sábado, 10 de novembro de 2018

SÓ MESMO PUNIÇÃO PARA ACABAR COM OS DESVIOS DE DINHEIRO PÚBLICO


Desdobramento da “Lava Jato” leva vice-governador Antonio Andrade de Minas Gerais e mais 15 à cadeia

Lucas Simões









Em um desdobramento da operação “Lava Jato”, a Polícia Federal prendeu ontem 16 pessoas, entre elas o empresário Joesley Batista, o vice-governador de Minas Gerais Antonio Andrade (MDB) e o deputado estadual João Magalhães (MDB). Eles são investigados em um suposto esquema de corrupção no Ministério da Agricultura, entre 2013 e 2015. Todas as prisões são temporárias, ou seja, com validade de apenas cinco dias, mas a Polícia Federal informou que vai pedir a prisão preventiva de todos os acusados.
Segundo a denúncia, o ex-deputado federal Eduardo Cunha, que cumpre pena em Curitiba (PR) no âmbito da “Lava Jato”, seria o principal intermediário do esquema junto com Joesley Batista. Cunha teria recebido R$ 30 milhões do empresário para iniciar um processo de aprovação de medidas ilícitas junto ao Ministério da Agricultura, que beneficiassem a J&F Investimentos, incluindo a JBS, principalmente em relação à concorrência na exportação de carnes.
Nesse contexto, parte da propina de R$ 30 milhões foi usada por Cunha para custear a própria campanha à Presidência da Câmara dos Deputados, em 2014, da qual saiu vitorioso. Outros R$ 15 milhões serviram para financiar a candidatura de deputados estaduais e federais do MDB por Minas.
Segundo o delegado da Polícia Federal Mário Veloso, presidente do inquérito, o dinheiro para pagamento das propinas foi transportado pelos acusados “em malas de viagem e até mesmo em caixas de sabão em pó”.
De acordo com a PF, o vice-governador Antonio Andrade teria recebido R$ 15 milhões por intermédio do deputado estadual João Magalhães (MDB), também preso ontem no bojo da Operação Capitu.
O objetivo era repartir o dinheiro para financiar as candidaturas do MDB nas eleições de 2014. Além disso, a PF ainda apura o envolvimento de parlamentares mineiros que teriam recebido propina.
Para favorecer a JBS, uma das propinas recebidas por Antonio Andrade, de R$ 3 milhões, teve o objetivo de proibir o medicamento ivermectina, usado no combate de parasitas de longa duração em gado bovino, após reclamações de empresários americanos sobre a qualidade da carne exportada ao país pela JBS. A mudança, que revogou a circular nº279/2004, foi feita pelo então secretário de Defesa Agropecuária, Rodrigo Figueiredo, a pedido de Andrade.
Em nota, a assessoria de Andrade se limitou a dizer que “haverá manifestação tão logo a defesa tome conhecimento do conteúdo do inquérito” e reforçou que “Antônio Andrade respondeu tudo o que lhe foi perguntado e colaborou com o trabalho da Polícia Federal”.
Já na gestão de Neri Geller à frente do Ministério da Agricultura, deputado federal eleito pelo PP do Mato Grosso, foram pagos R$ 5 milhões para impedir que frigoríficos de menor porte exportassem despojos — partes de carnes bovinas não consumidas no Brasil, mas com forte mercado consumidor na Ásia. A medida foi uma das mais benéficas para a JBS, segundo a Polícia Federal.
Em outra frente da investigação, o vice-prefeito de João Pessoa, Manoel Junior (MDB), é acusado de receber R$ 50 mil em propinas para manipular a Medida Provisória (MP) 653/2014 em favor da JBS, quando ainda era deputado federal. Apesar de dispor sobre regulações para o setor farmacêutico, a MP recebeu uma cláusula fora do objetivo regulatório, que obrigava as inspeções frigoríficas a serem realizadas apenas pelo Ministério da Agricultura, beneficiando a JBS.


Investigação aponta doações ilegais a campanhas eleitorais
Para maquiar a origem das propinas recebidas no suposto esquema no Ministério da Agricultura, seis empresas de advocacia de Belo Horizonte eram usadas para gerar notas frias em cima do recebimento do dinheiro.
Em relação aos R$ 30 milhões que teriam sido entregues a Eduardo Cunha, a investigação revela que os escritórios de advocacia forjaram notas fiscais frias de serviços nunca prestados, justamente para “dar contornos de legalidade ao dinheiro”, segundo o delegado Mário Veloso, presidente do inquérito.
Além disso, as investigações apontam que o Supermercado BH e o Supermercado MG colaboraram com doações de pelo menos R$ 9 milhões ilegais a campanhas políticas. Apesar disso, a PF não soube precisar qual a vantagem que os frigoríficos tiravam desse suposto esquema.
Em outra frente para maquiar as propinas, os supermercados compravam produtos da JBS, mas ao invés de pagar ao frigorífico, repassavam apenas parte do dinheiro ao intermediário João Magalhães (MDB), conseguindo uma espécie de “desconto financeiro”.
“Havia uma simulação. As empresas de supermercado compravam das frigoríficas. Mas as redes não faziam o pagamento devido aos frigoríficos. Só que os frigoríficos davam a quitação. O problema é que o dinheiro saía da rede de supermercados para os agentes políticos”, disse o delegado.
Um dos acusados, sócio do Supermercado BH, está em viagem ao Uruguai, mas negocia com a PF para se entregar. Em nota, a assessoria do Supermercados BH informou que o cumprimento dos mandados deu-se de maneira tranquila e em ambiente de cooperação. “Não foi possível conhecer a integralidade dos autos dos pedidos de medidas cautelares que determinaram tais diligências”, diz. A rede afirmou ainda que irá contribuir com as investigações. A assessoria do Supermercado MG não se manifestou.
Para o delegado Veloso, há indícios de que houve irregularidades na campanha de 2014 com apoio das redes alimentícias. “As doações eleitorais (em 2014) foram feitas por supermercados. É como se fosse uma doação legal, à época, empresas podiam doar. Mas a origem desse dinheiro não é lícita”, disse o delegado. Outra investigação da PF vai apurar se houve caixa dois no âmbito do esquema de corrupção.
Segundo a Polícia Federal, o esquema de corrupção no Ministério da Agricultura começou a ser desmontado após três empresários da JBS, Joesley Batista, Ricardo Saud e Demilton de Castro, tentarem atrapalhar as investigações e confundir a polícia. “Houve ocultação de parte do material probatório e destruição de provas do arquivo da empresa. Percebemos que havia uma tentativa de conduzir a investigação”, disse Veloso.
A desembargadora federal Mônica Sifuentes, relatora do inquérito, informou que, ainda em 2015, “foi possível tomar conhecimento da possível eliminação de documentos ocorrida na sede da J&F”.
A reportagem não obteve retorno de Neri Geller e João Magalhães e não conseguiu o contato de nenhum representante de Eduardo Cunha.
O advogado da JBS, Pierpaolo Bottini, espera que as prisões de Joesley, Ricardo Saud e Demilton de Castro sejam revogadas assim que os fatos forem esclarecidos. “A investigação só existe porque os executivos da J&F colaboraram com a Justiça”.



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