Da guerra comercial à crise
nuclear no Irã: o que Bolsonaro defende sobre os 4 temas que vão dominar o G20
© REUTERS/Adriano Machado Presidente
brasileiro participará pela primeira vez da cúpula das 20 maiores economias do
mundo
Quatro temas de repercussão mundial devem dominar a agenda do encontro
do G20, em Osaka, no Japão: a guerra comercial entre Estados Unidos e China, o
combate às mudanças climáticas, a polêmica sobre o programa nuclear iraniano e
as reformas necessárias para reforçar o livre comércio mundial.
O presidente Jair Bolsonaro fará sua estreia na reunião dos líderes das
20 maiores economias do mundo. Apesar da curiosidade em torno dele continuar, o
Brasil só alcança espaço de protagonismo na discussão sobre meio ambiente, por
possuir a maior floresta do mundo.
Mas, segundo especialistas, com a proximidade entre os governos
Bolsonaro e do americano Donald Trump, é possível que os EUA pressionem o
Brasil a tomar partido em algumas das demais discussões. Embora, na prática, o
impacto de um eventual apoio brasileiro seja mínimo, haveria um efeito
simbólico.
A BBC News Brasil conversou com especialistas para entender que aspectos
dos quatro grandes temas mundiais devem ser discutidos no G20.
E reúne aqui o que Bolsonaro já disse (ou não) sobre cada um desses
temas.
Guerra comercial entre EUA e China
A grande expectativa para o G20 está relacionada a uma agenda paralela
entre Trump e o presidente chinês, Xi Jinping.
Os dois líderes vão se reunir para negociar os rumos da guerra comercial
travada desde abril de 2018, quando o americano anunciou aumento das tarifas
sobre aço e alumínio importados da China.
Desde então, os dois países têm travado uma batalha que consiste em
aumentos mútuos de impostos sobre importações e retaliações a empresas
americanas e chinesas que operam nos seus territórios.
O pano de fundo dessa briga tem a ver com dois fatores: disputa por
protagonismo tecnológico e a preocupação dos EUA com o déficit do lado
americano de cerca de R$ 3,4 trilhões por ano no comércio com a China.
Foi numa reunião do G20, no ano passado na Argentina, que Trump e Xi
chegaram a um acordo para uma trégua de 90 dias na guerra comercial.
Mas, desde então, a crise escalou e, em abril, os EUA subiram de 10%
para 25% a tarifa de importação sobre US$ 200 bilhões em produtos importados
chineses. O governo Trump também impôs restrições para que a gigante de
tecnologia chinesa Huawei opere nos EUA.
Por causa das novas regras americanas, até o Google teve de revisar
serviços, aplicativos e atualizações para smartphones fabricados pela Huawei.
"Trump tem insistindo em ter uma outra reunião bilateral com o
presidente chinês e isso indica que ele está pronto para firmar um acordo. E
isso é de interesse da China, que está com a economia desacelerando",
disse à BBC News Brasil o professor John Kirton, chefe do grupo de estudos do
G20 da Universidade de Toronto.
"Não acho que haverá uma solução definitiva para a guerra comercial,
mas é possível haver uma trégua."
O que Bolsonaro já disse sobre a guerra comercial
A guerra comercial entre as duas maiores potências do mundo tem impacto
direto no Brasil, que tem a China como principal parceiro comercial e os EUA
como o segundo.
Durante a campanha para presidente e quando era deputado federal,
Bolsonaro fez diversas críticas à China, acusando o gigante asiático de estar
"comprando" o Brasil.
Desde que tomou posse, o presidente tem se aproximado fortemente do
governo Trump, sugerindo até a intenção de promover um alinhamento automático
com os americanos.
Em março, Bolsonaro fez sua primeira visita de Estado aos Estados
Unidos. Na ocasião, Trump disse, ao lado de Bolsonaro no Salão Oval da Casa
Branca, "que a relação com o Brasil nunca esteve tão boa".
Ao final da viagem, o presidente brasileiro chegou a trocar seu bordão
de campanha para incluir os EUA. "Brasil e Estados Unidos acima de tudo.
