ONU: Algodão entre cristais
Manoel Hygino
Pareceu-me que não
se deu a devida atenção à notícia sobre a situação que enfrenta a ONU neste
final de ano. Fazem-se críticas à Organização, o que é natural, porque nada é
perfeito e a entidade poderia evidentemente ser mais atuante na consumação de
seus objetivos.
Na semana passada,
Antonio Guterres, seu secretário-geral, se reuniu com o presidente americano,
Donald Trump, na Casa Branca, para discutir a reforma das Nações Unidas e
outros temas “de preocupação mútua”. Foi o primeiro encontro formal entre o
secretário-geral da ONU e o titular da Casa Branca. É um momento delicado,
quando eclodem focos de guerra e atritos graves em várias regiões. Entre os
problemas examinados, a recusa de Trump em certificar o acordo nuclear de 2015
com o Irã. O que se acertou, porém, depende do Congresso dos Estados Unidos.
Mas não é só isso.
Trump – que fala pelos cotovelos – ameaça cortar a contribuição dos EUA à
Organização. E, apenas para registrar, lembro que Tio Sam é o maior
contribuinte financeiro da ONU, com 22% de seu orçamento básico de U$ 5,4
bilhões, além de oferecer mais US$ 7 bilhões para manutenção da paz. Paz custa
caro portanto, e nunca é completa. Ademais, os Estados Unidos já estão
retirando seu apoio financeiro à Unesco, o que constitui mais do que uma terrível
frustração às áreas em que ela atua.
A grande e
inquietante pergunta: vamos repetir a Liga das Nações? Por mais frágil que seja
a atuação da ONU desde sua criação, no pós-II Grande Guerra, ela tem prestado
inestimáveis e altíssimos serviços ao mundo e à humanidade. Evoco as
observações do ex-ministro Vasco Leitão da Cruz, um dos mais credenciados
diplomatas do Itamaraty: “O papel da Liga das Nações era o mesmo da ONU – de
algodão entre cristais”.
Vasco criticou a
Liga: “Pretendia resolver tudo na falação, mas fracassou, porque faltou o que
falta sempre: a vontade dos países fortes”. Quando a Liga das Nações agonizava,
perguntava-se se o ocaso não seria o fracasso do idealismo da diplomacia, em
especial da diplomacia multilateral. Para o ex-chanceler brasileiro, a posição
da Liga era de paz a qualquer preço. Mas há preços que não se pode pagar. A não
ser que se queira fazer como Bertrand Russel, que dizia que é melhor ficar
vermelho do que morto”.
Esta é uma hora
propicia à análise e debate do problema, que afeta o mundo quando pairam
preocupações até sobre um conflito nuclear. A ONU não correspondeu inteiramente
à expectativa que em torno dela se formulara, depois da Liga das Nações, mas é
fundamental.
Há muito a discutir
ainda. Para o diplomata brasileiro, a ONU, por exemplo, tem no seu Conselho de
Segurança o Conselho de Assistência Militar, que jamais funcionou a contento.
“Era para ser feito um exército, formar uma armada internacional e diminuir as
forças nacionais. Há também o problema da aceitação do princípio do que é
agressão. Cada país pensa que tem o direito de trazer sua interpretação do que
é agressão”.
A Liga das Nações
não pôde, enfim, atender plenamente os seus propósitos originais. Tampouco a
Organização das Nações Unidas. Mas, mais do que sempre, a entidade precisa é de
apoio e dinheiro. Não se lhe pode faltar.

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