Por que Trump quer taxar o Brasil agora (e a consequência disso)
Ligia Tuon
São Paulo — A declarada aproximação e admiração do
governo de Jair Bolsonaro não impediu que o Brasil entrasse no alvo de Donald Trump.
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Alex Wong/Getty Images Bolsonaro e Trump se encontram em Washington. Março de
2019. Foto: Alex Wong/Getty Images)
O presidente dos Estados Unidos
afirmou em seu Twitter, na manhã desta segunda-feira (02), que vai sobretaxar
as exportações brasileiras e argentinas de aço e alumínio, acusando os países
de desvalorizarem artificialmente suas taxas de câmbio. A vigência
seria imediata.
Em março de 2018, o governo norte-americano
anunciou novas tarifas de importação no valor de 25% sobre o aço e de 10% sobre
alumínio com base em “segurança nacional”.
Parceiros como Canadá, México e União Europeia
foram os mais atingidos. Já em maio, após negociações, Trump se comprometeu em
não incluir a Argentina e o Brasil na lista dos países com sobretaxas.
O clima, de forma geral, entre as empresas do setor
é de tensão, de acordo com Camila Tapias, advogada da Utumi Advogados,
escritório tributário da área.
“A partir do momento que essa tarifa é repassada
para o comprador, o produtor nacional perde competitividade. E o americano vai
atrás de outros fornecedores mais baratos”, diz ela.
Esse movimento, segundo Tapias, pode ser o
suficiente para que o Brasil deixe de ser um dos principais exportadores de aço
e alumínio para os EUA. “Sem dúvida isso pode acontecer”, diz.
Segundo a Associação Brasileira do Alumínio (ABAL),
as exportações de produtos de alumínio brasileiro aos Estados Unidos pagam
sobretaxa desde o início de junho de 2018. De janeiro a outubro, 43% do que o
setor de alumínio produziu para exportações foi destinado aos Estados Unidos.
“Esse acerto foi ratificado no ano passado com
governo Trump, quando este abriu a possibilidade de substituir a sobretaxa por
cotas limitadas de exportação. Na época, optamos pela sobretaxa e seguimos
assim desde então.”
O impacto, no entanto, não deve ser sentido de
forma significativa nas exportações brasileiras, já que o setor não tem um peso
grande na balança comercial, avalia Sérgio Vale, economista chefe da MB
Associados.
A exportação de produtos semimanufaturados de aços
e ferro para os EUA é 1,2% da exportação total do Brasil. Das exportações do
país para os EUA, essa porcentagem é de 9,3%, considerando o acumulado de
janeiro a outubro deste ano.
Os setores, por outro lado, que são os principais
exportadores desses produtos para os EUA, devem sentir o impacto, e o anúncio
não deixa de ser uma ameaça para outros setores, segundo Tapias.
“Se mais setores entrarem nessa represália que,
segundo ele, é sobre câmbio, o cenário fica mais preocupante. Querendo ou não,
uma eventual queda das exportações podem implicar numa redução de crescimento
econômico, redução de geração de empregos etc”, diz Tapias.
Câmbio
A justificativa usada por Trump, de que o Real está
artificialmente baixo, já foi utilizada também contra a China mas não faz
sentido econômica, de acordo com economistas.
O Real está e deverá continuar estruturalmente
fraco nos próximos anos, segundo nota assinada por Cristiano Oliveira,
economista-chefe do Banco Fibra S/A.
“Além da questão estrutural (relacionada ao
equilíbrio macroeconômico: juro real baixo, PIB potencial extremamente baixo e
etc.), temos uma série de motivos conjunturais que explicam a fraqueza do Real
nos últimos meses: fluxo cambial bastante negativo (mesmo após considerar a
substituição de dívida externa por dívida local), maior déficit em conta
corrente (de 3% do PIB), piora nos termos de troca, ruídos provocados pelo
próprio governo, além, é claro, dos fatores externos (dentre os quais podemos
citar a continuidade das incertezas globais relacionadas ao trade war
entre EUA e China e em relação à eleição presidencial norte-americana)”, diz.
O mais provável é que a ofensiva esteja relacionada
ao contexto político interno dos próprios Estados Unidos. O fechamento
comercial e a ideia de que os americanos são colocados para trás por outros
países é defendida por Trump desde a campanha eleitoral:
“Me parece claro que essa fala de Trump se enquadra
numa jogada para agradar seu eleitorado, os fazendeiros, num contexto em que o
presidente perde força em sua batalha contra o impeachment”, diz Vinicius
Vieira, professor de Relações Internacionais da FGV.
Vieira afirma ainda que, historicamente, a questão
do câmbio sempre explicou o aumento das exportações desse setor para os Estados
Unidos.
“No governo Bush (2001 a 2009), há 16 anos, houve
momentos similares. Nosso câmbio estava relativamente elevado e nossos produtos
entraram com força no mercado norte-americano. Nesse momento, o governo Bush
impôs tarifas mais elevadas na entrada de aço brasileiro”, diz.
Sobre o poder de o governo Bolsonaro de reverter
essa sobretaxa, Vieira está pouco otimista. “Se olharmos o histórico, o Brasil
não é capaz de reverter essa decisão na conversa. Primeiro, que Brasil e EUA
seguem não tendo uma relação próxima. Segundo que os EUA têm mostrado que não
apoia o Brasil em momentos como a entrada do país na OCDE e em relação à volta
da importação da carne. Não vejo como pode ser diferente agora”, diz.
O presidente Jair Bolsonaro disse em resposta ao
tuíte de Trump que iria falar com Paulo Guedes, ministro da Economia e que, se
fosse o caso, contataria o presidente dos Estados Unidos.
Veja nota completa da Abal:
Com relação a manifestação do presidente
norte-americano, Donald Trump, pelo Twitter, na manhã desta segunda-feira,
02/12, em que afirma querer retomar a sobretaxa às exportações do alumínio
brasileiro, a Associação Brasileira do Alumínio (ABAL), esclarece: desde 1º de
junho de 2018, as exportações de produtos de alumínio brasileiro aos Estados
Unidos pagam sobretaxa. Esse acerto foi ratificado no ano passado com governo
Trump, quando este abriu a possibilidade de substituir a sobretaxa por cotas limitadas
de exportação. Na época, optamos pela sobretaxa e seguimos assim desde então.
A ABAL esclarece ainda que, exceto pela
manifestação do presidente Trump pelo Twitter, não há nenhuma posição oficial
do governo norte-americano em relação ao assunto, que seguimos acompanhando
atentamente.
Veja nota completa do Instituto Aço Brasil:
O Instituto Aço Brasil recebe com perplexidade a
decisão anunciada hoje (02) pelo presidente dos EUA, Donald Trump, de restaurar
as tarifas de importação de aço e alumínio provenientes do Brasil e da
Argentina, sob o argumento de que estes países têm liderado uma desvalorização
maciça de suas moedas, e que isso não é bom para os agricultores dos EUA.
O Instituto Aço Brasil reforça que o câmbio no País
é livre, não havendo por parte do governo qualquer iniciativa no sentido de
desvalorizar artificialmente o Real e a decisão de taxar o aço brasileiro como
forma de “compensar” o agricultor americano é uma retaliação ao Brasil, que não
condiz com as relações de parceria entre os dois países.
Por último, tal decisão acaba por prejudicar a
própria indústria produtora de aço americana, que necessita dos semiacabados
exportados pelo Brasil para poder operar as suas usinas.
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