Vapor Benjamim Guimarães
será reformado para voltar a navegar no rio São Francisco
Ernesto Braga
ATRAÇÃO PRINCIPAL – Impedido de navegar, o vapor fica atracado em
Pirapora e continua recebendo visitação turística
O Benjamim Guimarães será retirado pela primeira vez das águas do São
Francisco desde a década de 1920, quando o vapor passou a navegar pelo rio da
integração nacional. Mas, ao contrário de um ano e meio atrás, quando foi
interrompido o passeio turístico com duração de três horas a bordo da
embarcação, partindo de Pirapora, no Norte de Minas, agora há motivo para
comemorar.
O vapor será totalmente reformado. Ele terá de ser içado do rio para a
instalação de chapas de aço no casco. “Já foram feitos remendos no Benjamim
Guimarães. Por falta de segurança, a Marinha não autoriza mais que ele navegue.
Dessa vez, o vapor passará por uma reforma mais complexa e cara. Para isso,
precisará ser retirado das águas”, explica Michele Arroyo, presidente do
Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha).
Como o vapor é tombado pelo patrimônio estadual, coube ao Iepha abrir
licitação para contratar o projeto executivo, que vai apontar o que precisa ser
restaurado. Em seguida, outra concorrência pública será lançada para a execução
da reforma. A previsão é a de que o Benjamim Guimarães volte a navegar pelo São
Francisco até o início de 2018.
O gasto estimado é de R$ 85 mil com o projeto executivo, que deverá ter
a chancela de um engenheiro naval, e cerca de R$ 3 milhões na restauração. “A
parte mais cara é a do casco. Os elementos de madeira da embarcação não estão
tão danificados. Tudo será feito ao mesmo tempo e em Pirapora, com capacitação
de mão de obra local”, diz Michele Arroyo. O mobiliário original do barco será
mantido.
Pequenas rotas
Segundo a presidente do Iepha, a única embarcação a vapor em atividade
no mundo será devolvida ao rio para voltar a fazer pequenos passeios
turísticos, como entre Pirapora e Barra de Guaicuí, distrito de Várzea da
Palma. O baixo nível do São Francisco e a tecnologia da embarcação, que navega
lentamente (máximo 8 milhas/h, ou 14,8 quilômetros em uma hora), inviabilizam a
retomada do transporte de pessoas e cargas.
Tarefa que por décadas fez parte da rotina do comandante Manoel Mariano
da Cunha, de 88 anos. Ele é saudosista ao falar do tempo que gastava até oito
dias para descer o São Francisco, de Pirapora a Juazeiro (BA), e 14 na subida
dos 1.371 quilômetros entre os dois municípios.
“Transportávamos até 700 passageiros no trecho. Havia atracações em
cerca de 40 portos ao longo do caminho para embarque e desembarque de pessoas.
Naquela época, também fazíamos o serviço dos Correios”, relembra.
O anúncio de que a embarcação será reformada é um presente pelos 515
anos do São Francisco, que faz aniversário em 4 de outubro. O rio foi
descoberto em 1501 numa expedição do navegador Américo Vespúcio.
Satisfeito com a notícia, o comandante sonha mais alto. “Depois da restauração do vapor, quando tudo estiver normalizado, seria bom se o São Francisco voltasse a ter água suficiente para que o Benjamim Guimarães pudesse chegar de novo a Juazeiro”, diz.
Satisfeito com a notícia, o comandante sonha mais alto. “Depois da restauração do vapor, quando tudo estiver normalizado, seria bom se o São Francisco voltasse a ter água suficiente para que o Benjamim Guimarães pudesse chegar de novo a Juazeiro”, diz.
História espalhada pelo mundo após três horas de navegação
Baiano de Pilão Arcado, Manoel Mariano da Cunha chegou a Pirapora em
1944, aos 16 anos, levado por outro condutor de embarcações a vapor. Desde
então, tem a vida ligada ao Benjamim Guimarães.
Comandou a embarcação até um ano e meio atrás, quando, por falta de
segurança, foram interrompidos os passeios turísticos dominicais pelo São
Francisco. “Às vezes tinha passeio sábado também, mas o mais certo era o de
domingo, das 10h às 13h. Era uma hora descendo e duas horas subindo o rio”,
relembra.
Em nove anos de leme do Benjamim Guimarães, Manoel perdeu as contas de
quantos turistas, entre eles muitos estrangeiros, embarcaram no vapor. “As três
horas de passeio eram suficientes para que as pessoas se inteirassem de tudo na
embarcação, do funcionamento da casa de máquinas, dos camarotes. Tudo dentro
dela é original”, diz.
Segundo o comandante, era raro ter três passeios seguidos sem um turista
estrangeiro. “Vinha gente de todos os cantos do Brasil e do mundo: alemães,
italianos, dos Estados Unidos e países da África”. Atracado, o vapor continua
recebendo visitação turística. “Três tripulantes são responsáveis pela
conservação”, diz.
TRADIÇÂO - Os
elementos de madeira serão reformados, mas os imóveis originais preservados
Currículo
Assim que chegou a Pirapora, Manoel ingressou na Navegação Mineira do
Rio São Francisco, que era administrada pelo governo do Estado e posteriormente
virou um braço da Marinha no Norte de Minas.
Ele começou a carreira como taifeiro, que exerce funções como a de
garçom. Depois virou comissário, uma espécie de braço direito do comandante.
“Foram 22 anos como comissário até fazer o curso de piloto fluvial, autorizado
pela Marinha do Rio de Janeiro, que dá o credenciamento para comandar a
embarcação”.
Ele também comandou vapores em afluentes do São Francisco, como os rios
Paracatu, Barreiras e Santa Maria da Vitória.
Embarcação navegou pela última vez para virar "o gaiola
encantado"
A morte do ator Domingos Montagner, protagonista da novela Velho Chico
que se afogou no rio São Francisco, comoveu o país. Foi justamente para a
gravação de cenas da obra de Benedito Ruy Barbosa que o comandante Manoel
Mariano da Cunha conduziu o Benjamim Guimarães pela última vez.
Na trama, o vapor
foi chamado de “o gaiola encantado”. A personagem Encarnação, interpretada pela
atriz Selma Egrei, tinha visões de pessoas que já morreram a bordo da
embarcação.
Em 28 de fevereiro,
o Benjamim Guimarães voltou a navegar para as filmagens da novela, que se
encerraram em março.
Valor histórico
reconhecido em festa para receber a tocha olímpica
Em 9 de maio, o
Benjamim Guimarães foi o cenário escolhido para a passagem da tocha olímpica em
Minas. A cerimônia foi marcada por apresentações que remetem à cultura
barranqueira e ao povo de Pirapora.
A bordo do vapor, o
comandante Manoel recebeu a tocha olímpica das mãos de Luís Henrique,
ex-jogador da Seleção Brasileira de futebol nascido em Jequitaí, próximo a
Pirapora.
Construída nos
Estados Unidos, no Vale do Mississipi, a embarcação foi trazida ao Brasil em
1913, para a bacia do rio Amazonas, passando a navegar no São Francisco alguns
anos depois. Reconhecido oficialmente como patrimônio cultural municipal e
estadual, o vapor foi tombado pelo Iepha em 1985 e incorporado ao patrimônio
histórico de Pirapora em 1997.
Nenhum comentário:
Postar um comentário