Cortes na saúde e educação vão bancar o fundo eleitoral do ano que vem
Bernardo Bittar
©
Pablo Valadares/Câmara dos Deputados Domingos Neto é o relator da proposta que
aumenta o fundo eleitoral, definido em acordo com quase todos os partidos da
Câmara
O Congresso busca argumentos para justificar
o astronômico aumento do Fundo Eleitoral para as campanhas municipais do
ano que vem. O valor de R$ 3,8 bilhões — aprovado no relatório preliminar do Projeto
de Lei Orçamentária de 2020, na Comissão Mista de Orçamento (CMO) — é 120%
maior do que os recursos públicos usados nas eleições de 2018, quando os
partidos receberam R$ 1,7 bilhão da União. O montante ainda será submetido a
votação no relatório final da CMO e depois seguirá para plenário no próximo dia
17. Os recursos para bancar o fundo sairão de ministérios, em especial os da Saúde,
da Educação e da Infraestrutura.
“Não há como dizer que é razoável esse aumento de
120%. Colocar ainda mais dinheiro público nas campanhas, porque a iniciativa
privada não pode fazer mais doações generosas, é um caminho equivocado”,
refutou o cientista político Felippo Madeira, professor da Universidade Estadual
de Goiás (UEG). O especialista disse que “está na hora de o brasileiro aprender
a fazer política com menos dinheiro”. “Isso faz parte do pacote de mudanças e
de nova política que prometeram em 2018”, emendou.
A injeção de verba pública nas campanhas eleitorais
de 2020 é apoiada pela maioria do PSL, ainda que o partido tenha votado contra
a medida aprovada no relatório preliminar. O projeto também teve respaldo de
PT, PP, PTB, MDB, PSD, PL, PSB, PSDB, PDT, DEM, Solidariedade e Republicanos. A
expectativa é de que ao menos 430 dos 513 deputados e 62 dos 81 senadores sejam
favoráveis ao aumento do Fundo Eleitoral, segundo levantamento informal da
Presidência da Câmara.
Os partidos assinaram o ofício enviado ao relator
do Orçamento de 2020, deputado Domingos Neto (PSD-CE), pedindo o remanejamento
de recursos de emendas impositivas de bancada para o Fundo Especial de
Financiamento de Campanhas. O dinheiro será usado para reforçar candidaturas e
é justificado por líderes de siglas como uma “necessidade absoluta”, por causa
do número de candidatos nas eleições municipais. Novo, PSol e Cidadania são
contra o projeto mas, mesmo juntos, não conseguem impedir uma votação no
plenário nem com pressão nem com votos.
Inicialmente, parlamentares pediram R$ 4 bilhões
para o fundo, mas Domingos Neto concedeu um valor um pouco menor. Ao divulgar o
aumento do financiamento eleitoral, o Congresso quer convencer a sociedade de
que o governo gastou menos e, assim, poderá injetar mais recursos nas eleições.
Para Carlos Alberto Moura, analista político da HC7
Investimentos, “controlar a narrativa não melhora a situação”. Para ele, se
houve economia na Saúde e na Educação, a gordura deveria ser colocada em novos
projetos. “Ou está tudo bem nas escolas e hospitais brasileiros?”, questionou.
Custos
O governo tinha proposto que o Fundo Eleitoral
ficasse em R$ 2 bilhões, mas a comissão do Congresso responsável pelo Orçamento
decidiu que o valor do financiamento será bancado com dinheiro cortado de
ministérios, especialmente o da Saúde, que teve redução de R$ 500 milhões na
despesa; da Infraestrutura, que perdeu R$ 380 milhões; e da Educação, com corte
de R$ 280 milhões.
Obras de habitação e saneamento e o Fundo Nacional
de Saúde (que oferece remédios gratuitos à população de baixa renda) terão
menos dinheiro à disposição. “Se você deixa de dar o remédio para o cara que
não tem dinheiro para comprar medicação, que economia é essa?”, pergunta Moura.
O deputado Tiago Mitraud (Novo-MG) disse ser contra
o uso de recursos públicos para financiar partidos ou campanhas eleitorais. Ele
afirmou que não vai desistir de tentar barrar o projeto no plenário. “O
dinheiro do cidadão brasileiro precisa ser respeitado e investido onde
realmente importa: saúde, segurança e educação”. Embora tenha votado a favor do
projeto, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) argumentou que se confundiu na
hora da análise e se comprometeu a “nunca” usar o dinheiro do Fundo. Já para
Domingos Neto, o financiamento público “é a razão de todos terem a oportunidade
de ser avaliados pela sociedade nas urnas”.
Além do Fundo Eleitoral, existe o Fundo Partidário,
um aporte para as legendas financiado também com dinheiro público. Para se ter
uma ideia, o PSL, maior partido da Câmara, receberá, sozinho, quase R$ 1 bilhão
durante quatro anos. O valor é pago mensalmente (a todas as legendas) para
custeio de despesas como água, luz e aluguel. Trata-se de verba da União, de
doações privadas e de repasse de dinheiro com multas e penalidades judiciais. O
montante também pode ser usado para impulsionamento de conteúdo na internet,
compra de passagens aéreas para não filiados e contratação de advogados e de
contadores.
Saiba mais:
Compensação
O Fundo Eleitoral é alimentado com dinheiro do
Tesouro e se destina ao financiamento das campanhas dos candidatos. Foi criado
em 2017 para compensar as perdas impostas por decisão do Supremo Tribunal
Federal (STF) que dois anos antes, em 2015, proibiu doações de pessoas
jurídicas. A distribuição da verba para candidatos fica a critério das cúpulas
partidárias, que, em geral, privilegiam políticos com mandato.

Nenhum comentário:
Postar um comentário