As tragédias humanas
Manoel Hygino
A cada dia, chegam–
do Brasil e do exterior – mensagens de dor e de indignação pela tragédia de
Brumadinho, que evolui para um mês. O escritor mineiro Ronaldo Cagiano,
residente em Lisboa, encaminha-me sua palavra: “aqui temos acompanhado mais
esse passivo ambiental, fruto da criminosa exploração capitalista das nossas
reservas pelos barões da mineração, que negligenciam vidas e sacrificam
trabalhadores em nome de cifras”.
O fato me impele ao
livro que procurava, em minhas estantes atulhadas: “Miscelânea”, de Pedro
Sérgio Lozar, um autor que não aparece muito nas reuniões sociais e literárias.
Desejava eu simplesmente reler o capítulo em que se descreve a fuga de Paris da
família real francesa, depois da revolução, deflagrada em 1789 mas em marcha.
Assim, se podavam “gradualmente os privilégios da aristocracia e do clero”,
limitando a autoridade do rei; este, confinado com a família no palácio das
Tulherias, depois de obrigados pelos revolucionários a deixar Versalhes, morada
da realeza havia mais de um século.
Um soberano sumir
não era algo tão fácil, embora não existisse televisão. A população queria, a
todo meio, fazer justiça por suas próprias mãos. Luís XVI queria porque queria
fugir e fazia planos, a despeito da dura vigilância, extensiva a Maria
Antonieta e todos os seus.
Lozar conta que, “no
dia aprazado, os personagens deviam proceder como se nada de extraordinário
estivesse por acontecer; Luís se ocupou com seus afazeres habituais, almoçou
copiosamente, jogou bilhar com a rainha; Maria Antonieta passeou à vista do
público no jardim com os filhos, o herdeiro do trono o delfim Luís Carlos, de 6
anos, e Maria Teresa, chamada de Madame Royale, de 12”. A fuga fora organizada
pelo conde Hans Axel Von Persen, militar sueco a serviço da França, amigo
dedicado dos soberanos. Tudo urdido nos mínimos detalhes, para que a longa
viagem através do território fosse bem sucedida.
Este o capítulo mais
estudado e relatado da Revolução Francesa, a respeito do qual muito se
escreveu. É “A fuga de Varennes”, de que há numerosos depoimentos, os mais
desencontrados, contraditórios, discordantes. De todo modo, aí reside
exatamente o que mais desperta interesse do leitor, do curioso, do pesquisador,
se bem que presentemente não há tanta gente desejando saber mais sobre o
episódio.
Lozar não teve
“intenção de esgotar o assunto”, mas eu me interessei por ele em seu livro,
editado em 2017. Aprende-se bastante, embora não tenha encontrado referência ao
local e dia em que Maria Antonieta se desvencilhou de suas joias para evitar
caíssem em mãos dos revolucionários ou espertalhões.
A empreitada não deu
certo e o rei não conseguiu ultrapassar a fronteira, que ficava bem perto. O
soberano foi preso com toda a comitiva e levado à torre do Templo. Todos foram
submetidos a humilhações e maus-tratos. O herdeiro do trono, já com 10 anos,
morreu pela violência com que foi tratado. A princesa Maria Teresa se salvou,
trocada por franceses detidos na Áustria. E as joias? Delas fiquei sabendo por
pequena nota em jornal, em 15 de novembro passado: Antes de tentar fugir, Maria
Antonieta enviou suas joias para Bruxelas, onde reinava sua irmã, Maria Cristina.
Depois, foram confiadas ao imperador da Áustria, sobrinho de Maria Antonieta,
de origem austríaca. Detidos em Varennes, Luís XVI e Maria Antonieta foram
guilhotinados em outubro de 1793.
Algumas das
fabulosas joias de Maria Antonieta, entre elas um anel de diamantes com uma
mecha de seu cabelo, foram leiloados, 14 de novembro do ano passado, em
Genebra, depois de passar séculos longe do olhar do público. As dez preciosas
peças faziam parte de uma coleção da família Bourbon Parma e foram colocadas à
venda no Sotheby’s. Também foram leiloados objetos que pertenciam ao rei Carlos
X, aos Arquiduques da Áustria e aos duques de Parma. O item mais caro era um
pingente de diamante com uma pérola natural.
Paris, 1793;
Brumadinho, 2019. Sic transit gloria mundi
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