A hora de acordar
Manoel Hygino
Não permitiria
passar em branco o centésimo décimo aniversário de morte de Machado de Assis.
Não há trocadilho, por ter sido o fundador da Academia Brasileira de Letras
(ABL) afrodescendente, como se diz hoje, além de pobre e epiléptico, o que não
o impediu alcançar a culminância literária.
Transcorridos 11
décadas do passamento do grande escritor, constata-se estar forte e sólido no
pedestal de admiração erguido pela comunidade literária internacional. Creio
que não exageraria se afirmasse que a morte dele comoveu o país. Sua vida e
consagração se tornaram uma notável mensagem de fé e confiança de quantos
nascem, entre nós, estigmatizado pelas diferenças.
A oração fúnebre, em
29 de setembro de 1908, em nome da Academia Brasileira de Letras, toca o
coração e foi lida nada menos do que por Rui Barbosa, um dos companheiros na
fundação da ABL. Manifestou-se em determinado trecho:
“(...) Mestre e
companheiro, disse eu que nos íamos despedir. Mas disse mal. A morte não
extingue: transforma; não aniquila: renova; não divorcia: aproxima. Um dia
supuseste ‘morta e separada’ a consorte dos teus sonhos e de tuas agonias, que
te soubera ‘pôr um mundo inteiro no recanto’ do teu ninho; e todavia, nunca ela
te esteve mais presente, no íntimo, de ti mesmo e na expressão do teu canto, no
fundo do teu ser e na face das tuas ações. (...)”.
O ano de 1908 foi de
adeus e de lágrimas entre os membros da Academia, todos já idosos e sofridos
pelas mazelas do tempo. Fabio de Sousa Coutinho, que acaba de publicar
excelente livro sobre os juristas da Academia, lembrou a última carta dirigida
por Lúcio de Mendonça, acadêmico de primeira hora e membro do Supremo. Por
força da cegueira, o ministro enviara a Machado um agradecimento:
“Obrigadíssimo por
haver lembrado de mim, sobrevivente a mim mesmo. Chega-me, neste momento, o
Memorial de Aires, que vou mandar ler. Será o primeiro livro seu que eu leia com
olhos de outrem; quero, porém, que o agradecimento ainda seja do meu próprio
punho. Se não tem medo de almas do outro mundo, deixe que lhe beije as mãos
criadoras o discípulo devotadíssimo...”.
Especialmente
oportuna a lembrança dos fatos e dos personagens, em face da situação ora
atravessada pelo Brasil sob vários aspectos. Ademais, pela lembrança de Hélio
Jaguaribe, advogado, sociólogo, cientista político e escritor, recentemente
falecido, cidadão probo e de atitudes corajosas, como demonstrou durante o
governo militar.
Também membro da
Academia Brasileira de Letras, como registrou Aristóteles Atheniense
(conselheiro nato da OAB, diretor do IAB e do IAMG), Hélio Jaguaribe, tão pouco
reverenciado agora, afirmou: “O Brasil é mais ignorante do que pobre e, em
última análise, é pobre porque é ignorante”.
Mais: “o país tem o
desenvolvimento que a sua educação lhe proporciona. O fato de que há uma
parcela muito grande de brasileiros totalmente deseducados ou parcialmente
educados constitui um peso inerte que dificulta a marcha do Brasil. Portanto, a
primeira coisa a fazer é ampliar a educação e melhorar o nível dela. Só isso
bastaria, porque, como o país, em uma tendência positiva para crescer, se tiver
educação cresce na direção certa e com a velocidade certa”.
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