Pesquisas com
toque feminino: mulheres conquistam mais espaço na ciência
Tatiana Lagôa
“Somos sempre mais
testadas”, diz Luciana, que é doutoranda da UFMG
Na dupla jornada,
atenções divididas entre o emprego e os afazeres domésticos. Na maternidade,
dedicação em tempo integral. Em meio a tudo isso, uma cultura que ainda insiste
em determinar a função adequada para cada gênero. Mesmo diante de tantas
barreiras, a presença das mulheres no universo da pesquisa científica cresce em
Minas Gerais.
Com foco e
disciplina, elas conquistam, cada vez mais, um merecido espaço nos laboratórios
das universidades federais. Hoje, o número de pesquisadoras mineiras já é igual
ou está prestes a alcançar o de homens (veja arte) na maioria das instituições
públicas no Estado. São mulheres que buscam a cura de doenças e desenvolvem
alternativas sustentáveis, só para citar alguns exemplos.
Pesquisadora da
Universidade Federal de Viçosa (UFV), na Zona da Mata, a bióloga Maria Augusta
Lima Siqueira, de 41 anos, faz experimentos na área de entomologia (estudo dos
insetos). Ela avalia, por exemplo, os efeitos dos pesticidas em abelhas. “É uma
profissão que exige muitas viagens. Então, priorizo eventos na minha cidade, e
não perco nenhum para compensar”, conta.
Maria Augusta faz experimentos na área de entomologia, ramo da biologia
que estuda insetos
De fato, a corrida
contra o relógio para conciliar todas as atividades toma tempo. Maria Augusta
se divide entre sala de aula, pesquisa em campo, orientação para alunos que
fazem mestrado e os cuidados com o marido e os três filhos. O caçula, de seis
meses, ainda mama no peito e exige atenção extra. “Estou de licença, mas
trabalho em casa corrigindo trabalhos e orientando alunos. É uma rotina que
demanda muita disciplina”, conta.
Lutar pela carreira,
mas sem abrir mão da vida pessoal, é uma das metas da doutoranda Cecília Margarida
Mendes Mora, de 26 anos. “Amigos e familiares dizem que eu só vivo em função da
pesquisa. Mas quando acabar o doutorado, quero conseguir conciliar melhor minha
vida com a profissão”, diz a mineira, que está nos Estados Unidos. Lá, ela
estuda polímeros – compostos químicos utilizados na indústria. A médio prazo,
Cecília pretende casar e ter filhos. “Tenho esperança de achar um laboratório
com horário fixo, pelo menos”, afirma.
Objetivo diferente
tem a doutoranda da UFMG Luciana Vieira Rubim Andrade, de 26 anos. Solteira,
ela não pensa em ser mãe, pelo menos por enquanto. “Vejo que muitas mulheres
entram em depressão nas academias por causa da dupla jornada e cobrança
exagerada. Fora que não existe férias nem descanso. Licença maternidade é algo
recente para bolsistas”. Para a pesquisadora, ocupar um espaço que antes era
dominado por homens tem um preço. “Nós somos sempre mais testadas e precisamos
nos qualificar mais”, acrescenta.
Crescimento
Dentre as federais
de Minas, a universidade de Uberlândia (UFU), no Triângulo, apresenta números
iguais entre homens e mulheres na pesquisa. Metade dos trabalhos são
desenvolvidos pelo sexo feminino.
Além de vice-reitora, Édila estuda biotecnologia
Segundo o diretor da
instituição, Kleber Del Claro, a participação aumentou na última década.
“Depois de muita luta, elas têm encontrado terreno mais fértil para estudar,
inclusive, em áreas antes tidas como masculinas”, afirma.
No entanto, ele
engrossa o coro de que a maternidade pode ser uma barreira. “As mulheres sofrem
muita pressão. As que escolhem não ter filhos são criticadas por isso, e as que
têm são vistas como um problema pelas empresas. Isso é cultural. Não é
diferente na pesquisa”, afirma.
Desigualdade resiste
em algumas áreas de atuação
Se em algumas
universidades federais cresce a presença feminina, em outras o predomínio dos
homens ainda é maior. Na federal de Viçosa os pesquisadores são responsáveis
por quase 70% dos experimentos desenvolvidos.
Na agronomia são 26
trabalhos sob a responsabilidade de homens e três de mulheres. Na engenharia
agrícola são três pesquisas com um toque feminino e 13 do sexo oposto. Já em
recursos florestais e engenharia florestal todos os experimentos (23) são
desenvolvidos por homens. Os dados são da própria instituição, que não comentou
o assunto.
“Ainda existe um
discurso arraigado na nossa cultura de que as mulheres não dariam conta de
fazer certos trabalhos, o que não é verdade”, destaca a vice-reitora da UFMG,
Sandra Goulart Almeida.
Para a vice-reitora da Universidade Federal de Lavras (Ufla), Édila Vilela de Resende Von Pinho, diferenças como essas tendem a ser reduzidas. Na Ufla, 48% das pesquisas são coordenadas por mulheres. Elas representam 55% dos alunos matriculados na pós-graduação.
Para a vice-reitora da Universidade Federal de Lavras (Ufla), Édila Vilela de Resende Von Pinho, diferenças como essas tendem a ser reduzidas. Na Ufla, 48% das pesquisas são coordenadas por mulheres. Elas representam 55% dos alunos matriculados na pós-graduação.
“O passivo vem
reduzindo muito em função do maior números de alunas. Na medida em que elas vão
se qualificando, passam a concorrer a novos postos”, diz Édila. O discurso dela
é reforçado pelo quadro de professoras. A representatividade feminina no corpo
docente pulou de 27%, em 2007, para 42% neste ano.
Além de
vice-reitora, Édila Von Pinho estuda biotecnologia aplicada a sementes, orienta
alunos e dá aulas na pós-graduação. Ela passa onze horas na universidade, fora
o longo período de estudos e leituras pela madrugada dentro de casa. Casada há
29 anos e com dois filhos, ela ainda encontra tempo para a família. “É muito
comum eu conversar com minha filha de madrugada e jogar bola com meu filho
depois das oito da noite”.
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