Antes dos aiatolás
Manoel Hygino
Ninguém urdira um
plano de sabotagem ou terrorismo. Ninguém quereria, certamente, que o avião da
Ucrânia caísse após levantar voo do maior aeroporto do Irã. Quarenta e cinco
quilômetros de um voo para a morte. O comandante sequer anunciou emergência.
Eram 63 pessoas, das
176 que perderam a vida, pretendendo voltar ao Canadá, onde residiam,
estudavam, após fugirem à Revolução Islâmica de 1979.
Nenhum míssil teria
sido lançado contra a aeronave, informou-se. O Estreito de Ormuz, o lugar mais
sensível para a guerra, em todo o mundo, nas circunstâncias de então,
permaneceu intacto. O avião caíra sozinho (?).
Trump esbanjou
felicidade: “nenhum americano foi atingido, não sofremos perdas, nossos
soldados estão seguros”, afirmara o presidente após a execução do general
Soleimani. Só o preço do petróleo bruto subiu 6% desde então, mas logo voltou
ao patamar considerado normal.
Não fora um
atentado, julgara-se inicialmente, nem um mero acidente aéreo. O presidente do
Irã, Hassan Rouhani, dias depois, porém, viu-se na obrigação de confessar que o
avião ucraniano fora derrubado acidentalmente por míssil do seu exército. “Os
responsáveis serão castigados exemplarmente”, prometeu categoricamente.
Rouhani determinou a
prisão de trinta envolvidos. Assegurou que nenhum novo caso do tipo acontecerá.
Ninguém sobreviveu. O governo dos aiatolás tremeu nas bases. Manifestantes
saíram às ruas de Teerã para protestar, principalmente jovens.
O último embaixador
do Brasil no Irã, antes dos aiatolás, que lá até hoje se acham instalados, foi
Pio Corrêa, ministro plenipotenciário. Ele fez depoimento precioso sobre aquele
tempo. O Shah Reza Palhevi lhe confessou que não podia sequer visitar sua irmã,
porque tinha de tomar precauções. Era vigiado: “não sei quais são, onde estão
os meus inimigos; mas sei que sempre haverá algum à espreita”. Era 1958.
“E dizia a verdade.
Em dois anos no Irã não conheci ninguém que tivesse tão profundo conhecimento
dos problemas do país, nem tão apaixonado desejo de resolvê-los, quanto o
próprio Shah. Ele tinha realmente a ambição de despertar o Irã de sua modorra
secular, modernizá-lo, dinamizá-lo, transformá-lo em um Estado eficiente,
próspero e poderoso – uma espécie de Japão do Médio Oriente. Queria o progresso
e o bem-estar de seu povo – e isso custou-lhe o trono, custou a vida de dezenas
de seus fiéis, e mergulhou o país nas trevas de um obscurantismo fanático que o
fez retroceder de mil anos ao tempo das Cruzadas em que um chefe religioso
intolerante e sanguinário, o ‘Velho da Montanha’, reinava pelo terror, fazia
assassinar quem lhe desobedecia no menor detalhe, e chegou a causar temor ao
próprio Sultão Saladino, o cavalheiresco adversário de Ricardo Coração-de-Leão,
que no entanto não era homem que se impressionasse facilmente. O ‘Velho da
Montanha’ encontrou a sua reencarnação no Ayatolá Khomeini, religioso de maus
fígados. O Shah Mohamed Reza esqueceu-se de que no Oriente as estruturas
sociais e políticas podem manter-se inalteradas durante séculos e até milênios ancoradas
na imobilidade”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário