Como visita de Bolsonaro pode mexer com eleições na Argentina
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Reuters Bolsonaro pode ser 'aliado incômodo' em momento decisivo para Macri,
dizem especialistas
Seis meses depois de tomar posse, o
presidente Jair Bolsonaro visita a Argentina em um momento
decisivo para seu aliado, Mauricio Macri.
De uma reeleição que parecia quase certa pouco mais
de um ano atrás, o presidente argentino hoje tenta tirar o país da crise
econômica que alimenta uma rejeição crescente entre os eleitores à sua
candidatura e que fortalece a chapa de sua principal rival, a ex-presidente
Cristina Kirchner.
A antecessora, que governou o país entre 2007 e
2015, anunciou no último dia 18 de maio que disputaria como vice de Alberto
Fernández, Chefe de Gabinete durante o mandato do marido, Néstor Kirchner, e no
início de sua gestão.
A decisão de abrir mão de ser cabeça de chapa
surpreendeu o mundo político argentino e foi interpretada como uma jogada para
tentar diminuir a rejeição - também alta - à figura de Cristina, que é vista
por parte dos argentinos como responsável pela situação da economia e que
responde na Justiça a cinco processos por acusações de corrupção.
Visto como peronista moderado, Alberto Fernández
renunciou ao cargo no governo Cristina em julho de 2008 e fez duras críticas à
sua administração.
Os pré-candidatos devem se inscrever até o dia 22
de junho para que disputem as primárias em agosto e, finalmente, as eleições em
outubro. As pesquisas de opinião divulgadas até o momento mostram Macri e
Cristina oscilando em torno de 30% das intenções de voto.
A quatro meses da eleição, portanto, o cenário
ainda está completamente indefinido. Ambos os candidatos têm acenado aos
argentinos que estão distantes dos extremos da polarização, justamente porque
os votos dos eleitores de centro devem definir o desfecho, ressaltam cientistas
políticos ouvidos pela BBC News Brasil.
Nessa disputa apertada, qualquer detalhe pode pesar
para um lado ou outro da balança.
"E Bolsonaro é uma figura incômoda",
resume Fernando Manuel Suárez, professor do departamento de História da
Universidad Nacional Mar del Plata (UNMdP).
Além dos comentários polêmicos do presidente sobre
a comunidade LGBT e sobre as mulheres considerados preconceituosos e machistas
entre os argentinos, ele também se refere, por exemplo, à postura do governo em
relação à ditadura.
O tema é um dos poucos que une direita e a esquerda
na Argentina, país que até hoje julga e condena os responsáveis pelo
desaparecimento de quase 30 mil pessoas durante o regime de exceção que se
estendeu de 1976 a 1983.
A ditadura argentina
e o papel atual das Forças Armadas
A eleição de Macri em 2015, que colocou fim em um
ciclo de 12 anos de gestão kirchnerista, considerada de esquerda, não veio
acompanhada de um maior apoio popular às Forças Armadas - ao contrário do que
aconteceu no Brasil, em que a vitória de Bolsonaro deu-se em paralelo a um
movimento de reconquista de prestígio dos militares.
"Em uma sociedade com muito poucos consensos
como é a argentina, até hoje é consenso a catástrofe econômica, social e humana
que foi a ditadura", diz o antropólogo Alejandro Grimson.
A "deslegitimidade" das Forças Armadas,
como qualifica o historiador Manuel Suárez, vem de décadas e se deve a uma
conjunção de fatores. Primeiramente, há o fiasco da Guerra das Malvinas, o
conflito contra o Reino Unido que terminou em junho de 1982 com uma derrota
humilhante para a Argentina e que selou o fim da ditadura militar.
Depois, o próprio caráter violento da repressão,
além dos julgamentos dos crimes da ditadura, possibilitados pela revogação, em
2005, das leis de anistia - chamadas de "Punto Final" e
"Obediencia Debida". Ainda hoje há cerca de 500 causas ativas que
tramitam na Justiça.
Cerca de 2,2 mil pessoas foram denunciadas por
delitos ligados a crimes de lesa humanidade e 660, condenados, conforme os
dados compilados pelo Espacio Memória y Derechos Humanos, organização que
funciona na antiga Escuela de Mecánica de la Armada (ESMA), um dos maiores
centros de tortura da ditadura argentina, por onde passaram 5 mil presos
políticos - dos quais apenas 200 sobreviveram.
