Coronavírus: as vantagens relativas da América Latina para combater a
pandemia
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Se sistemas de saúde como os da Espanha ou da
Itália já estão operando no limite, o que acontecerá quando a pandemia do
coronavírus atingir em cheio a América Latina?
Desde que o primeiro caso foi registrado no Brasil,
em 26 de fevereiro, a região passa por uma fase de contenção do coronavírus.
Isso levou diversos países a tomar medidas
drásticas como quarentena, distanciamento social, fechamento de fronteiras e
realização de testes em massa.
Embora ainda estejamos longe da gravidade de países
como China, Coreia do Sul ou da Europa, as autoridades fazem um alerta.
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"Chegar a uma situação como a da Itália ou da
Espanha seria algo muito dramático e catastrófico, e não podemos descartar que
pode acontecer", diz Marcos Espinal, diretor do Departamento de Doenças
Transmissíveis e Determinantes Ambientais da Organização Pan-Americana da Saúde
(OPAS) à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC.
"Os sistemas de saúde devem se preparar para o
pior cenário", acrescenta.
Pouco investimento
A Itália, o país mais afetado até agora, registra
mais de 100 mil casos de coronavírus e cerca de 11 mil mortes. Na América
Latina, o país com mais mortes é o Brasil (136 até domingo, 29 de março).
Miguel Lago, diretor do Instituto de Estudos de
Políticas de Saúde (IEPS), com sede no Rio de Janeiro, concorda.
"É muito possível que aconteça na América
Latina o que aconteceu na Itália ou talvez pior, porque a Itália investe quase
7% do PIB em saúde pública e possui um sistema mais forte que os de nossos
países", diz o especialista, ao destacar que o México só investe 3% do PIB
em saúde pública.
No Brasil, a taxa ficou em torno de 4% do PIB nos
últimos anos.
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Getty Images Grandes avenidas de várias cidades da região estão vazias após as
ordens de isolamento
"Podemos ter um cenário mais aterrorizante que
o da Itália", alerta.
Mas, apesar das deficiências dos sistemas de saúde
e das desigualdades, a América Latina possui vantagens para enfrentar a crise
e, talvez, sofrer menos que outras partes do mundo.
Tempo e distância
América Latina e África foram as regiões aonde o
coronavírus chegou mais tarde. Surgido na China, o vírus de lá se espalhou para
o restante da Ásia e depois para a Europa e os Estados Unidos, as áreas mais
afetadas pelo surto no momento.
A distância da América Latina da Ásia e da Europa,
regiões separadas por oceanos, nos permitiu economizar tempo.
Já as experiências de contenção tomadas pela China
e pela Europa serviram de base para tomarmos medidas preventivas muito mais
cedo do que Itália e Espanha, por exemplo, países que vivem uma explosão no
número de casos - e de mortos.
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Getty Images Vários países da América Latina ordenaram toques de recolher ou
quarentena, entre outras medidas
"Uma vantagem é o tempo que a região teve para
se preparar e tomar medidas de contenção e mitigação", diz Espinal.
A Venezuela, por exemplo, decretou a quarentena
total do país com menos de 20 casos; a Argentina, antes do número de mortos
chegar a quatro.
Na Espanha, os casos confirmados dispararam a
partir de 25 de fevereiro, mas foi somente em 15 de março que a quarentena foi
decretada em todo o território. O país tem mais de 85 mil casos e mais de 7 mil
mortes.
"Isso nos afetará (o coronavírus). O
importante é minimizar a possibilidade de surtos maciços e implementar medidas
que nos ajudem a controlar o máximo possível a possibilidade de ocorrer o que
está ocorrendo nos Estados Unidos, Itália, China ou Irã", diz Espinal, da
OPAS.
A América Latina "tem tempo para se
preparar."
Essa é sua grande vantagem: interromper o ritmo de
contágio.
A partir do momento em que há transmissão
comunitária (quando já não se sabe a origem da contaminação), os sistemas de
saúde ficarão sobrecarregados e as deficiências estruturais, mais aparentes:
serão necessárias unidades de terapia intensiva adequadas, respiradores para
respiração assistida, camas e equipamentos de proteção para a equipe médica.
Experiência com
doenças infecciosas
Outra vantagem é que, ao contrário da Europa, a
América Latina está acostumada a lidar com doenças infecciosas.
A região "tem uma vasta experiência no
gerenciamento de surtos e pandemias, como o H1N1 em 2009 e a zika há 4, 5
anos", lembra Espinal.
"A América Latina aprendeu com essas lições e
os países estão um pouco mais bem preparados do que antes dessas
epidemias."
Por exemplo, ao controlar pontos de entrada nos
países, como aeroportos, e ter unidades e laboratórios de isolamento prontos.
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Getty Images Brasil e outros países da região enfrentaram epidemia de zika em
anos recentes
"Temos um panorama epidemiológico complexo,
com sistemas acostumados a essa complexidade, para atender pacientes com
doenças não transmissíveis (câncer, cardiovascular, diabetes ...) e doenças
infecciosas", diz Lago, do IEPS.
Como exemplo, ele cita a dengue, que vem
registrando números recordes, inclusive neste ano, mas também zika,
chikungunya, malária e febre amarela.
"É uma região resiliente que enfrentou o zika
com muito sucesso", disse Espinal, referindo-se à crise causada pela
doença transmitida por mosquitos que afetou especialmente o Brasil.
"As doenças emergentes ou reemergentes estão
lá e fazem parte de nossa vida cotidiana", diz Espinal, que, no entanto,
alerta que a epidemia do novo coronavírus é muito mais séria e com consequências
ainda imprevisíveis.
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Getty Images Alguns países vêm realizando operações policiais para garantir que
as pessoas permaneçam em suas casas
Alguns países realizam verificações com as pessoas
que continuam circulando com seus veículos, apesar das ordens de ficar em casa.
Assim como durante o surto de zika, a sociedade
precisa se mobilizar e se unir diante de um surto que atravessa fronteiras, dizem
os especialistas.
E, da mesma forma que antes, o acesso à informação
é essencial, acrescentam.
"As pessoas tiveram que aprender o que fazer
com os criadouros de mosquitos e agora precisam aprender como gerenciar
distâncias sociais ou medidas de higiene pessoal", diz Espinal.
"Temos a capacidade técnica, mas não os
recursos e suprimentos, então teremos que ver o tamanho da epidemia aqui",
alerta Lago.
"Se poucas pessoas estão infectadas, temos
toda a capacidade de controlar isso bem, mas se 20% da população acabar
infectada, o que não é um cenário impossível, teremos grandes problemas",
ressalva.
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