Brasil acima de todos", disse, alterando o slogan que era "Brasil
acima de tudo, Deus acima de todos".
Mas a relação com Trump e as críticas do passado em relação à China não
se reverteram, até agora, em ações para restringir o comércio com Pequim. E
Bolsonaro inclusive anunciou que pretende visitar a Chia no segundo semestre
deste ano.
Mas será que o Brasil vai tomar partido se a crise entre EUA e China
escalar?
A tendência, segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, é que o
governo brasileiro se mantenha neutro. Até agora as declarações feitas por
Bolsonaro sobre a guerra comercial foram no sentido de minimizar a disputa.
Em maio, durante viagem que fez aos Estados Unidos para receber um
prêmio da Câmara de Comércio Brasil-EUA, ele afirmou que o "pequeno
problema econômico" entre EUA e China pode "beneficiar" o
Brasil.
De fato, no curto prazo, o Brasil tem conseguido aumentar as exportações
de commodities para a China, em substituição a produtos americanos que passaram
a ser sobretaxados pelo governo chinês.
No longo prazo, porém, se a guerra comercial escalar, economistas
alertam que todos tendem a perder com uma desaceleração global.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem sido mais explícito em
garantir que o Brasil deverá adotar uma postura de neutralidade.
"Como disse o ministro Ernesto Araújo [Relações Exteriores], nós
somos um país do Ocidente, somos uma democracia e sabemos quem nos inspira. Mas
os Estados Unidos vêm fazendo comércio com a China há décadas, por que nós não
podemos fazer?", questionou Guedes a uma plateia de investidores em
Washington.
"Sabe quem tem mais investimento direto aqui nos Estados Unidos? Os
chineses. Então, por que nós não podemos fazer comércio com a China e deixar
que eles invistam no Brasil em ferrovias para transportar nossa soja?"
Em entrevista à BBC News Brasil,
o economista britânico Jim O'Neill, conhecido como "pai do Brics",
também defendeu que o Brasil mantenha boas relações políticas e comerciais com
ambos os países.
O'Neill cunhou o termo "Bric" num relatório econômico para o
banco Goldman Sachs quando era economista-chefe da instituição. Posteriormente,
o grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e, mais recentemente, África
do Sul seria formalmente criado.
"Sob o aspecto econômico, se os países realmente tiverem de optar,
muitos deles, e acho que o Brasil também, seriam loucos se não escolhessem a
China", adverte O'Neill.
"A China se tornou muito mais importante para esses países- no caso
do Brasil pela compra de commodities- do que os Estados Unidos", lembra.
Livre comércio x protecionismo
Diante da guerra comercial entre Estados Unidos e China, a discussão
sobre protecionismo x livre mercado será o principal foco dos debates coletivos
entre os líderes das 20 maiores economias do mundo.
Num artigo para o livro G20 Japan: The 2019 Osaka Summit, lançado no dia
19, Bolsonaro indicou que se juntará às vozes que defendem as regras de livre
comércio, embora tenha se aproximado fortemente do governo Trump nos primeiros
seis meses de governo e, internamente, dado sinais de que pretende controlar
preços da Petrobras.
A publicação foi organizada pelo professor John Kirton, diretor do grupo
de pesquisa sobre o G20 da Universidade de Toronto.
"Estamos resgatando a vocação de livre concorrência do Mercosul e
vamos priorizar negociações que já estejam em estágio avançado, como a
negociação com a União Europeia e o Canadá", disse o presidente
brasileiro, acrescentando que iniciará negociações de comércio com Cingapura,
Nova Zelândia e Estados Unidos.
No artigo, Bolsonaro também reforça a intenção do Brasil de integrar a
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e, ao abordar
esse ponto, volta a se dizer comprometido com o livre comércio.
A OCDE é formada por um seleto grupo de países, a maioria desenvolvidos
e com grandes economias. Fazer parte dessa organização funciona como uma
espécie de chancela de credibilidade internacional e de boas práticas
comerciais.
