Brasil tem a pior recessão
em 68 anos
Janaína Oliveira e
Tatiana Moraes
O carpinteiro Sebastião Soares perdeu o emprego e busca forças para
retornar ao mercado
Empresas falidas, linhas de produção paradas, fornos industriais
abafados, desemprego em massa, placas de aluga-se para todo lado e até
restaurantes tradicionais de portas fechadas são o retrato mais fiel da crise
traduzida em números ontem pelo IBGE.
Após um tombo de 3,8% em 2015, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro,
que é a soma das riquezas produzidas no país, despencou 3,6% em 2016, na
comparação com o ano anterior.
No biênio 2015-2016, a queda do PIB chega a 7,2%. Na série de
crescimento do IBGE, iniciada em 1948, foi a primeira vez que houve dois anos
seguidos com queda anual do PIB, de acordo com a coordenadora de Contas
Nacionais do órgão, Rebeca Palis.
Segundo ela, com a retração acumulada de 7,2%, é possível dizer que a
recessão atual é a pior em 68 anos. Ainda conforme os cálculos do IBGE, o PIB
encerrou 2016 no mesmo nível do terceiro trimestre de 2010. “É meio como se
estivesse anulando 2011, 2012, 2013, 2014, que tinham sido positivos”, afirmou
Rebeca.
Um dos setores mais atingidos pela crise é a indústria. Segundo o IBGE,
o PIB industrial brasileiro despencou 3,8% no ano passado. Em 2015, o tombo
havia sido ainda pior, de 6,3%.
O índice acompanha a drástica queda no faturamento do setor. Em 2016,
conforme o presidente do Comitê de Política Econômica e Industrial da Federação
das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), Lincoln Gonçalves, houve retração de
17% na receita das fábricas brasileiras. Minas sofreu um recuo menor, de 12%,
mas os efeitos foram devastadores.
“As demissões foram pesadas. Se não houver uma mudança razoável no
cenário político e econômico em 2017, com redução da taxa básica de juros,
novos cortes serão inevitáveis”, alerta o representante da Fiemg.
Dono da C. Hugo Fromas e Ferragens, em Venda Nova, o empresário Vanderli
Figueiredo Araújo teve que se debruçar em planilhas para reduzir custos e
conseguir pagar os funcionários em dia. Dos 55 empregados, restaram apenas 20.
“Dá dor no coração, mas a gente fica sem saída. Tenho R$ 300 mil a
receber na praça e as empresas alegam que estão sem dinheiro. Outro dia aceitei
um carro para diminuir meu prejuízo”, afirmou Araújo.
Um dos termômetros da economia, o setor de máquinas e equipamentos
registrou queda de 16%.
“Já vínhamos alertando sobre a gravidade da situação. As fábricas estão com capacidade ociosa alta, em torno de 36%. São quatro anos consecutivos de queda. Um desastre”, disse a gerente do Departamento de Economia e Estatística da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Cristina Zanella. Segundo ela, só em 2016, foram 80 mil demissões no país.
“Já vínhamos alertando sobre a gravidade da situação. As fábricas estão com capacidade ociosa alta, em torno de 36%. São quatro anos consecutivos de queda. Um desastre”, disse a gerente do Departamento de Economia e Estatística da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Cristina Zanella. Segundo ela, só em 2016, foram 80 mil demissões no país.
O desempenho da construção civil também desmoronou, com recuo de 5,2% em
2016, após queda de 6,5% em 2015. Com projetos engavetados, mais de 35 mil
vagas foram eliminadas somente em Minas Gerais no ano passado, segundo o
Sinduscon-MG.
Na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) foram quase 18 mil
demissões no ano passado, sendo 13.700 só na capital.
O carpinteiro Sebastião Soares da Silva é uma das vítimas. “Na empresa em que eu trabalhava eram 50 funcionários. Só sobraram uns três. A gente tem que tirar forças de não sei onde para seguir em frente e arranjar um novo serviço”, disse.
