segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

CONCORRÊNCIA CHINESA ASSUSTA OS MINEIROS



Reconhecimento da China como economia de mercado ameaça indústria de Minas

Tatiana Lagôa 






CONCORRÊNCIA DESLEAL – Operários em fábrica chinesa de motores: perfil da indústria mineira faz dela uma das mais vulneráveis do país

O clima crescente de tensão que toma conta da indústria em todo o mundo tem seu ápice nesta semana. Terminou no sábado o prazo de 10 anos oferecido à China pela Organização Mundial do Comércio (OMC) para que o país adequasse sua economia às regras do livre mercado. Por conta das pressões de lados opostos, a organização se esquivou de julgar se os avanços dos últimos anos foram suficientes para o reconhecimento da China como economia de mercado. Repassou essa tarefa para os países membros.

Enquanto Estados Unidos e União Europeia já se posicionaram contrários às pretensões chinesas, o Itamaraty, até a última sexta-feira, sinalizava que diria “sim” aos esforços do país asiático. Tal reconhecimento dificultará a imposição de barreiras tarifárias e não tarifárias, recurso utilizado para impedir a concorrência desleal de produtos importados com preços artificialmente baixos.

E, no Brasil, a indústria mineira é potencialmente a mais ameaçada pelas importações da China, conforme o Hoje em Dia mostrará nesta série de matérias que começa a ser publicada hoje. Isso porque boa parte das exportações da China são de produtos que também são fabricados pelas principais cadeias industriais de Minas, como aço, automóveis, máquinas e equipamentos industriais, tecidos, roupas e calçados.

O temor é que uma verdadeira “onda chinesa” inunde Minas e o país, sem que o governo possa reagir por meio da imposição de medidas antidumping, salvaguardas ou compensatórias. “Enquanto a China não era reconhecida como economia de mercado ela ficava sujeita a sanções internacionais. Com a mudança, o esperado é um avanço significativo do país no mercado internacional”, afirma o diretor de economia da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), Andrew Storfer.

Reflexos
Segundo pesquisa feita pela Barral M Jorge Consultores Associados sob encomenda do Instituto Aço Brasil (IABr), como economia de mercado, a China deverá aumentar em US$ 21 bilhões as vendas para o Brasil em 2017, o que significará praticamente dobrar as importações brasileiras de produtos chineses (de janeiro a novembro deste ano, o Brasil importou da China US$ 21,281 bilhões, conforme dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior).

O Brasil também deverá perder mercado externo para os concorrentes chineses. De acordo com o estudo, a expectativa de perda de receitas com a redução das exportações será de R$ 240 bilhões entre 2017 e 2020. A estimativa é de fechamento de 850 mil postos de trabalho nesse período por conta da pressão da China nos mercados interno e externo.

Segundo a diretora de comércio internacional da Barral M Jorge, Renata Amaral, o reconhecimento da China em economia de mercado é algo que afeta todo o setor industrial, mas com maior impacto sobre aqueles em que a China tem forte atuação. É o caso, por exemplo, da siderurgia, setor no qual o mundo acumula uma capacidade excedente de produção de 780 milhões de toneladas, sendo quase 60% oriundas de usinas chinesas.

No entanto, mesmo diante da ameaça, o reconhecimento da China como economia de mercado será automática no Brasil e passa a valer a partir de hoje, segundo o Ministério de Relações Exteriores.

Brasil negociou apoiar o reconhecimento junto à OMC 
O reconhecimento da China como economia de mercado coloca em xeque barreiras comerciais antidumping impostas pelo Brasil em vários setores. Contra produtos chineses, são atualmente 50 medidas em vigor e outras 12 em revisão. Entram nessa lista desde espelhos e escovas de dentes até pneus e laminados de aço (veja o infográfico).

No setor siderúrgico, a China lidera as medidas de defesa comercial no mundo. São 116 ações em curso contra o país. O segundo mais atacado é a Coreia do Sul, com 48 casos, segundo levantamento do Instituto Aço Brasil (IABr).

Quando uma economia não é reconhecida como praticante das regras do livre mercado, para se confirmar a prática de dumping utiliza-se como referência o levantamento de custos de produção e preços em um terceiro país. Já com o reconhecimento de economia de mercado, os preços da China passam a ser referência. Portanto, dificilmente se comprovará preços praticados abaixo do custo de produção.

“O reconhecimento não precisaria ser automático e afeta diretamente as medidas de defesa comercial. E os setores terão que aceitar uma concorrência desonesta a partir disso”, afirma o diretor de Desenvolvimento Industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Carlos Abijaodi. A entidade chegou a enviar um documento ao governo federal pedindo que não houvesse a aceitação da China como economia de mercado.

Posição
O problema é que o Brasil já tinha se posicionado favoravelmente ao processo no passado. Em 2004, o então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, prometeu à China que o Brasil faria esse reconhecimento. Em troca, os asiáticos apoiariam a candidatura do Brasil a uma vaga permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). Apoio que não ocorreu.

Já nos Estados Unidos, existe até um projeto de lei em tramitação que visa dificultar o reconhecimento que passaria a ser definido pelo Congresso local.





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