Por que depoimento de embaixador é o mais comprometedor até agora no
impeachment de Trump
No mais comprometedor depoimento dado em público no
processo de impeachment contra o presidente americano Donald Trump, o
embaixador dos EUA na União Europeia, Gordon Sondland, afirmou na quarta-feira
(20/11) aos parlamentares que pressionou a Ucrânia por investigações contra o
democrata Joe Biden e seu filho Hunter, por ordem do presidente.
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Reuters 'Havia uma orientação expressa do presidente', disse Sondland diante do
Congresso
"Havia uma orientação expressa do
presidente", disse Sondland, para que ele trabalhasse junto ao advogado
pessoal de Trump, Rudy Giuliani, e
seguisse as ordens de Giuliani na empreitada.
Ainda de acordo com Sondland, Giuliani determinou
que, em troca de auxílio militar, os ucranianos deveriam anunciar uma
investigação contra opositores de Trump. "O senhor Giuliani estava
expressando os desejos do presidente dos Estados Unidos", disse o
embaixador.
Sondland disse ainda que tanto o vice-presidente,
Mike Pence, quanto o secretário de Estado, Mike Pompeo, estavam cientes de que
a liberação de uma ajuda militar ao país estaria condicionada à atuação da
Ucrânia contra Biden e a uma investigação sobre possível auxílio de agentes
ucranianos aos democratas na eleição de 2016.
É a primeira vez que essas figuras de alto escalão
da gestão republicana são implicadas diretamente no escândalo. "Todo mundo
estava no circuito. Não era segredo para ninguém", disse Sondland, que
também afirmou que foi cumprimentado por Pompeo pelo "grande
trabalho" que vinha fazendo na relação com a Ucrânia.
O embaixador admitiu que havia "um claro quid
pro quo" em marcha. Ou seja, Trump condicionava uma visita do
presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, à Casa Branca ao anúncio público
pelos ucranianos da investigação contra Biden.
Sondland, no entanto, disse não se lembrar de ter
ouvido diretamente de Trump que o auxílio militar estaria conectado ao anúncio
público de investigações, mas afirmou que presumiu ser esse o caso e agiu a
partir dessa presunção, sem encontrar qualquer objeção das demais autoridades
americanas.
Ao dizer que respondia às ordens de Trump por meio
de Giuliani, Sondland enfraquece a tese republicana de que o advogado do
presidente agia por conta própria, como um "freelancer", e não como
um operador da política externa dos Estados Unidos.
O que democratas e
republicanos fizeram com as palavras de Sondland?
Além de seu conteúdo, que coloca o presidente Trump
e seus auxiliares como artífices de uma troca de dinheiro do contribuinte
americano por uma investigação que beneficiaria pessoalmente o republicano, o
testemunho de Sondland é poderoso por duas razões: primeiro, porque ele seria
uma testemunha qualificada, uma fonte primária dos acontecimentos,
diferentemente de outras testemunhas já ouvidas, como a embaixadora Marie
Yovanovitch, que serviu na Ucrânia e foi retirada do posto por Trump antes que
a negociação com os ucranianos acontecesse.
Segundo, porque ele é historicamente ligado aos
republicanos, doou US$1 milhão para a festa de posse de Trump e, empresário do
ramo de hotelaria no Estado do Oregon, acabou agraciado pelo presidente com o
posto de embaixador, o qual ele afirma sempre ter desejado.
Diante da admissão de um quid pro quo por
Sondland, os democratas tentaram fazê-lo qualificar a conduta do presidente
como corrupta, algo que o embaixador se recusou a fazer dizendo não ser
"advogado para caracterizar condutas".
Desde que os testemunhos públicos começaram, na
última semana, opositores de Trump têm tentado mudar o léxico do escândalo,
caracterizando como "corrupção", "propina" e
"extorsão" a conduta do governo Trump em relação aos ucranianos.
