Um milhão de
indígenas brasileiros buscam alternativas para sobreviver
Estadão Conteúdo
Renda de indígenas
se baseia em turismo e comércio
Há, no Brasil, cerca
de 1 milhão de indígenas de mais de 250 etnias distintas vivendo em 13,8% do
território nacional. Em meio às ameaças de violência, riscos de perda de
direitos em decorrência da pressão dos latifundiários, mineradoras e usinas,
alguns povos indígenas lutam por mais autonomia, tentando conquistar, com a
comercialização de seus produtos e com o turismo, alternativas para diminuir a
dependência dos recursos cada vez mais escassos da Fundação Nacional
do Índio (Funai).
Segundo
especialistas consultados pela Agência Brasil, estes são alguns dos
principais desafios a serem lembrados neste 19 de abril – o Dia do
Índio.
Para serem
bem-sucedidos, nessa empreitada visando a venda de suas produções e a
exploração dos recursos naturais das terras indígenas (TIs), os povos indígenas
têm como desafio buscar maior representatividade no Congresso Nacional, uma vez
que cabe ao Legislativo Federal criar políticas específicas que deem segurança
jurídica para que eles consigam o desenvolvimento financeiro do qual sempre
foram excluídos.
Sustentabilidade
Alguns povos
indígenas que tiveram suas terras homologadas têm conseguido bons resultados
por meio da comercialização de seus produtos. Levantamento apresentado pelo
Instituto Socioambiental (ISA) aponta que, somente na safra 2017/2018, índios
da etnia Kaiapó do Pará obtiveram cerca de R$ 1 milhão com a venda de 200
toneladas de castanha. Outros R$ 39 mil foram obtidos com a venda de sementes
de cumaru, planta utilizada para a fabricação de medicamentos, aromas, bem como
para indústria madeireira.
A castanha rendeu
aos Xipaya e Kuruaya, no Pará, R$ 450 mil, dinheiro obtido com a venda de 90
toneladas do produto. Cerca de 6 mil peças de artesanato oriundo das Terras
Indígenas do Alto e do Médio Rio Negro renderam R$ 250 mil aos índios da
região. Já os indígenas da TI Yanomami (Roraima e Amazonas) tiveram uma
receita de R$ 77 mil com a venda de 253 quilos de cogumelos.
Os exemplos de
produções financeiramente bem-sucedidas abrangem também os Baniwa (AM), que
venderam 2.183 potes de pimenta, que renderam R$ 46,3 mil. As 16 etnias que
vivem no Parque do Xingu obtiveram R$ 28,5 mil com a venda de 459 quilos de
mel.
Autonomia
O presidente da
Funai, general Franklimberg Ribeiro Freitas, disse que cabe aos indígenas a
escolha do modelo de desenvolvimento a ser adotado. “A Funai deve apoiá-los
para atingir seus objetivos”, afirmou. “Em diversas regiões, os índios estão
produzindo visando à comercialização de seus produtos ou mesmo serviços, como o
turismo ecológico. Essas experiências mostram que a extração sustentável, a
comercialização de produtos e o turismo podem ajudar a ampliar o
desenvolvimento das Terras Indígenas”, disse o presidente do órgão indigenista.
Franklimberg
destacou que entre as etnias que produzem e avançam na comercialização de
produtos e serviços estão os Kaiapós do Pará. “Eles produzem toneladas de
castanha e agora reivindicam máquinas para beneficiar o produto”, ressaltou.
“Há também o cultivo e a venda de camarão, pelos Potiguara da Paraíba, que está
bastante avançada. Tem até a lavoura de soja dos Pareci, no Mato Grosso”.
O presidente da
Funai acrescentou ainda que: “No caso do minério e dos recursos hídricos, é
preciso ainda normatizar e regulamentar essas atividades, o que cabe ao
Congresso Nacional fazer”.
Congresso Nacional
Para o antropólogo e
professor da Universidade de Brasília Stephen Baines, os indígenas são
preteridos na relação com os empresários e donos de terras. “Há uma
desproporção absurda no Legislativo brasileiro a favor daqueles que querem o
retrocesso dos direitos dos povos indígenas, previstos na Constituição de 1988
e na legislação internacional”, disse à Agência Brasil.
“Temos atualmente um
Congresso Nacional extremamente conservador que representa – por meio de
parlamentares ligados à bancada ruralista, ao agronegócio, às empresas de
mineração e aos consórcios de mineração e de usinas hidrelétricas – a maior
ameaça e o maior ataque aos direitos dos povos indígenas", afirmou o
antropólogo.
Segundo Baines, é
difícil para os índios planejar grandes voos do ponto de vista de recursos, sem
que, antes, seja resolvida a questão da gestão territorial, o que inclui a
segurança jurídica que só é possível a eles após terem suas terras demarcadas e
homologadas.
“É fundamental que
se tenha respeito pelos índios e pela sua forma de viver e produzir. Para
tanto, é necessária a efetivação dos direitos previstos tanto na Constituição
como pelas convenções internacionais”, disse Baines citando convenções da
Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Organização das Nações Unidas
(ONU) sobre os direitos dos povos indígenas.
Violência
Stephen Baines
afirmou que a violência contra os índios ainda é intensa em várias comunidades,
como nos estados do Pará, Mato Grosso e Roraima. “Há muitas ameaças contra os
índios, feitas por latifundiários, empresas e pelos capangas, que matam
lideranças locais que lutam pelos seus direitos. Quer saber onde os índios
correm mais riscos? Basta olhar para as terras indígenas que estão próximas a
latifúndios”, disse.
