Como as francesas na guerra
Manoel Hygino
Chama a atenção dos cidadãos o uso de algemas em detenções durante
operações policiais que se sucedem em todo o país, causando-lhes repulsa quando
não veem necessidade. Cada caso é um caso; houve prisão coercitiva? O detido
poderia esboçar ou tentar evadir-se ou agredir o agente da lei? Há muitos
aspectos a serem considerados, e pode-se observar pelas imagens de televisão
como os marqueteiros João Santana e Mônica Moura voltam as mãos para trás do
corpo quando escoltados, simulando a coação que não sofriam.
Reinaldo Azevedo comentou, também, o caso das cabeças raspadas. “Não
vibro ao ver Eike Batista de cabeça raspada. Ele não está condenado. A prisão
dele é preventiva”. “Noto – entendo as alegações sanitárias para cortar cabelo
e barba. Mas todo mundo sabe que não se trata disso. O que se busca mesmo é o
ritual da humilhação, de sujeição”. “Essa exposição de cabeças raspadas de
Eike, de Sérgio Cabral, de qualquer outro tem objetivo característico. Busca
satisfazer a sede de vingança – porque ainda não é justiça – do povaréu”. “Aí,
filho da mãe, agora tá careca, né?”.
Muitos podem ter opinião diversa ou contrária. O dr. Isaías Caldeira,
juiz de direito da Comarca de Montes Claros, no Norte de Minas Gerais, pensa:
“Trata-se de humilhação e aniquilamento do indivíduo, sinalizando a perda de
poder sobre o próprio corpo, não se contentando os agentes públicos com a mera
constrição de sua liberdade”.
Temos de pensar bem, medir ações, antes de tudo. A justiça virá, em
algum tempo. Mas parece existir alguém a precipitar os acontecimentos. “Não se
admitindo mais a tortura física, resta a alternativa da humilhação, que é a
tortura psicológica, de modo que um prisioneiro, que sequer tem denúncia formal
contra sua pessoa, já sofra esta pena antecipada, na forma de supressão de suas
melenas, à força, como a dizer que sua individualidade ali já não conta e que
ele não tem o mínimo arbítrio sobre si, enquanto sujeito à prisão”.
Trata-se de uma prática antiga, dependendo do país e da época. Nos
Estados Unidos, raspava-se a cabeça do condenado para ir à cadeira elétrica, em
determinadas circunstâncias. Aliás, o magistrado de minha terra também registra
o fato, e eu cedo as linhas seguintes para repeti-lo: “A prática de raspar a
cabeça do acusado ou suspeito não é nenhuma novidade, mas no Brasil é copiado
do resto do mundo com atraso, até o que não presta. Quem não se lembra das
mulheres francesas acusadas de terem mantido relações sexuais com os alemães,
durante a ocupação nazista, e que tiveram suas cabeças raspadas em praça
pública, enquanto o povo as hostilizava, no ano de 1944, com a França já
libertada? A maioria apenas tivera simples contatos com os invasores, mas foi o
suficiente para a execração pública, como se elas fossem colaboracionistas dos
invasores”.
Por que?
Esse desejo de destruição do outro, física e moralmente, é descrito pela
psicanálise como produto do inconsciente coletivo, assemelhando na prática a
uma forma de punição e alívio às nossas culpas, sempre recaindo o castigo
sobre o outro, imolado na fogueira pública, sob aplauso e esses desatinos.
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