando Collor pegou a população de surpresa, editou uma MP
determinando o bloqueio de valores acima de 50 mil cruzados novos nas poupanças
e aplicações. “Isso não seria possível agora, pois a Emenda Constitucional 32,
aprovada em 2001, veda a edição de uma MP que trate de matéria que vise à
detenção ou ao sequestro de bens, poupança popular ou qualquer outro ativo
financeiro. Para entrar em vigor, teria, primeiro, que mudar a Constituição e,
depois, passar por todo o processo de aprovação das duas Casas (Câmara e
Senado)”, explica Assis.
O advogado ainda ressalta uma questão social. “Em 1990,
as pessoas foram pegas de surpresa. Com a força da internet, ninguém mais
consegue votar projetos de madrugada sem que ninguém saiba”, observa o
especialista.
Mudanças de aplicações devem ser pensadas com
frieza
O primeiro caso de coronavírus no Brasil foi
registrado no dia 26 de fevereiro. Mesmo antes de a Organização Mundial da
Saúde (OMS) decretar a pandemia, no dia 11 de março, o mercado financeiro já
sentia sintomas graves do impacto da doença. Em apenas um mês, o dólar disparou
15,6%, e a Bolsa despencou 29,9%. Até as aplicações mais conservadoras de renda
fixa e poupança viraram motivo de preocupação e trouxeram à tona a pergunta: o
que fazer e onde aplicar neste momento?
Segundo o coordenador de alocação da XP
Investimentos, Felipe Dexheimer, quando o mercado fica muito rápido, o melhor é
mover-se devagar. “Mesmo se a pessoa chegar à conclusão de que é hora de
reduzir a posição de risco, tem que fazer isso aos poucos. Entendemos que muita
gente, principalmente os autônomos, vai precisar de dinheiro. A hora é de
analisar bem antes de resgatar aplicação. Se o motivo for de real necessidade,
tem que fazer com calma. Mas, se a questão for emocional, não se deve agir pelo
susto. Tem que pensar com frieza”, afirma.
O coordenador do curso de administração do Ibmec,
Eduardo Coutinho, também entende que o medo é o pior conselheiro. “Eu acredito
que a hora não é de sair nem entrar em nenhuma aplicação”, diz o economista,
lembrando que, mesmo com baixa remuneração, fundos de renda fixa ainda são
melhores que poupança.
Segundo o analista da Ativa Investimentos Ilan
Arbetman, a recomendação é diferente para cada perfil. “Não existe regra, mas,
seja o mais agressivo ou o mais moderado, que não gosta de movimentos bruscos,
a primeira coisa é manter a calma e pedir ajuda a um especialista para aplicar
com segurança”, diz. Para quem é mais arrojado, Arbetman afirma que não é hora
de sair da Bolsa. “A renda fixa está com rendimento baixo e tende a cair ainda
mais, pois medidas de estímulo à economia tendem a baixar taxa de juros”.
Melhor agora é ter cautela, afirma especialista
O presidente da Febracis, Paulo Vieira,
especialista em inteligência emocional, afirma que, diante da imprevisibilidade
que a pandemia impôs tanto para empresas quanto para pessoas físicas, a
estratégia tem que passar por dois pontos: cautela e liquidez. “Não é hora de
fazer nenhum grande investimento, porque ninguém sabe quanto tempo tudo isso
vai durar. É hora de deixar o dinheiro livre”, explica.
Segundo o coach, o primeiro passo é fazer bem o
dever de casa financeiro. “Tem que se voltar para o orçamento como nunca. Ver o
que dá para cortar, fazer as projeções de fluxo e traçar o cenário mais
pessimista. Se no fim as coisas se resolverem mais rápido, ótimo”, destaca.
Sobre
as contas de casa, a dica é avaliar as condições que cada credor pode oferecer
para gerenciar os pagamentos. “Companhias de água e luz estão dando mais prazo,
por exemplo. (De) cartão de crédito e cheque especial tem que fugir, é melhor
pegar um empréstimo, principalmente se for consignado, porque o juro é menor”,
afirma.
C
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