Baines citou como
exemplo o ocorrido na Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR), onde fazendeiros
que vieram de outras regiões se instalaram. “Eles invadiram as áreas indígenas
para desenvolver produção industrial de arroz. Para expulsar os índios da
região, usavam capangas. Até indígenas foram pagos por eles para intimidar as
lideranças”, afirmou. “Atualmente, muitos daqueles invasores são
atualmente influentes políticos locais e federais e, com a ajuda da mídia,
passam a falsa ideia de que há muita miséria entre os indígenas. Os indígenas
negam isso, mas não conseguem espaço na mídia para desmentir a história falsa.”
O deputado
Nilson Leitão (MT), integrante da Frente Parlamentar da Agropecuária e
líder do PSDB na Câmara, disse que "nenhum projeto" aprovado
pelo Congresso Nacional traz prejuízos aos interesses dos indígenas. "Pode
ir contra o interesse de intermediários, interventores ou organizações sociais,
que dizem trabalhar para o índio. Nenhum deputado que eu conheço, que defenda o
setor produtivo, trabalha contra o índio", disse.
Nilson Leitão afirmou
que o "verdadeiro parceiro do índio são os produtores".
"[Indígenas e produtores] são vizinhos, moram na mesma localidade, têm as
mesmas peculiaridades e colaboram um com o outro. Não existe conflito entre
eles a não ser aqueles provocados por organizações sociais", disse.
Marco temporal
O antropólogo
alertou sobre "marco temporal", medida que divide opiniões, busca
produzir a área das terras indígenas, colocando como referência para as
demarcações as terras que estavam ocupadas na época em que a Constituição foi
promulgada [1988], ou seja, quando os "indígenas foram removidos e
expulsos de suas terras em todo o Brasil”.
Neste cenário, as
manifestações indígenas ganharam mais força, como o caso do Acampamento Terra
Livre, organizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Formado em 2004, é a maior mobilização de povos indígenas do país. Em
2017, mais de 3 mil indígenas de 200 povos participaram da manifestação em
Brasília.
No próximo dia 23,
haverá a 15ª edição da mobilização, em Brasília, em defesa da manutenção e
efetivação dos diretos dos povos indígenas.
Mais demandas
Os diversos grupos
indígenas apelam por mais mecanismos de segurança jurídica para o
desenvolvimento e comercialização de seus produtos. “A segurança jurídica não
pode ficar restrita a grandes grupos econômicos. Além de ter seus
direitos respeitados e a liberdade para explorar as terras como acharem melhor,
os indígenas precisam também de incentivos para produzir, respeitando seus
próprios modos de produção”, argumentou Stephen Baines
Segundo o
antropólogo, o conhecimento tradicional sobre a relação com o ambiente faz
parte dos produtos indígenas e, ao mesmo tempo, valoriza a questão ambiental.
“Não há dúvida de que o fato de serem feitos por indígenas dá ao produto um diferencial,
por serem ecologicamente seguros. Inclusive há lojas na Europa muitas lojas que
vendem produtos industrializados como sendo indígenas. Alguns até usam uma
pequena quantidade de óleo de castanha kaiapó para associar a imagem do produto
à ideia de produção sustentável em suas campanhas de marketing”.
Em menor escala, a
forma de produção indígena é bastante diferente da exploração industrial, que,
segundo ele, é desastrosa e provoca impactos ambientais irreversíveis. “Quando
eles optam pela mineração, eles o fazem por meio de uma maneira própria de
garimpagem em pequena escala. Extraem somente o necessário, pensando nas
gerações futuras. Não querem empresas porque sabem que elas tiram tudo de uma
vez, não deixando nada para o futuro”.
Para Baines, é
importante a adoção de cotas indígenas no ensino superior, como fez de forma
pioneira a Universidade de Brasília (UnB). Em 2017, havia 67 alunos indígenas
de 15 povos. Destes, 42 faziam graduação e 25 pós-graduação.
Política
O assessor
parlamentar da Funai Sebastião Terena disse que as lideranças indígenas têm
trabalhado também para ampliar a representatividade de índios na política
brasileira nas eleições de 2018, em especial no Congresso Nacional. As
dificuldades, no entanto, não são poucas. Na história do Parlamento
brasileiro, o único indígena eleito foi Mário Juruna, em 1982, para a Câmara
dos Deputados.
Pelos dados de
Terena, há apenas 117 vereadores indígenas cumprindo mandato em 25 unidades
federativas, além de quatro prefeitos e um vice-prefeito. “Apesar da falta de
recursos e de infraestrutura, pela primeira vez teremos pré-candidatos
indígenas em pelo menos 10 estados e no Distrito Federal”, disse Terena. A
definição dessas candidaturas deve ocorrer em julho.
O antropólogo
Stephen Baines lamenta que “apenas uma pequena minoria de parlamentares
luta pelos direitos indígenas”. “Em parte, isso se explica porque muito do
dinheiro do agronegócio e das empresas e consórcios acaba sendo usado em
campanhas eleitorais das bancadas contrárias aos povos indígenas. E muito
provavelmente parte do financiamento vantajoso que é direcionado ao agronegócio
acaba servindo também para financiar as campanhas dessa bancada que faz de tudo
para inviabilizar candidaturas indígenas”, acrescentou.
Na avaliação de
Baines, a data de hoje – Dia do Índio – é importante não só para o
protagonismo indígena, mas também para chamar a atenção das pessoas
interessadas na defesa dos direitos indígenas.
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