O carpinteiro Sebastião Soares da Silva é uma das vítimas. “Na empresa em que eu trabalhava eram 50 funcionários. Só sobraram uns três. A gente tem que tirar forças de não sei onde para seguir em frente e arranjar um novo serviço”, disse.
Revenda de motos em BH e Sete Lagoas é espelho da crise: 83% dos
funcionários na rua
Com o freio na produção das fábricas e o corte de vagas, a indústria,
que geralmente tem empregos mais qualificados, leva a reboque outros segmentos
vitais para a economia, como serviços e comércio.
O empresário Rodrigo Brito de Souza Braga dá rosto à queda de 6,3% no
PIB do comércio. No começo do ano passado, ele administrava oito lojas da
Motovia, revendedora de motocicletas. Com a crise, se viu obrigado a fechar
seis unidades.
Braga afirma que em 2015 chegava a comercializar 300 motos por mês. Em
2016, o número caiu para 40. “Os bancos pararam de liberar crédito. Assim, quem
não tinha dinheiro na mão não conseguia comprar as motos. E ninguém tem
dinheiro durante uma crise”, justifica. O faturamento da rede, que beirava os
R$ 2 milhões, despencou para R$ 350 mil.
Como reflexo, foi necessário enxugar o quadro de funcionários. Dos 139
empregados que trabalhavam nas lojas, ficaram 24, retração de 83%. O cotidiano
de Braga acompanhou a marcha a ré. “Eu tinha um padrão de vida, hoje tenho
outro. Deixei de trocar de carro, de viajar. Vou menos a restaurantes”,
comenta.
No país, segundo a Associação Brasileira dos Fabricantes de
Motocicletas, Ciclomotores, Bicicletas e Similares (Abraciclo), houve retração
de 11,5% na venda de motos entre 2015 e 2016.
Para o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte
(CDL-BH), Bruno Falci, inflação alta, juros elevados e aumento do desemprego
vêm criando uma espécie de ciclo vicioso que dificulta a vida dos brasileiros e
das empresas.
Para este ano, entretanto, a expectativa é a de que o desempenho no
primeiro trimestre já esteja em patamares positivos. “Queda da inflação e
redução da Selic pelo Banco Central são as principais razões para o ânimo”,
disse.
Setor de serviços amarga prejuízos,
e saída para atrair clientela é inovar
e saída para atrair clientela é inovar
O setor de serviços, um dos mais importantes na composição do PIB
brasileiro, despencou 2,7% 2016, segundo o IBGE. Isso significa que salões de
beleza, bares e restaurantes, por exemplo, produziram e faturaram menos. Ou
fecharam as portas.
Os restaurantes foram um dos segmentos que mais amargaram perdas.
Durante o ano, foi comum encontrar estabelecimentos tradicionais inovando para
atrair clientes. “As casas criaram promoções e focaram em produtos mais
baratos. Quem não se reinventou, teve problemas mais sérios”, afirma o
presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes em Minas Gerais
(Abrasel-MG), Ricardo Rodrigues. De acordo com ele, 33% das casas mineiras
encerraram 2016 operando no vermelho.
Rodrigues, que possui dois restaurantes em Belo Horizonte, não está
entre os devedores. Para manter a saúde financeira das casas, no entanto, ele
precisou abrir mão de bens. “Tive que vender algumas coisas que eu tinha para
reinvestir no negócio, dilapidar patrimônio mesmo. Todo mundo colocou o pé no
freio, não tenho a menor dúvida. Quem não está no vermelho freou
investimentos”, afirma.
O setor agropecuário também registrou recuo. No ano, a queda foi de
6,6%. Segundo a coordenadora Técnica da Federação da Agricultura do Estado de
Minas Gerais (Faemg), Aline Veloso, os efeitos climáticos foram responsáveis
pela quebra de safra de 2016. Enquanto a seca não deu trégua em alguns locais
como Minas Gerais, no Sul choveu demasiadamente. “No campo, o produtor sentiu
muito. O que piorou a situação foi a inflação, mesmo que reduzida, que deixou o
consumo das famílias muito mais restrito”, lamenta.


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