Abelhas estão morrendo no Brasil e produção de
alimentos pode ser afetada; entenda
Juliana Baeta
Uso indiscriminado
de defensivos agrícolas e desmatamento estão entre as principais causas da
morte das abelhas
Há cerca de dez
anos, bastava abrir um refrigerante para surgirem abelhas ao
redor. Hoje, é praticamente questão de sorte se deparar com o inseto
zumbizando por aí. Essa percepção, comum nos centros urbanos, é reflexo do que
tem acontecido no campo, onde a atuação do inseto é primordial para a
polinização e produção dos alimentos.
De acordo com
especialistas no assunto, cerca de 70% das culturas agrícolas do Brasil
dependem, em algum grau, das abelhas. O cultivo, com a redução desses insetos,
torna-se mais difícil e a produção, menor.
Presidente da
Cooperativa Nacional de Apicultura, sediada em Nova Lima, Cristiano
Carvalho começou notar a morte das abelhas há quatro anos. "Chegam
diversos casos à cooperativa de mortes em massa de abelhas, de colmeias vazias,
de abandono de enxames. No fim do ano passado, um apicultor contou que perdeu
100 colmeias, sem nem saber o porquê. Considerando que cada colmeia tem 80 mil
abelhas, imagine o prejuízo".
O cálculo é de 8 milhões de espécimes mortos de uma vez só. Cristiano Carvalho conjectura as possíveis causas das mortes em massa mas, ao mesmo tempo, chega a um impasse.
O cálculo é de 8 milhões de espécimes mortos de uma vez só. Cristiano Carvalho conjectura as possíveis causas das mortes em massa mas, ao mesmo tempo, chega a um impasse.
"Acreditamos
que isso se deve ao uso indiscriminado de defensivos agrícolas. Mas os apiários
precisam de uma área bem extensa e, geralmente, são vizinhos ou ficam juntos às
outras produções, como uma plantação de mexerica, onde se usa muito veneno por
meio de pulverização. E sempre que uma área é pulverizada morre um tanto de
abelha, isso é fato. Por outro lado, se não houver a pulverização, o produtor
vai perder na colheita de mexericas".
É possível, então,
manter as plantações e, ao mesmo tempo, a vida das abelhas? E o que pode
acontecer se as abelhas no Brasil continuarem morrendo? É verdade que a
produção de alimentos depende da polinização destes insetos? Confira, abaixo,
oito fatos que você precisa saber sobre o assunto:
1. Desaparecimento
das abelhas no Brasil é mito
A bióloga Roberta
Nocelli, professora no Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal de
São Carlos e pesquisadora da toxicidade em abelhas sem ferrão do Brasil,
explica que, diferentemente do que se tem ventilado em grupos de WhatsApp e nas
redes sociais, não é que as abelhas estão "desaparecendo". Elas
simplesmente estão morrendo.
"O que acontece
no Brasil é diferente do que está acontecendo no Hemisfério Norte, onde, de
fato, há um fenômeno de desaparecimento das abelhas, onde elas estão sumindo e
não se encontram nem os 'corpos' delas. Mas este é um fenômeno do Hemisfério
Norte e possivelmente causado pelo aquecimento global. No Brasil, nós temos
outros problemas relacionados a abelhas: o enfraquecimento e a morte
delas", explica.
2. Abelhas estão
desnutridas
Ainda de acordo com
Nocelli, há dois fatores principais para essas mortes. "O enfraquecimento
das abelhas está bastante relacionado à perda do habitat natural, já que
estamos, cada vez mais, substituindo áreas de mata por agricultura. Em uma
mata, há diversidade enorme de plantas, que fornece todos os nutrientes
aos animais. Já na agricultura, essa biodiversidade acaba sendo substituída por
uma cultura só, por exemplo, a soja. Então, os insetos ali passam a se servir
somente de florada de soja e acabam ficando desnutridos, enfraquecidos. E,
claro, a consequência disso é a morte".
3. Agrotóxicos são
responsáveis por boa parte das mortes
O segundo fator é o
uso incorreto de agrotóxicos nas plantações, que devem ser evitados, por
exemplo, em épocas de floradas. "É nas florações que as abelhas vão
coletar o néctar e o pólen das flores. Se a gente pensar que boa parte dos
agrotóxicos são inseticidas, e que a abelha é um inseto, é óbvia a conclusão
que se tem", explica, ainda, Nocelli.
Um estudo realizado
por meio do projeto "Bee or not to be", que disponibiliza um canal
para que os apicultores e produtores enviem informações sobre morte de abelhas
em suas produções, registrou, de 2013 a 2017, a morte de cerca de 1 bilhão de
abelhas somente da espécies Apis, que produz mel, sendo que em 81,2% dos
corpos foi detectada a presença de agrotóxicos. Neste caso, os insetos foram
encontrados mortos na entrada das colônias ou agonizando no solo.
4. Alimentos dependem da polinização das abelhas
4. Alimentos dependem da polinização das abelhas
A bióloga
especialista em Ecologia dos Insetos, Carmen Pires, pesquisadora
da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), explica que
algumas culturas dependem exclusivamente da polinização das abelhas. Caso os
insetos sejam extintos, essa polinização só seria possível por meio da ação
manual, o que demandaria mais investimento e tecnologia, encarecendo ou
inviabilizando o processo.
