'Matrix' chega
aos 20 anos de lançamento como um dos mais estudados da ficção-científica
Paulo Henrique Silva
Marco Aurélio Birchal, professor de Engenharia de Controle e Automação,
vê como exagero a ideia de o homem ser escravizado por máquinas
A esta altura, exatos 20 anos após o lançamento de “Matrix”, todo mundo
já conhece o efeito “bullet time” (aquele em que acompanhamos em câmera lenta,
de vários ângulos, o movimento de pessoas e objetos), usado agora à exaustão no
cinema. Ele está longe, no entanto, de ser um dos principais legados do filme,
hoje um clássico moderno da ficção-científica.
Ao mostrar a história de um Escolhido (Neo, interpretado por Keanu
Reeves) para livrar a humanidade da opressão das máquinas, num futuro próximo,
a obra dos irmãos Wachowski tornou-se um dos filmes mais estudados dos últimos
anos, tema de aulas e conferências em áreas como Filosofia, Sociologia,
Psicologia e Engenharia da Computação.
“Matrix” teve a primeira exibição em 24 de março de 1999, em Westwood,
nos Estados Unidos. No Brasil, só chegou em 21 de maio do mesmo ano. O sucesso
desta ficção-científica garantiu duas continuações, “Matrix Reloaded” e
“Matrix Revolutions”, ambos lançadas em 2003
Para Juri Castelfranchi, professor de Sociologia de Ciência da
Tecnologia na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o filme está mais
atual do que nunca. “Especialmente entre os transhumanistas, que acreditam que,
daqui a pouco, será possível fazer upload de nossas consciências
nas redes, desistindo do corpo para ter uma consciência pura na internet
atual”, constata.
Quatro questões
Castelfranchi brinca que a riqueza de discussão do filme é tão grande
que daria para fazer um “congresso internacional de uma semana inteira”. Mas
elege, entre os preferidos, quatro tópicos, dois ligados à Filosofia, um à
Antropologia e outro à Sociologia. Começando por este último, ele chama a
atenção para a questão do medo de virarmos escravos das máquinas.
“Na ficção-científica, intui-se muitas coisas que são nossos dilemas de
hoje. Falam do aqui e do agora, a partir do que somos agora. Um problema que a
sociedade não consegue gerir é o medo de que aqueles que seriam nossos escravos
consigam ficar mais fortes e se libertar. O que ‘Matrix’ está dizendo é
‘cuidado ao construir algo ao qual tudo se delega’”, analisa.
Do lado da Antropologia, o ponto a ser levantado é: o que faz o ser
humano ser humano? “Você precisa ter a consciência humana e um corpo humano.
Nos filmes de terror, vemos muitos corpos sem consciência, como zumbis. No caso
da inteligência artificial, são consciências humanas sem corpos e isso dá um
medo danado na gente”.
Na luta que os humanos do filme promovem contra as máquinas, surge uma
questão filosófica: até que ponto nossa felicidade está ligada ao corpo? Em
“Matrix”, salienta Castelfranchi, a mente independe do corpo. “Se focarmos na
inteligência, usando a emoção e o raciocínio, certamente seremos melhores do
que as máquinas”, registra.
Por fim, o longa exibe uma discussão, também filosófica, sobre os
objetos, se são eles meros instrumentos, nem do bem nem do mal. “Não é bem
assim. As máquinas compram a nossa maneira de ver o mundo, refletindo relações
de poder. Elas tendem a fortalecer quem está no poder”, pondera o professor.
Filme faz referências a equipamentos de rede de computadores
Especialista em Engenharia de Controle e Automação , professor
universitário que dá aulas sobre o tema, Marco Aurélio Birchal enxerga uma
relação direta entre os personagens de “Matrix” e os equipamentos de rede de
computadores.
“Personagens como Mouse e Switch carregam nomes de equipamentos. Até
Morpheus, que é o nome de um software. O Oráculo, a quem Neo procura para saber
se é o Escolhido, faz alusão justamente a um banco de dados muito importante e
famoso”, observa.
De acordo com Birchal, há relações diretas entre os eventos da computação
e situações usadas na narrativa, como o déjà vu (sensação de ter já
presenciado determinado acontecimento) e o looping (repetição
automática de uma ocorrência), mostrando que, “de fato, a trama ocorre dentro
de um computador”.
“Quando vão em busca do Chaveiro, para abrirem certas portas, trata-se
de uma referência às chaves de criptografia, de segurança de rede”, explica o
professor, que vê como exagero a ideia de o homem ser escravizado pelas
máquinas.
"(O cientista Albert) Einstein falava que qualquer
tecnologia muito avançada parece algo meio mágico. Quando a gente não tem um
entendimento da tecnologia, passa a adotar essa visão pessimista. De modo
geral, a máquina está aí para auxiliar o homem, uma grande ferramenta para
estender a capacidade humana”, analisa.
Para ele, o virtual nada mais é do que uma extensão do físico, que é
limitante. Birchal cita como exemplo os óculos de realidade virtual, que
transferem o seu usuário para outra realidade.
“Muito da discussão, especialmente no campo da sociologia, é sobre o
medo de a tecnologia tomar nossos empregos. Isso não vai acontecer. De fato, um
robô irá substituir o homem em situações insalubres e repetitivas que nada
acrescentarão à pessoa. Na verdade, ele está dando uma condição melhor ao ser
humano”, afirma.

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