quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

FILME FORTE CONCORRENTE AO OSCAR



Estrelas Além do Tempo' traz à tona três mulheres negras escondidas na história dos EUA
Longa faz resgate intimista da história não contada


ATLANTA - Com uma vitória surpreendente no Screen Actors Guild Awards - SAG (de melhor elenco) e uma bilheteria que já passa dos US$ 100 milhões nos Estados Unidos, Estrelas Além do Tempo ganhou fôlego na corrida pelo Oscar, no qual concorre a três estatuetas - filme, atriz coadjuvante (Octavia Spencer) e roteiro adaptado.
O longa-metragem dirigido por Theodore Melfi, que estreia no Brasil nesta quinta-feira (2), conta uma história real, quase desconhecida até aqui, das mulheres negras que fizeram parte do programa espacial americano nas décadas de 1950 e 1960, quando as leis de segregação racial já estavam em vigor. “É isso que é racismo. É isso que é sexismo. Se definirmos o racismo ou o sexismo como tornar algo mais valorizado do que outra coisa, a verdade é que essa história não foi valorizada”, disse Melfi numa visita ao set em Atlanta, onde a produção foi rodada.
Estrelas Além do Tempo foca em três personagens: Katherine Johnson (Taraji P. Henson), gênio da matemática responsável pelos cálculos que tornaram John Glenn o primeiro americano no espaço, Dorothy Vaughan (Octavia Spencer), supervisora informal dos “computadores negros” (havia também uma ala de mulheres brancas trabalhando em cálculos) e Mary Johnson (Janelle Monáe), que se tornou a primeira física negra da agência espacial. O filme injeta bastante humor no drama das mulheres, que sofriam preconceito e tinham, por exemplo, de correr pelo câmpus todo para ir ao banheiro, já que não havia aqueles destinados a mulheres negras no prédio onde passaram a trabalhar. Ou entrar na justiça para ter o direito de estudar numa escola para brancos. “Não faz sentido para mim não encontrar comédia em tudo”, afirmou Melfi. “Mas a ideia era ser uma história inspiradora, que junta as pessoas em vez de separar, algo de que o mundo está precisando”, completou o diretor.


 
A força está com elas. Octavia Spencer, Taraji P. Henson e Janelle Monáe
Filmes sobre mulheres, ainda mais mulheres negras, são raridade em Hollywood. “Muito do meu trabalho é procurar mercados mal servidos e eu acho que as mulheres estão mal servidas no mercado cinematográfico”, lembrou a produtora Donna Gigliotti. “Além de ser uma história incrível, para mim era importante expor imagens positivas de mulheres negras, o que é incomum em produções de Hollywood. Elas são engenheiras e matemáticas. Normalmente, nos filmes, são escravas e empregadas.”
A mistura rara de elementos fez com que muita gente fizesse questão de participar. Melfi se retirou da disputa para dirigir o próximo Homem-Aranha para fazer Estrelas Além do Tempo, e Pharrell Williams, que cresceu a poucos quilômetros de onde a história se passou, no Estado da Virginia, entrou como produtor e, de quebra, compôs duas músicas.

“As coisas estão mudando, mas demorando mais tempo do que gostaríamos”, disse a cantora Janelle Monáe, que lançou sua carreira de atriz com este filme e Moonlight - Sob a Luz do Luar, de Barry Jenkins, que concorre a oito Oscars. “Ainda não recebemos o mesmo salário que os homens. Mulheres de minorias ganham ainda menos do que as brancas. E as mulheres trans ainda nem entram no debate. Há muita desigualdade, obstáculos que precisamos superar. Espero que o espectador possa ver essa história e sentir mais compaixão por aqueles que são considerados os outros, ou a minoria”, ressalta ainda Janelle.
Num momento de tanta desunião nos Estados Unidos, parece a mensagem certa, sem lição de moral.
Pode ser mera coincidência, mas havia em Os Eleitos, de Philip Kaufman, de 1983 - o maior filme sobre a epopeia espacial dos EUA -, uma cena emblemática. Chuck Yeager, o piloto rejeitado pela Nasa por seu individualismo, sobe mais alto que qualquer outro homem pilotando um jato, e em paralelo com as nuvens que ele atravessa existe a dança da mítica Miss Sally Rand. Dançarina de strip-tease, ela ficou famosa na ‘América’ pelas plumas que a envolviam. Há, agora, em Estrelas Além do Tempo, de Theodore Melfi, outra cena de montagem paralela, e não pode ser só coincidência.
Os Eleitos era, até certo ponto, sobre um excluído (Chuck Yeager). O filme de Melfi é sobre excluídas, no plural. No filme dele, Kevin Costner detecta um problema de cálculo pouco antes do lançamento de John Glenn. O próprio Glenn, já na plataforma, sugere que ‘the lady’, a moça, refaça os cálculos. A ‘moça’ é Katherine Johnson, gênio da matemática, um dos computadores humanos da Nasa. Naqueles tempos heroicos da computação, ‘Kat’ corrigia a máquina. De salto alto, a atriz Taraji P. Henson corre com seus cálculos refeitos. Chega a tempo de salvar o astronauta, mas a porta lhe é fechada na cara. Pois Katherine é negra e os protocolos da Nasa não permitem a entrada de mulheres, muito menos negras.
Para urinar, em tempos de segregação racial, Katherine tem de correr muito até o seu banheiro sem conforto. Por isso, muitas vezes, Al Harrison/Kevin Costner, não a encontra quando procura. E ele se exaspera. ‘Al’ é a soma de três homens que existiram de fato na Nasa dos anos 1960. Kat, Dorothy Vaughn e Mary Jackson, interpretadas por Taraji, Octavia Spencer e Janelle Monáe, são figuras reais. Dorothy terminou dando nome a um edifício da Nasa. Mas, na época, eram figuras ocultas (Hidden Figures, título original). Como mulheres e negras, por mais brilhantes que fossem, eram vítimas de um sistema baseado na exclusão.
Havia o banheiro para negros, a cafeteira para negros. Talvez de forma muito hollywoodiana, ou seja, romanceada, seja preciso um Kevin Costner, com tudo o que a persona desse ator representa, para abrir a porta, ou um garoto radiante, cheio de esperança como Glenn, que já vive no futuro, para enxergar ‘beyond’. Além. E é sobre isso que o filme fala. Sobre as lutas de mulheres negras para se afirmar no mundo preconceituoso. E o preconceito não é só dos brancos - de Kirsten Dunst, que acha que não é racista, como lhe diz Octavia Spencer, e as duas têm belas cenas depois. É um pouco do marido de Mary e do pretendente de Katherine, interpretado por Mahershala Ali, que acaba de ser premiado no SAG Award (por Moonlight). É um filme polifônico, nada simplista e muito bem realizado e interpretado. Não por acaso, ganhou o prêmio de elenco do SAG Awards.



Foto: Divulgação

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