quarta-feira, 4 de março de 2020

NEGOCIAR COM QUEM NÃO QUER É MUITO DIFÍCIL


O presidente e o Congresso

Tiago Mitraud







Ao se eleger, Bolsonaro tomou a correta decisão de não lotear ministérios e dar fim ao chamado “presidencialismo de coalizão”, adotado por todos os seus antecessores. Conseguir maioria no Congresso era “fácil”. Bastava nomear ministros e diretores de estatais indicados pelos grandes partidos e os votos a favor do governo no Congresso vinham no pacote. Algumas vezes um “agrado” financeiro não era dispensado, como o mensalão bem mostrou.
Em troca, os nomeados faziam semblante de trabalhar para o governo enquanto acabavam operando não em favor do país, mas de seus partidos. Nomeavam correligionários para inúmeros cargos sem exigir entrega de resultados e beneficiavam destinação de verbas para estados e municípios governados por aliados. Além disso, não podemos esquecer, assinavam contratos espúrios em que parte do valor retornava para os partidos e seus caciques, conforme bem relatado nos autos do petrolão e outros esquemas afins.
Acabar com estas trocas era fundamental e, felizmente, isto foi feito. O problema é que o presidente continua a depender do Congresso, como deve ser em uma democracia, e o presidencialismo de coalizão precisa dar lugar a uma nova relação entre o Executivo e o Legislativo. E Bolsonaro ou ainda não se deu conta dessa necessidade, ou pior, não se interessa por implementá-la.
É verdade sim que para isso precisamos de mais parlamentares interessados em verdadeiramente construir uma agenda para o país. Ainda não somos maioria. Muitos ainda estão lá para simplesmente conseguirem verbas para seus redutos e manterem seus grupos políticos eternamente no poder. Porém, ainda que esta seja a realidade, o Executivo, especialmente o presidente, precisa se movimentar para construir uma alternativa e Bolsonaro tem, insistentemente, feito o contrário.
A postura que o presidente e seus aliados têm adotado desde o início do mandato de confrontamento com o Congresso não é saudável ao país e nem ao seu próprio governo. Ao invés de se aproximar do Legislativo e buscar articular uma agenda com aqueles que podem concordar com esta e trazer votos, Bolsonaro prefere postar vídeos como o do leão sendo cercado por hienas e convocar amigos para manifestações que o exaltam, em detrimento a outras instituições da República.
Tais comportamentos dão margem para que aqueles congressistas ainda interessados em extrair vantagens do governo contra-ataquem e proponham medidas descabidas, como a destinação de R$30 bilhões nas mãos do relator do orçamento.
O presidencialismo de coalizão finalmente acabou. Mas não podemos ficar presos no abismo atual. Precisamos que o presidente lidere e seja exemplo de uma nova forma de se relacionar com o Congresso, pois o Brasil já não pode mais esperar.




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