"Com a mesma determinação, desejamos nos juntar à OCDE, sem atraso.
Só temos a ganhar em adotar as melhores práticas internacionais e trocas com
outros países abertos ao comércio e ao fluxo de investimentos."
Segundo o professor John Kirton, por representar uma das maiores
economias emergentes, Bolsonaro deverá ser ouvido com atenção em sua defesa
pelo livre mercado e por reformas que tornem a Organização Mundial do Comércio
mais eficaz.
"A postura de Bolsonaro quanto à liberalização econômica faz dele
uma voz importante entre países emergentes e em desenvolvimento, principalmente
no tocante à defesa de regras para conter os amplos subsídios adotados por
países europeus e pelos EUA à agropecuária", disse à BBC News Brasil.
Crise nuclear no Irã
Se na área econômica a guerra comercial entre EUA e China será o centro
das atenções do G20, a preocupação mais séria em relação à paz mundial vem da
crise nuclear iraniana.
Na semana passada, o Irã derrubou um drone militar americano, provocando
uma escalada da tensão.
Segundo a imprensa dos EUA, o presidente Trump chegou a considerar a
possibilidade de atacar a república islâmica, mas acabou optando por impor
novas sanções econômicas ao país.
O Irã já está com a economia abalada desde que o presidente americano
rompeu o acordo nuclear de 2015 que limitava o enriquecimento de urânio iraniano
em troca da retirada de sanções internacionais ao país.
O rompimento, em 2018, foi amplamente criticado pela União Europeia, já
que auditorias técnicas das Nações Unidas não haviam apontado descumprimento
das regras por parte do governo iraniano.
Desde então, os EUA vêm impondo barreiras econômicas ao Irã e punindo
países e empresas que comercializam com aquela nação.
A crise tem gerado pressões sobre o preço do combustível no mundo todo,
já que o Irã é um dos maiores exportadores do recurso e tem tido dificuldade
para vender seu produto por causa das sanções americanas.
Como o G20 tende a priorizar discussões econômicas, o viés do aumento do
preço mundial dos combustíveis deve entrar na agenda de debate, podendo levar a
uma discussão sobre as ameaças que a crise entre EUA e Irã causam ao mundo,
avalia o professor Kirton.
O tópico da crise do Irã também pode ser mencionado pelos líderes do G20
quando estiverem discutindo combate ao terrorismo e não proliferação de armas
nucleares, tópicos que, segundo Kirton, são padrão na agenda de todos os
encontros do grupo.
"Agora, não se sabe se Shinzo Abe (premiê do Japão) dará tempo para
uma discussão coletiva sobre a questão iraniana. É possível que ele deixe esse
tópico para tratativas bilaterais, dado que o Japão tem uma relação especial
com o Irã", diz Kirton.
No âmbito das discussões paralelas do G20, o tópico da crise nuclear
iraniana deve ser abordado principalmente durante reunião bilateral entre Trump
e o presidente da Rússia, Vladimir Putin.
O que Bolsonaro já disse sobre o Irã
Bolsonaro não tem comentado sobre a escalada da tensão entre EUA e Irã.
Mas, na prática, a forte aproximação do Brasil com Israel e Estados
Unidos distancia nosso país politicamente de países árabes e do Irã, acabando
com uma longa tradição de neutralidade da diplomacia brasileira.
Durante o governo Luiz Inácio Lula da Silva, o governo iraniano chegou a
sugerir que o Brasil atuasse como mediador das negociações nucleares.
Lula chegou a ir a Teerã em 2010 para negociar um acordo com os
iranianos, mas os EUA ignoraram essas negociações, firmando um entendimento com
Teerã apenas cinco anos depois.
No governo Bolsonaro, os planos de transferir a embaixada brasileira de
Tel Aviv para Jerusalém geraram amplas críticas do Irã.
O porta-voz das Relações Exteriores iraniano, Bahram Ghasemi, chegou a
dizer que a decisão do Brasil ameaça a segurança no Oriente Médio.
