Projeto dá a CPI poder para firmar delações
Camila Turtelli e Rafael Moraes Moura
© PEDRO FRANÇA/AGÊNCIA SENADO O senador Jorge
Kajuru (PSB-GO) no plenário do Senado
BRASÍLIA - Um projeto que tramita no Senado
quer ampliar o poder de atuação das Comissões Parlamentares de Inquérito.
A ideia é que o Congresso possa propor a colaboração premiada a investigados,
ferramenta que se tornou popular nos últimos anos na Operação Lava
Jato. Atualmente, apenas delegados de polícia e o Ministério
Público podem oferecer essa alternativa.
A proposta é do senador Jorge Kajuru
(PSB-GO). Para alguns parlamentares, a sugestão pode revitalizar o papel das
CPIs no Congresso. Investigações passadas que tiveram poucos resultados
práticos desgastaram as comissões. Já para outros, a ferramenta não cabe ao
Parlamento e deve permanecer sob controle exclusivo da Justiça, como ocorre
atualmente.
“O investigado ou acusado pode ter interesse em
conversar com parlamentares, e não com a polícia ou o Ministério Público. A CPI
pode vir a ter acesso a informações que levem a uma proposta mais vantajosa de
acordo para ambos os lados”, diz o autor no texto do projeto. Kajuru, no
entanto, não define que tipo de “prêmio” o Congresso poderá oferecer aos
investigados.
O senador justificou a decisão de
propor a mudança à “decepção” que disse ter tido ao atuar na CPI de
Brumadinho no Senado no começo do ano. No colegiado, investigados
conseguiram habeas corpus no Supremo Tribunal Federal para não comparecer ou permanecer
em silêncio durante as audiências das comissões instaladas no Congresso para
apurar o caso.
Relator da CPI dos Correios,
que investigou o mensalão em 2006, o ex-ministro da Justiça Osmar Serraglio
afirmou que a medida precisa de debate, mas que pode ser eficaz. “Essa delação
vai ser decidida por um colegiado, e não por um juiz individualmente, e terá um
filtro maior e muito transparente”, disse. “Se tivéssemos isso na época (do
mensalão), teríamos mais resultado.” Serraglio, no entanto, ponderou que é
preciso avaliar o que poderá ser oferecido aos investigados.
Presidente da CPI do BNDES
na Câmara, o deputado Vanderlei Macris
(PSDB-SP) não vê como prerrogativa do Parlamento a oferta da colaboração
premiada. “A dificuldade que tenho é sobre convocações. O Supremo está dando
habeas corpus para as pessoas não comparecerem. Já falei até com o presidente (do
STF) Dias Toffoli sobre isso.”
A CPI do BNDES foi instalada em março
para investigar se o banco privilegiou um grupo de empresas. Para Macris, é
preciso esclarecer se houve benefício para o Brasil em transações com outros
países. Ele tentou convocar os empresários Joesley e Wesley Batista,
do grupo J&F,
mas decisões do Supremo barraram a ida dos irmãos à Câmara. “A CPI é um
instrumento positivo porque mostra abertamente para a sociedade. É um
instrumento público de investigação.”
‘Resultado nenhum’. O líder do PSL no Senado, Major Olímpio
(SP), se disse cético em relação ao papel das comissões. “Dá visibilidade aos
proponentes e à mídia, mas, infelizmente, com resultado nenhum. Atuei muito nas
CPIs do sistema prisional e da CBF quando estava na Câmara. Achei que ia abrir
a caixa-preta. Todas as propostas dos presídios foram para o lixo e a da CBF
terminou sem relatório.”
No Supremo, a iniciativa de Kajuru é vista com
reservas e dúvidas. Um ministro ouvido reservadamente pela reportagem afirmou
acreditar que o Congresso não teria legitimidade para oferecer esses acordos,
já que quem detém o poder de iniciar o procedimento criminal é o Ministério
Público. Outros dois ministros afirmaram que ainda precisam estudar o tema.
‘Longe demais’.
Para o advogado criminalista Alberto
Toron, o projeto do senador do PSB vai “longe demais” e desvirtua a
natureza da CPI. “É ilusório pensar-se que a CPI vai ficar mais técnica porque
pode celebrar acordos de delação. A CPI é política e sempre será”, disse Toron.
“Permitir que um órgão político possa colher uma delação é um perigo muito
grande.”
Um segundo criminalista que pediu para não ser
identificado afirmou que o projeto é algo “bem complicado” e questionou a
garantia de sigilo dos acordos de delação premiada, lembrando que as CPIs são
compostas por um grupo heterogêneo de parlamentares.
Legislação.
A proposta que permite às CPIs
oferecer colaboração premiada altera a Lei das Organizações Criminosas
(Lei 12.850, de 2013) para adicionar o Congresso na lista de agentes da
negociação com o delator. Pela lei sancionada pela presidente cassada Dilma Rousseff,
o juiz pode conceder perdão ou reduzir a pena de prisão do réu que contribuir
para a investigação em até dois terços ou substituir por pena restritiva de
direitos.
Em junho do ano passado, o STF decidiu que, além do
Ministério Público, delegados de polícia também podem fechar acordos de
colaboração premiada. Por maioria, os ministros da Corte também firmaram o
entendimento de que não é obrigatório um aval do Ministério Público ao acordo
fechado pela polícia.
O resultado impôs uma derrota ao
Ministério Público, que trava uma disputa nos bastidores com a Polícia
Federal sobre o controle de investigações em curso no País. Após a decisão
do plenário do Supremo, os ministros Edson Fachin e Celso de Mello
homologaram, respectivamente, os acordos de colaboração premiada do marqueteiro
Duda Mendonça e do empresário Marcos Valério, que foram celebrados com a
Polícia Federal.
Um dos acordos mais polêmicos é o do
empresário Joesley Batista, que foi rescindido pelo Ministério
Público Federal, mas que ainda aguarda uma definição do Supremo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário