Entenda a Lei de Abuso de Autoridade, que começa a valer hoje
Clara Cerioni
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EyeEm//Entenda a Lei de Abuso de Autoridade, que começa a valer hoje/Getty
Images Justiça: a lei define que 45 condutas poderão ser punidas com até quatro
anos de detenção, multa e indenização à pessoa afetada
Uma
das discussões mais acaloradas do ano passado no Congresso Nacional, a Lei
de Abuso de Autoridade (nº 13.869) começa a valer
para todos os agentes públicos do país a partir desta sexta-feira (3).
Dentre as medidas da nova lei estão a punição de
agentes por decretar condução coercitiva de testemunha ou investigado antes de
intimação judicial; promover escuta ou quebrar segredo de justiça sem
autorização judicial; divulgar gravação sem relação com a prova que se pretenda
produzir; continuar interrogando suspeito que tenha decidido permanecer calado
ou que tenha solicitado a assistência de um advogado; interrogar à noite quando
não é flagrante; e procrastinar investigação sem justificativa (veja a íntegra
abaixo).
Promulgada em setembro, depois de dois anos de
debates, essa legislação substitui uma já existente, de 1965, que era exclusiva
para o poder Executivo.
O novo texto expande as condutas descritas como
abusivas na legislação anterior e estabelece que seus dispositivos se aplicam a
servidores públicos e autoridades, tanto civis quanto militares, dos três
Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e também do Ministério Público
(MP).
No total, 53 condutas foram definidas inicialmente
como abusos de autoridade. O presidente Jair Bolsonaro tentou vetar 23, porém, 15
acabaram restauradas ao texto após análise dos parlamentares.
Assim, a lei define que 45 condutas poderão ser
punidas com até quatro anos de detenção, multa e indenização à pessoa afetada.
Em caso de reincidência, o servidor também pode perder o cargo e ficar inabilitado
para retornar ao serviço público por até cinco anos.
A lei ressalta, no entanto, que só ficará
caracterizado o abuso quando o ato tiver, comprovadamente, a intenção de
beneficiar o autor ou prejudicar outra pessoa. A mera divergência
interpretativa de fatos e normas legais (a chamada hermenêutica) não configura,
por si só, conduta criminosa.
Lava Jato em xeque
Apesar de não ter caráter retroativo, a tramitação
da lei foi acelerada neste ano após revelações de conversas
entre integrantes da força-tarefa da Operação Lava Jato com membros do
judiciário, como o atual ministro da Justiça, Sergio Moro, obtidas pelo site
The Intercept Brasil.
A medida, inclusive, foi avaliada como uma reação
do mundo político à operação, uma vez que diversos artigos dão margem para
criminalizar condutas que têm sido praticadas em investigações no país, como a
condução coercitiva sem autorização judicial e grampos em escritórios de
advogados de defesa.
Segundo o presidente da Câmara, Rodrigo Maia
(DEM-RJ), o objetivo da medida é evitar que agentes públicos “passem de suas
responsabilidades”.
Para o advogado criminalista Fernando Parente, a
nova lei replica definições da anterior e não deve ter potencial de atrapalhar
os processos de investigação.
“A legislação não vai atrapalhar a Lava Jato. Não
vai impedir juiz de decidir, não vai impedir promotor de acusar ninguém, muito
ao contrário. Até porque muitos crimes que nela estão previstos exigem o dolo,
ou seja, tem de ter a vontade de abusar, de causar a finalidade que o crime
exija”, diz.
Ao longo do ano, diversas associações de juízes e
promotores criticaram a legislação, afirmando que suas definições abrem a
porta da impunidade.
Em uma carta aberta divulgada em outubro, a Frente
Associativa da Magistratura e do Ministério Público, que reúne 40 mil
profissionais, disse que a lei “atinge e inibe o poder-dever de
investigar, processar e julgar autores de crimes e de infrações civis e
trabalhistas”.
Por considerar vagos os artigos da legislação, o
Ministério Público de São Paulo criou um grupo de trabalho e desenvolveu um
manual com parâmetros para que os promotores evitem punições no âmbito da lei.
Veja os artigos da
lei de abuso de autoridade
Crimes punidos com detenção de seis meses a 2 anos
Não comunicar prisão em flagrante ou temporária ao
juiz
Não comunicar prisão à família do preso
Não entregar ao preso, em 24 horas, a nota de culpa
(documento contendo o motivo da prisão, quem a efetuou e testemunhas)
Prolongar prisão sem motivo, não executando o
alvará de soltura ou desrespeitando o prazo legal
Não se identificar como policial durante uma
captura
Não se identificar como policial durante um
interrogatório
Interrogar à noite (exceções: flagrante ou
consentimento)
Impedir encontro do preso com seu advogado
Impedir que preso, réu ou investigado tenha seu
advogado presente durante uma audiência e se comunique com ele
Instaurar investigação de ação penal ou
administrativa sem indício (exceção: investigação preliminar sumária devidamente
justificada)
Prestar informação falsa sobre investigação para
prejudicar o investigado
Procrastinar investigação ou procedimento de
investigação
Negar ao investigado acesso a documentos relativos
a etapas vencidas da investigação
Exigir informação ou cumprimento de obrigação
formal sem amparo legal
Usar cargo para se eximir de obrigação ou obter
vantagem
Pedir vista de processo judicial para retardar o
seu andamento
Atribuir culpa publicamente antes de formalizar uma
acusação
Crimes punidos com detenção de um a quatro anos
Decretar prisão fora das hipóteses legais
Não relaxar prisão ilegal
Não substituir prisão preventiva por outra medida
cautelar, quando couber
Não conceder liberdade provisória, quando couber
Não deferir habeas corpus cabível
Decretar a condução coercitiva sem intimação prévia
Constranger um preso a se exibir para a curiosidade
pública
Constranger um preso a se submeter a situação
vexatória
Constranger o preso a produzir provas contra si ou
contra outros
Constranger a depor a pessoa que tem dever
funcional de sigilo
Insistir em interrogatório de quem optou por se
manter calado
Insistir em interrogatório de quem exigiu a
presença de um advogado, enquanto não houver advogado presente
Impedir ou retardar um pleito do preso à autoridade
judiciária
Manter presos de diferentes sexos na mesma cela
Manter criança/adolescente em cela com maiores de
idade
Entrar ou permanecer em imóvel sem autorização
judicial (exceções: flagrante e socorro)
Coagir alguém a franquear acesso a um imóvel
Cumprir mandado de busca e apreensão entre 21h e 5h
Forjar flagrante
Alterar cena de ocorrência
Eximir-se de responsabilidade por excesso cometido
em investigação
Constranger um hospital a admitir uma pessoa já
morta para alterar a hora ou o local do crime
Obter prova por meio ilícito
Usar prova mesmo tendo conhecimento de sua
ilicitude
Divulgar material gravado que não tenha relação com
a investigação que o produziu, expondo a intimidade e/ou ferindo a honra do
investigado
Inciar investigação contra pessoa sabidamente
inocente
Bloquear bens além do necessário para pagar dívidas
(Com informações da Agência Senado)
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