No Brasil, lembra o ex-Procurador Geral da
República Claudio Fonteles, que foi membro da Comissão da Verdade, o julgamento
sobre a validade ou não da Lei de Anistia está parada no Supremo Tribunal
Federal e, por isso, uma série de denúncias feitas pelo Ministério Público
Federal contra militares envolvidos no aparato repressivo da ditadura estão
travadas.
Força política dos
movimentos de direitos humanos
Graças à atuação de uma série de movimentos de
direitos humanos, o país acabou com o serviço militar em 1994 e marca o dia 24
de março, data do golpe de Estado em 1976, como um dia de reflexão, inclusive
nas escolas, com marchas e eventos.
Esse grupo heterogêneo de ativistas - que inclui,
por exemplo, as Mães da Praça de Maio - teve papel fundamental na denúncia dos
abusos cometidos durante a ditadura e no processo de redemocratização,
acrescenta Grimson, que é professor na Universidad Nacional San Martín.
E ainda hoje são peças importantes no xadrez
político do país.
Um exemplo nesse sentido, ilustra a cientista
política Maria Esperanza Casullo, aconteceu em 2017, quando a Suprema Corte
argentina permitiu a redução de pena de um ex-torturador com base em um regime
conhecido como "2 x 1" (dos por uno), que beneficia aqueles detidos
por mais de dois anos em prisão preventiva.
"Há certas coisas que não podem
ser ditas na Argentina", diz a cientista política, autora do recém-lançado
¿Por qué funciona el populismo?.
Sendo assim, o fato de o presidente Bolsonaro ter
estimulado as Forças Armadas a comemorarem o golpe de 64 é algo
"impensável" no contexto argentino, ela ressalta.
Já os elogios ao coronel Carlos Alberto Brilhante
Ustra, condenado pela Justiça brasileira, na Argentina poderiam ser denunciados
por "apologia del delito", afirma Daniel Tarnopolsky, do diretório de
organismos de direitos humanos do Espacio Memoria.
A avaliação de Bolsonaro como possível "aliado
incômodo" tem como precedente a viagem oficial ao Chile, em março deste
ano, a primeira e única até então a um país latino-americano.
Entre os exemplos, citou a
frase "Quem procura osso é cachorro", em referência a um cartaz que
Bolsonaro mantinha na porta de seu gabinete na Câmara dos Deputados e que se
referia aos parentes de vítimas da guerrilha do Araguaia. A imagem foi exibida
por grupos que protestavam contra a presença do presidente brasileiro no Chile.
Declaração de voto
Para Suárez, a oposição pode tentar explorar a "imagem pouco
simpática" de Bolsonaro. "Os opositores vão fazer essa afiliação (da
proximidade entre os dois presidentes)", afirma.
O líder do bloco kirchnerista na Câmara, deputado Agustín Rossi,
diz, porém, que "não recomendaria" a estratégia a nenhuma candidatura
de oposição. Prefere centrar a crítica ao governo na política econômica e em
seus efeitos.
A expectativa, para ele, é que a visita de Bolsonaro não chegue a
desequilibrar a corrida eleitoral. "A não ser que ele fale algo muito
grave e que Macri não se contraponha", admite.
Um potencial foco de desconforto nesse sentido, na visão do
cientista político Marcos Novaro, é o fato de o presidente brasileiro vir
repetindo que os argentinos devem evitar Cristina e votar pela reeleição de
Macri, sob o risco de que o país se transforme em "uma Venezuela".
Foram pelo menos três comentários no último mês de maio,
inclusive durante a visita ao Texas, em que Bolsonaro esboçou preocupação sobre
as eleições argentinas com o ex-presidente americano George W. Bush.
"Em outros momentos Macri daria algum tipo de declaração de
desagravo", avalia.
Protestos marcados para esta quinta-feira
A agenda preliminar divulgada pelo Itamaraty prevê que Bolsonaro
chegue à Casa Rosada, sede da presidência, por volta das 11h desta
quinta-feira.
Além de reunião com o presidente e com a cúpula do Congresso, na
programação consta ainda encontro com o presidente da Suprema Corte de Justiça
e encontro com empresários.
Nesta semana, diversos movimentos sociais fizeram uma convocação
para um protesto no dia da visita. Batizado de "Argentina Rechaza
Bolsonaro", ele está marcado para as 18h desta quinta-feira na Plaza de
Mayo, em frente à Casa Rosada.
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