Após ampla pressão do Irã e de nações árabes, Bolsonaro acabou
postergando a transferência da embaixada e abrindo um escritório comercial em
Jerusalém.
Mas, apesar de o governo brasileiro ter rompido com a tradição de
neutralidade e se aliado a Israel, nenhum movimento foi feito no sentido de
tomar partido quanto à atual disputa entre Irã e EUA sobre o programa nuclear
iraniano.
Segundo o jornal Folha de S.Paulo, integrantes do governo americano
chegaram a pressionar o governo brasileiro a adotar uma postura mais dura em
relação ao Irã, mas não conseguiram obter o apoio do Brasil.
Mudanças climáticas
Outro tema que receberá atenção no G20 é o combate às mudanças
climáticas.
Em artigo sobre os tópicos de discussão do encontro entre os líderes das
20 maiores economias do mundo, o primeiro-ministro japonês defendeu que seja
dado amplo enfoque no estímulo de novas tecnologias que visem a reduzir o
impacto negativo do homem sobre o clima global.
"Os compromissos assumidos no Painel Intergovernamental de Mudanças
Climáticas para limitar o aumento da temperatura da atmosfera a 1,5 grau
Celsius até 2100 não serão alcançáveis apenas por regulação", alertou
Shinzo Abe.
No quesito mudanças climáticas, o Brasil deverá ser particularmente
pressionado pelos demais membros do G20, por possuir grande parte da maior
floresta tropical do mundo.
Segundo o professor de política econômica e desenvolvimento Diego Sánchez-Ancochea,
da Universidade Oxford, a imagem internacional do governo Bolsonaro na área
ambiental, em geral, não é boa.
Mas, segundo ele, o fato de os Estados Unidos também serem uma
importante voz de ceticismo quanto ao aquecimento global poderá provocar uma
divisão no G20 entre os que defendem mais ações de proteção ambiental e os que
não consideram essa questão uma prioridade.
"Como o governo Trump é cético quanto ao aquecimento global, será
difícil ver uma crítica unânime a Bolsonaro. É mais provável que vejamos
divisão no G20 sobre o que fazer com o meio ambiente."
Em entrevista à BBC News Brasil, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo
Salles, disse que a mensagem que o governo Bolsonaro levará ao G20 é de que é
preciso diversificar as atividades econômicas na Amazônia.
Segundo ele, é necessário oferecer alternativas de emprego e renda para
a população da região, para que as pessoas não se sintam atraídas por
atividades ilegais que gerem desmatamento.
Salles também disse que quer atrair investimento estrangeiro para abrir
negócios dentro e no entorno da floresta.
Entre as atividades que o governo pretende estimular estão mineração e
exploração dos recursos hídricos da Amazônia para geração de energia.
O ministro também afirmou que o governo brasileiro deverá cobrar, no
G20, que países ricos compensem o Brasil e o produtor rural pela preservação da
floresta.
"É uma maneira de nós dizermos ao mundo: 'Estamos preservando, mas
precisamos ser remunerados por isso'", disse.
Para Kirton, chefe do grupo de pesquisa sobre o G20 da Universidade de
Toronto, a postura do governo em relação ao meio ambiente pode acabar gerando
prejuízos ao Brasil em organismos internacionais.
Ele dá o exemplo do pleito brasileiro de integrar a OCDE. Recentemente,
o Brasil obteve seu primeiro "ganho" com a aproximação entre
Bolsonaro e Trump, quando os EUA se posicionaram formalmente a favor da entrada
do Brasil no grupo.
No entanto, segundo Kirton, para obter o apoio de países europeus, o
governo Bolsonaro terá de se mostrar mais comprometido com o meio ambiente.
"O Brasil quer entrar na OCDE e praticamente todos os países que
integram o grupo, com exceção dos Estados Unidos, acreditam numa solução
multilateral liderada pela ONU para controlar as mudanças climáticas",
destaca Kirton.
"Se o Brasil quer avançar no seu desejo de fazer parte da OCDE, vai
ter de adotar uma posição mais respeitável sobre mudanças climáticas, o que
Bolsonaro não tem feito até agora."
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