Vítimas do
coronavírus são enterradas sem funerais em todo o mundo
Amanda de Oliveira
Souza
Hoje em Dia - Belo
Horizonte
Abatido pelo
coronavírus aos 83 anos de idade, Alfredo Visioli se despediu de sua vida longa
com uma cerimônia curta em um cemitério próximo de Cremona, sua
cidade natal no norte da Itália.
"Eles o
enterraram assim, sem um funeral, sem seus entes queridos, só com uma bênção do
padre", disse sua neta, Marta Manfredi, que não pôde comparecer. Como a
maior parte dos familiares do falecido, e do país, ela está confinada ao lar.
Rituais antigos para homenagear os
mortos e confortar os enlutados estão sendo abreviados ou descartados pelo medo
de aumentar o contágio
"Quando tudo
isso passar", promete, "nós lhe daremos um funeral de verdade".
Em qualquer local
que o coronavírus tenha atingido, independentemente de cultura ou religião,
rituais antigos para homenagear os mortos e confortar os enlutados estão sendo
abreviados ou descartados pelo medo de aumentar o contágio.
O vírus, que já
matou quase 9 mil pessoas em todo o mundo, está reformulando muitos aspectos da
morte, da objetividade de se lidar com corpos infectados à observância das
necessidades espirituais e emocionais dos que ficam.
Na Irlanda, a
autoridade de saúde está aconselhando os funcionários de necrotérios a
colocarem máscaras em cadáveres para diminuir até o menor risco de infecção.
Na Itália, uma
empresa de funerais está usando links de vídeo para permitir que famílias em
quarentena vejam um padre abençoar o falecido. Na Coreia do Sul, o medo do
vírus está provocando uma redução tão grande no número de pessoas nos funerais
que empresas que servem refeições nestas ocasiões sofrem para se manter.
Há pouco tempo para
cerimônias em cidades muito atingidas, como Bergamo, ao nordeste de Milão, onde
os necrotérios estão lotados e o crematório está funcionando em tempo integral,
disse Giacomo Angeloni, autoridade local a cargo dos cemitérios municipais.
A Itália já relatou
quase 3 mil mortes decorrentes da Covid-19, a doença causadas pelo coronavírus
– a cifra mais alta fora da China, onde o vírus surgiu. O Exército enviou 15
caminhões e 50 soldados a Bergamo na quarta-feira para transferir corpos
para províncias menos sobrecarregadas.
Uma proibição de
aglomerações acabou com os rituais essenciais que nos ajudam a passar pelo
luto, disse Andy Langford, principal chefe de operações da Cruse Bereavement
Care, instituição de caridade britânica que oferece cuidados e aconselhamento
gratuito.
Mão de obra extra
No Irã, assim como
no norte da Itália, funcionários de hospitais e necrotérios lidam com uma
sobrecarga de corpos. O vírus já matou 1.284 pessoas e infectou milhares na
nação, de acordo com a televisão estatal.
As autoridades
contrataram mais gente para cavar túmulos, disse o administrador do cemitério
Behesht-e Zahra de Teerã. "Trabalhamos dia e noite", contou.
"Nunca vi uma situação tão triste. Não há funerais."
A maioria dos corpos
chega de caminhão e é enterrada sem o ritual de lavagem que o islamismo dita,
explicou.
Mortes provocadas
pela Covid-19 têm sido registradas como ataques cardíacos ou infecções
pulmonares, disse o funcionário de um hospital de Kashan, cidade localizada a
cerca de três horas de carro de Teerã, à Reuters.
"As autoridades
estão mentindo a respeito do total de mortos", afirmou.
Risco de infecção
Em vários países,
levas de infecções surgiram depois de funerais. Na Coreia do Sul, onde mais de
90 pessoas morreram, o governo exortou as famílias de vítimas da Covid-19 a
cremarem seus entes queridos primeiro e realizarem os funerais mais tarde.
Os funerais coreanos
costuma acontecer nos hospitais e envolvem três dias de orações e banquetes.
Desde o surgimento
do surto, o número de participantes de funerais despencou 90%,
independentemente de o falecido ter o vírus ou não, disse Choi
Min-ho, secretário-geral da Associação Coreana de Funerais.
As autoridades de
Wuhan, o epicentro da epidemia na China e o local da maioria das mortes,
identificou rapidamente o negócio dos funerais como uma fonte de transmissão em
potencial.
No final de
janeiro, a agência civil local ordenou que todos os funerais de vítimas
confirmadas do Covid-19 ficassem a cargo de uma única agência funerária do
distrito de Hankou. As cerimônias de luto, que normalmente são eventos sociais
agitados na China, foram limitadas, assim como todas as outras aglomerações
públicas.
No mês passado, um
funcionário de uma agência funerária de Hankou que só se identificou com Huang
escreveu um ensaio que circulou nas redes sociais. Ele disse que seus colegas
de profissão estão tão sobrecarregados quanto os médicos da cidade, mas que
testemunharam menos reconhecimento.
Doença cruel
Também na Espanha
uma grande leva de casos foi ligada a um funeral em Vitória, cidade do norte,
no final de fevereiro. Ao menos 60 pessoas que estiveram presentes foram
diagnosticadas após o evento, segundo reportagens da mídia local.
Com mais de 600
mortes, a Espanha é o segundo país mais assolado da Europa, só ficando atrás da
Itália, e agora a maioria das pessoas está isolada em casa.
Referindo-se a estas
restrições, o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, classificou o
coronavírus como uma doença "cruel" que paralisa a necessidade humana
de socialização
Na Irlanda, por
enquanto ainda se permite até 100 convidados em todos os funerais, mas a
maioria das famílias está optando por pequenas cerimônias particulares e
incentivando outros a expressarem seus pêsames pela internet em sites como o
RIP.ie, onde obituários e convites a funerais costumam ser publicados.
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