A destruição
para além do físico
Agência Brasil
O prédio, tombado
como patrimônio público, poderá ser reerguido
Incêndio do Museu
Nacional pode impactar na forma como narramos o passado e como produziremos
conhecimento no futuro
O incêndio que
destruiu o Museu Nacional/UFRJ na noite de domingo, dia (2), levou consigo
muito mais do que um prédio histórico que abrigou a família real.
Aliás, desde quando
se transformou em Museu Nacional, a instituição fazia questão de se apresentar
como um espaço de produção e exposição de ciência.
Quem visitasse
esperando um trono real de D. João VI sairia desolado. Poucas referências à
presença dos imperiais apareciam em seus corredores. Ainda assim, indiretamente
os antigos moradores estavam presentes na exposição.
A cadeira real do
antigo imperador do Brasil não estava ali, mas outro trono tinha destaque no
acervo. Era do rei Adandozan, do reino de Daomé (atual Benin), na África, e que
foi dado em 1811 para Dom João VI como uma prova da boa relação que o reino
português – recém fugido para o Brasil – queria manter com este povo.
Uma peça que
contribuiu nas relações diplomáticas que consolidaram na trágica história
escravista do país.
Muito perto deste
trono também havia um manto real. Novamente, não era da família portuguesa. Era
um presente, cheio de plumas, do rei Tamehameha II, das ilhas Sandwich (atual
Havaí) ao imperador D. Pedro I.
A possível perda
destes itens configura um vazio no entendimento de uma relação entre o Brasil e
povos estrangeiros que até hoje não é tão exposta ao grande público. Em um
museu com uma entrada de R$ 3, ela se tornava mais difundida.
As tão comentadas
exposições de Grécia, Roma e Egito também tiveram seu surgimento atrelado às
aquisições da família real. D. Pedro, por exemplo, comprava múmias de
mercadores para sua coleção particular.
Seu filho, D. Pedro
II, chegou a fazer expedições ao Egito para comprar mais. Dentre as adquiridas,
existe uma cujo processo de mumificação é bastante raro: cada parte do corpo é
enrolada de forma que se possa identificar dedos, braços e pernas.
Somente outras seis
no mundo obedecem a esta lógica. Uma peça cuja preservação é de interesse
mundial e que atravessou milhares de anos.
Já a imperatriz
Teresa Cristina contribuiu com a exposição de Grécia e Roma ao ter expostos os
vasos etruscos que tinha comprado. São peças que detalhavam hábitos cotidianos
de povos da península de Itálica de uma época anterior ao nascimento de Jesus
Cristo. Ao contrário do que muito foi escutado na cobertura do incêndio, o
acervo do Museu Nacional transcende os seus 200 anos.
A exposição era
muito mais do que as peças adquiridas pela família real. Aquele prédio também
era uma instituição de produção de conhecimento. Estavam ali os fósseis de
Luzia, a mais antiga moradora de nossas terras e que mudou a percepção sobre o
deslocamento da humanidade da África até a América.
É também o museu que
fez importantes descobertas paleontológicas e se transformou em um dos
principais centros de estudo na América Latina. São dezenas de pesquisadores
que perdem completamente suas pesquisas. O prédio, tombado como patrimônio
público, poderá ser reerguido. Não será como antes, infelizmente.
Ainda assim,
irrecuperáveis serão as peças e pesquisas que, porventura, forem destruídas.
Surgirão lacunas na já tão complicada forma como narramos e lidamos com o nosso
passado e um atraso cientifico que impedirá a produção de conhecimentos
futuros.
Raphael Kapa é
jornalista, historiador, doutorando em História pela UFF e trabalhou como
instrutor na exposição do Museu Nacional por seis anos.
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