A estratégia é dupla: tornar as denúncias contra o
presidente mais compreensíveis ao grande público, que pode estar diante da TV
assistindo ao vivo aos depoimentos, e classificar as ações de Trump dentro do
escopo dos crimes de responsabilidade previstos pela Constituição americana
para cassar um mandato presidencial.
Os republicanos questionaram a veracidade das
palavras de Sondland e argumentaram que ele presumiu erradamente ter recebido
ordens que jamais foram dadas.
"Ninguém na face da Terra te falou que o
presidente condicionava o auxílio militar à investigação, falou?",
questionou o deputado republicano Mike Turner, ao que Sondland assentiu.
Aliados de Trump desqualificaram a falta de confiabilidade do embaixador, que
não dispunha de notas sobre seu próprio trabalho e disse várias vezes não se
lembrar direito das circunstâncias de suas ações.
Lembraram ainda que a ajuda militar acabou liberada
sem que o governo da Ucrânia fizesse qualquer anúncio de investigação contra
Biden, o que derrubaria a narrativa de um quid pro quo. E rememoraram
uma troca de mensagens entre Sondland e Trump, na qual o mandatário afirmou que
"não queria nada da Ucrânia, nenhum quid pro quo".
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AFP/Getty Sondland iniciou seu depoimento de maneira bombástica, mas depois
adotou linha mais moderada
Qual o impacto do
depoimento de Sondland no processo?
Embora tenha começado sua fala de maneira
bombástica, o embaixador foi moderando o discurso ao longo das horas de
depoimento e retirando o peso de suas próprias palavras.
"Sondland se tornou um saco de pancadas para
democratas e republicanos. Seu testemunho foi exagerado e, nesse contexto, é um
revés para os democratas", afirma Michael Cornfield, cientista-político da
George Washington University.
De acordo com um membro da equipe de comunicação do
Partido Republicano, os democratas tentaram converter as palavras de Sondland
em um "momento ahá!", uma janela de oportunidade capaz de retirar
sustentação política de Trump.
"Mas não foi exatamente isso o que vimos. Eu
ainda não acho que exista muita gente prestando muita atenção nisso, para além
da elite política de Washington D.C., e por enquanto não está claro quem ganha
com a opinião pública", afirma o assessor.
Ao abraçar os testemunhos públicos sobre o caso da
Ucrânia, democratas têm tentando convencer a opinião pública de que, se não
deve ser apeado do cargo, Trump ao menos não merece ser reconduzido pelo voto
na eleição de 2020. O possível julgamento de um impeachment seria feito pelo
Senado, casa em que Trump conta com a maioria dos votos. Por isso, é improvável
que ele caia.
"O efeito potencial em atrapalhar a
candidatura republicana pode ser o resultado mais significativo do esforço do
impedimento", afirma o cientista político de Princeton Keith Whittington.
"É até possível que esses testemunhos
convençam eleitores republicanos e levem senadores do partido a apoiar o
impeachment contra seu próprio presidente, mas isso é ainda muito
improvável", diz Whittington.
Diferentemente do que ocorreu com os presidentes
Richard Nixon e Bill Clinton, que também enfrentaram processos de impeachment,
especialistas em comportamento eleitoral afirmam que há muito menos
volatilidade entre os eleitores hoje, o que implica que, por mais poderosas que
possam ter sido as palavras de Sondland, o poder de convencimento delas sobre
os eleitores é limitado.
Pesquisas de opinião mostram que enquanto quase 70%
dos eleitores democratas apoiam o impeachment de Trump, apenas 6% dos
republicanos desejam o mesmo.
"Ainda é muito cedo para avaliar o impacto
desse depoimento, mas a maioria dos eleitores já se decidiu definitivamente
sobre o que vai fazer. Temos uma sociedade muito mais polarizada do que
tínhamos nos anos 1970 ou 1990 e isso impede que as pessoas mudem de ideia.
Acredito que o processo pode desencorajar pessoas que votaram antes em Trump de
ir novamente votar, mas não acredito que vá mudar preferências", afirma
Cornfield.
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