Empobrecida, classe média
migra os filhos para o ensino público e gratuito
Tatiana Moraes
A designer Morena Golbes e a filha, Mel, em frente a Umei do bairro
Ipiranga: opção pela boa infraestrutura e economia oferecidas pela escola
municipal
Do 1,38 milhão de alunos matriculados nas escolas privadas de Minas
Gerais, 69 mil migraram para o ensino público em 2017. O número é 5% do total
de estudantes da rede particular no Estado e, embora seja altíssimo, é
levemente menor do que o registrado em 2016.
De acordo com o Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais
(Sinep-MG), em 2016, 6% dos alunos trocaram de instituição de ensino, perda de
82 mil matrículas. Isso significa que, em dois anos, escolas privadas perderam
151 mil alunos para o ensino público e gratuito.
O desemprego e a queda nas rendas das famílias, reflexos da crise
econômica, são o motivo da fuga das escolas privadas, afirma o presidente do
Sinep-MG, Emiro Barbini.
De acordo com ele, com a renda corroída e a incapacidade de arcar com as
mensalidades, os pais primeiro caem na inadimplência e, no segundo momento,
optam pelo ensino gratuito.
“O sistema educacional foi muito afetado por esse fenômeno. Pelo menos
3% dos funcionários das escolas particulares já foram demitidos”, conta.
Classes
O movimento de mudança, ainda conforme o presidente do Sinep-MG, é
verificado principalmente nas escolas onde a mensalidade é mais baixa.
Ele explica que as instituições de ensino com tíquete médio mais barato
atraem público com renda média mais baixa. Como a crise econômica afeta
primeiro os menos abastados, as famílias com menor poder aquisitivo sofrem mais
impacto.
“Primeiro elas cortam gastos supérfluos, depois vão para o essencial. A
escola particular do filho costuma ser o último corte. Quando isso acontece é
porque todas as outras medidas para economizar já foram tomadas”, afirma
Barbini.
Emiro Barbini, do Sinep-MG: escola particular é o último custo a ser
cortado no orçamento das famílias
Na pele
A consultora de vendas Lorena Altivo é exemplo de quem viu na alteração
da escola do filho a solução para as contas da família.
Depois de cortar passeios e salão de beleza, ela matriculou o filho de
13 anos em uma instituição pública de ensino. Lorena tem dois filhos.
O mais novo, Igor, de 11 anos, estuda em escola pública há anos. A
intenção era transferi-lo para a instituição privada este ano, acompanhando o
irmão. No entanto, o movimento foi o inverso.
“Não consegui levar o Igor para a escola particular e ainda tive que
voltar o Artur para a escola pública. O poder de compra do salário foi
nitidamente reduzido e não tive outra solução. Assim que as coisas melhorarem,
pretendo levar os dois para a particular”, afirma.
A designer Morena Golbes Pires também optou pelo ensino público. Afirma
que gastava cerca de R$ 300 mensalmente com a escola da filha de três anos,
Mel.
Em 2017, Morena conseguiu vaga na Umei no bairro Ipiranga, região
Nordeste, e fez a troca sem pestanejar. “A Umei tem ótima infraestrutura.
Servem almoço, fornecem o material escolar e o uniforme. Eu gastava muito com
escola e minha filha estudava em uma das mais baratas que encontrei”, diz.
Patrícia Abreu, diretora da Cetim, na Savassi; opção por convênios com
sindicatos e empresas
Descontos e negociação para conter evasão e inadimplência
Nas escolas particulares, especialmente as infantis, a perda de alunos
para instituições de ensino públicas passou a ser rotina. No Centro Educacional
Piaget, no bairro Jardim América, região Oeste de Belo Horizonte, pelo menos
40% dos alunos migraram para o ensino gratuito em 2017. Para manter os alunos e
mudar o quadro, as escolas dão descontos e fazem parceria com empresas.
Embora a evasão no Piaget seja grande, a diretora Railda Caldas Trindade
afirma que a demanda de novos alunos impede a ociosidade. Para atrair os
novatos e manter os que já são clientes, a escola dá desconto para os pais que
precisam deixar os filhos em horário integral.
“Inadimplência está muito alta e muita gente sai devendo. Para manter os
alunos, criamos descontos para quem opta pelo horário integral”
Railda Caldas Trindade
Diretora da Centro Educacional Piaget
Railda Caldas Trindade
Diretora da Centro Educacional Piaget
“A mensalidade varia de R$ 400 a R$ 800 para quem fica na escola o dia
todo. Mas esse valor, de R$ 800, é negociável”, revela. Apesar dos esforços, a
inadimplência na escola chega a 30%.
No Centro Educacional Tia Marilda (Cetim), na Savassi, a diretora
Patrícia Abreu criou mecanismo de descontos para quem paga a mensalidade até o
vencimento. “Como fica mais barato para quem paga até o vencimento, os pais
correm para quitar a mensalidade”, diz.
Patrícia também faz convênios com sindicatos e empresas. “Fechamos
inicialmente com 5% de desconto para algumas instituições. Se cinco filhos de
associados vierem para o Cetim, o desconto sobe para 20%”, explica.
“Fazemos convênios com sindicatos e empresas e damos até 20% de
desconto. Quem paga até o vencimento também tem um preço melhor, fator que
reduz a inadimplência”
Patrícia Abreu
Diretora do Cetim
Patrícia Abreu
Diretora do Cetim
Ela negocia, ainda com pais que atravessam dificuldades, mas querem
manter os filhos na escola. “Nas escolas com menos de 100 alunos é mais fácil
negociar”, diz. No Cetim estudam 30 crianças. A evasão devido à crise em 2017
chegou a 10%.
Na escola Miudinhos, na Serra, a inadimplência não chama a atenção, mas
alguns alunos migraram para a escola pública em decorrência da crise.
“Alguns pais ficaram desempregados, outros mudaram para o interior
procurando um custo de vida mais barato”, afirma a diretora Elza Vasconcelos. A
evasão, diz, foi surpresa. “Isso nunca tinha acontecido na nossa escola:
crianças migrando para a escola pública”.
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