Fórum denuncia
Brasil à ONU por alta taxa de assassinato de negros; em Minas, são 73% das
execuções
Tatiana Lagôa e
Mariana Durães
Aos 16 anos,
Leandro* foi vítima de “bala perdida” em Venda Nova, na capital mineira. Uma
década depois, o irmão Vinícius*, de 33, foi executado por se envolver com o
tráfico de drogas no mesmo bairro. Os dois fazem parte de uma estatística que
mostra que nove negros morrem a cada dia em Minas – 73% dos homicídios
registrados no Estado. Os dados mais atuais, do Fórum Brasileiro de Segurança
Pública, são de 2015.
A quantidade de
óbitos de jovens negros levou o Fórum Permanente pela Igualdade Racial (Fopir),
entidade nacional que reúne grupos antirracistas, a protocolar denúncia contra
o Brasil nas Organizações das Nações Unidas (ONU), em 22 de agosto. Apenas na
semana passada ela se tornou pública.
Com base em
histórias como as de Leandro e Vinícius e no relatório da Comissão Parlamentar
de Inquérito (CPI) do Assassinato de Jovens do Senado, finalizado em 2016, o
Fopir acusa o governo de omissão diante do que eles classificam como genocídio
(extermínio parcial ou total de um grupo étnico, racial ou religioso). “O
Senado faz recomendações a serem adotadas para mudar o quadro, mas nada foi
feito desde então. Internacionalizando a questão, aumentamos a pressão”, afirma
o advogado Daniel Teixeira, do Fopir.
A reportagem
contactou o Ministério da Justiça e Segurança Pública. Porém, não houve retorno
até o fechamento desta edição.
Especialista em
educação, cultura afro-brasileira e identidade racial, o professor Luiz Alberto
Oliveira, da UFMG, afirma que a tentativa de pressionar a União não é nova e há
certa dificuldade em levar as propostas até o fim por falta de interesse. “Os jovens
negros estão morrendo de forma assustadora, e cada vez mais. É um assunto
antigo, mas ninguém se importa com a vida deles. Isso é, claramente, racismo”.
Discriminação
Assassinatos de
negros são apontados como reflexo de preconceito racial. O relatório indica que
acontecem por ações de repressão por meio de intervenção policial e pela falta
de políticas públicas eficientes de redução das mortes. “O Estado brasileiro é leniente
com o genocídio”, diz o texto.
Pesquisador do
Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp), da UFMG,
Frederico Marinho lembra que a vitimização dos negros é histórica. “É uma
população inserida em áreas mais vulneráveis do ponto de vista de acesso à
educação e inserção no mercado de trabalho. Isso faz com que a maioria resida
em locais mais violentos e menos estruturados das cidades, tornando-se alvos
fáceis”, observa.
O papel do crime
organizado também deve ser discutido, reforça o professor Luiz Alberto
Oliveira, da UFMG. Segundo ele, há mortes porque não existe controle nesse
sentido. “São esses bandidos que assediam, dão oportunidade e também matam
esses meninos”.
“Se a gente tivesse
condições de morar longe do tráfico eu não teria perdido meus filhos. O
mais novo tomou um tiro sem fazer nada de errado. O mais velho se envolveu
com drogas por causa da falta de oportunidade” (Antônia*, de 58 anos, mãe de
Leandro e Vinícius, jovens negros assassinados em BH, que culpa a desigualdade
racial no país pela dor que sente desde 2001, quando perdeu o filho caçula)
Postura do país
deverá ser cobrada em reunião internacional
Os assassinatos de
negros no Brasil deverão pautar a próxima reunião de Direitos Humanos da ONU,
prevista para março. “Já tivemos o retorno de que a instituição recebeu nosso
doc[/TEXTO]umento e uma postura do país deverá ser cobrada no encontro”, afirma
o advogado do Fórum Permanente pela Igualdade Racial (Fopir) que está à frente
da medida, Daniel Teixeira. Ele explica que uma pressão do órgão
internacional pode surtir efeitos devido às pretensões do governo federal de
manter uma imagem de país justo e democrático. Neste ano, inclusive, as Nações
Unidas chegou a fazer uma campanha chamada “Vidas Negras: Pelo fim da violência
contra a juventude negra”.
No site da
instituição, ela lembra que o Brasil está entre os 193 países que se
comprometeram com a agenda de 2030 de desenvolvimento sustentável. “Se o
racismo tem deixado os jovens negros para trás, ele precisa ser enfrentado.
‘Vidas Negras’ é um convite aos brasileiros e brasileiras a entrar no debate e
promover e apoiar ações contra a violência racial”, diz a ONU.
De acordo com o
Atlas da Violência, elaborado pelo Instituto de Economia Aplicada e pelo Fórum
Brasileiro de Segurança Pública, os negros têm 23,5% mais chances de serem
mortos, se comparado aos brancos, amarelos e indígenas.
Em Minas, de 2005 a
2015, os óbitos de negros tiveram queda de 4,2% a cada 100 mil habitantes. Para
o especialista em educação, cultura afro-brasileira e identidade racial, Luiz
Alberto Oliveira, a variação ainda não significa melhora nesse cenário. “A
realidade ainda é muito perceptível. Até temos programas como o ‘Fica Vivo!’,
que tentam chamar a atenção do jovem para o risco da criminalidade, mas estamos
longe de acabar com o problema. Nenhum Estado resolveu e não podemos blindar
isso mais”, analisa.
No documento enviado
pelo Fopir à ONU, são indicadas algumas soluções para o genocídio no país.
Algumas propostas dizem respeito à padronização das informações sobre segurança
pública, fundação de um banco nacional de dados sobre violência e
desenvolvimento de um plano nacional de redução de homicídios.
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