Analistas avaliam que atritos entre governo e Congresso vão continuar
Luiz Calcagno
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AFP / EVARISTO SA A crise constante entre o Executivo e o Legislativo
atrasará as tomadas de decisão no combate ao novo coronavírus, tanto no que diz
respeito à saúde quanto no que se refere a empregos e economia. E já
existem exemplos disso. Um deles é o projeto de lei de ajuda aos estados, que
contraria o governo. Outro, já em vigor, é o auxílio emergencial aos
trabalhadores informais que, na ausência de iniciativa do presidente, passou na
Câmara com um texto de 2018 adaptado à nova situação.
Nesse cenário, há, ainda, um equilíbrio de impossibilidades:
de um lado, não há clima para um impeachment de Jair Bolsonaro, que sairia mais
forte de um processo, caso conseguisse evitar a perda do mandato, e de outro,
não há espaço para um eventual golpe na democracia, pois, dificilmente, o
presidente da República, isolado politicamente por conta de suas declarações
mais recentes, teria apoio dos militares, por exemplo. É como cientistas
políticos avaliam a relação entre dois dos Três Poderes na semana que começou
com o chefe do Executivo participando de uma manifestação contrária ao STF e ao
Congresso e revogando uma medida provisória que estava condenada a caducar no
parlamento — a MP 905, que criava o Contrato de Trabalho Verde e Amarelo,
destinado a estimular a contratação de jovens de 18 a 29 anos.
Professor e pesquisador do Departamento de Ciências
Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Ricardo Ismael
destacou que um momento de crise já é desfavorável ao diálogo naturalmente e
piora quando um dos lados não tem interesse em manter o tom da conversa. “O
país está passando por uma crise, e o que se tem de fazer é responder às
demandas da sociedade. O ideal era que houvesse mais unidade entre presidente e
governadores, entre Executivo e Legislativo, mas é muito difícil atravessar uma
crise dessa, com escolhas controversas, em um momento em que se briga por
tudo”, avaliou. “Nas nossas circunstâncias, por exemplo, qualquer presidente do
mundo manteria o (Luiz Henrique) Mandetta (ex-ministro da Saúde), mas Bolsonaro
tira em nome de questões políticas, teorias conspiratórias, grupos
ideológicos.”
HerançaEduardo
Galvão, professor de Políticas Públicas do Ibmec Brasília, por sua vez,
destacou que a tensão entre Executivo e Legislativo tem em Bolsonaro seu
agravador, mas há antecedentes históricos. “A crise entre poderes é sintoma de
uma transformação. O modelo de presidencialismo de coalizão sempre seguiu a
lógica de compartilhamento do poder por meio de indicação de cargos, emendas
parlamentares e verba no orçamento. Eduardo Cunha (ex-presidente da Câmara) e
depois o Rodrigo Maia (atual presidente da Casa) desidrataram a possibilidade
de emendas. Bolsonaro não quis distribuir cargos. O Congresso engessou ainda
mais o Orçamento”, enumerou.
Ele recordou, ainda, que a crise ganha contornos
mais claros por conta da pandemia, que evidencia as fraquezas e as
instabilidades da sociedade, mas que o presidente já dispara contra o
Legislativo há mais tempo. “Veja que as ferramentas tradicionais não funcionam
mais. Bolsonaro propôs o fim do presidencialismo de coalizão, mas não colocou
outro modelo no lugar. E até encontramos o rumo, vai haver atritos. Se as
instituições não forem fortes, pode haver ruptura”, alertou.
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