Exemplos destes
alimentos são maracujá, melão, melancia, abóboras, maçã, acerola, pepino e
cacau. Mas, além disso, cerca de 70% de todas as plantas cultivadas e
utilizadas diretamente para o consumo humano dependem, em algum grau, da
polinização das abelhas.
Abelha em flor de maracujá
Outros alimentos que
não dependem 100% da polinização das abelhas, mas precisam do processo em larga
escala, são tomate, abacate, girassol e goiaba. Na ausência dos insetos, a
produção destas culturas é bem menor. Já café, soja, caju e
morango dependem em uma parcela menor da polinização das abelhas. Porém,
segundo as especialistas, é comprovado que quando há a interferência dos
insetos, os sabores e os formatos dos alimentos ficam mais apurados e o
ganho na produção é maior.
Logo, se as abelhas
forem extintas, alguns alimentos podem deixar de existir e outros poderão
inflacionar bastante devido à baixa na produção. Em um futuro distópico sem
abelhas, o nosso tradicional cafezinho pode passar a custar uma fortuna, e
o sabor exótico do maracujá será só uma lembrança.
5. Maioria das
abelhas brasileiras não vive em uma "monarquia"
No Brasil, existem
cerca de duas mil espécies de abelhas, e 500 delas, segundo a bióloga Roberta
Nocelli, são abelhas sociais, ou seja, produzem mel e têm estrutura de colmeia
onde são ligadas à rainha. As outras 1.500 espécies são chamadas de abelhas
solitárias, já que não têm colmeia e nem rainha, e também não produzem mel.
"Elas são
essenciais para as matas nativas, já que são as responsáveis pela polinização
de 70% das plantas com flores usadas para consumo humano. Geralmente, essas
abelhas solitárias vivem em matas e, como não produzem mel, não têm tanta
visibilidade", conta Nocelli.
6. A abelha mais
lembrada no Brasil é importada
Dentre as abelhas
que vivem no Brasil, a que está mais presente no imaginário popular é a Apis
melífera, que empresta sua figura à clássica imagem da abelinha com
listras amarelas e pretas dos livros infantis. Contudo, a espécie não é nativa,
ela foi importada para o país em 1840, oriunda da Europa.
Em meados de
1950, 80% das colmeias aqui foram dizimadas devido ao surgimento de pragas e
doenças. Então, em 1956, o professor Warwick Estevan Kerr, com apoio do
Ministério da Agricultura, selecionou e trouxe para o Brasil abelhas rainhas
africanas, muito produtivas e resistentes a doenças, para dar continuidade ao
grupo de Apis melíferas. As informações são da ONG Colmeia Viva e
mostram que, o primeiro passo para proteger e preservar as abelhas, é conhecer
as espécies nativas.
7. Plantar flores
ajuda a atrair os insetos
Plantar espécies que
produzam flores, como tomilho, manjericão, girassol e lavanda no quintal,
pode, sim, ajudar a atrair as abelhas, mas não é a solução do problema. A
pesquisadora Carmen Pires explica: "Plantar flores que oferecem
néctar e pólen ajuda, de certo modo, a preservar as abelhas, porque
você cria um ambiente para elas onde tem comida. Inclusive, há algumas áreas no
Nordeste onde os agricultores que produzem melões têm plantado manjericão
até deixar eles florirem para atrair as abelhas. Depois da floração eles cortam
as flores do manjericão para que as abelhas migrem para as flores do
melão".
Mas ela lembra que o
problema da morte das abelhas no Brasil é muito maior do que a falta de flores.
"No entanto, afirmar que isso vai salvar as abelhas é exagerado, porque
plantando flores, nós oferecemos comida para elas, mas e local para elas
fazerem os ninhos? A maioria das nossas abelhas solitárias faz ninho em
troncos de árvore, então, se o desmatamento continuar desenfreado, elas vão
continuar morrendo", conclui.
A imagem de duas abelhas dormindo abraçadas dentro de uma flor, feita
pelo fotógrafo Joe Nelly, viralizou em abril deste ano
8. É possível
conciliar a agricultura e a saúde das abelhas
Ainda conforme
Carmen Pires, o assunto da polinização em áreas de agricultura no Brasil é
recente. "Precisamos investir mais nesta área de pesquisa e de
transferência de conhecimento, para que chegue aos agricultores. Eles
precisam entender que a abelha pode ser um insumo em suas produções", diz.
Isso porque o inseto
otimiza a produção e ainda apura o sabor dos alimentos. Segundo explica a
pesquisadora Roberta Nocelli, há estudos que mostram um teor maior de
açúcar no morango, por exemplo, quando são polinizados por abelhas.
"Por isso, é
preciso respeitar as boas práticas agrícolas e não aplicar defensivos quando se
tem floradas, respeitar as áreas de matas, utilizar os agrotóxicos somente
quando for necessário, pensar antes de utilizá-los, porque tem muita gente
que aplica os defensivos como um preventivo, antes mesmo de surgir alguma
praga", completa a estudiosa.
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