Quem tem grana se protege
Editorial
As primeiras doses da vacina contra a dengue já estão em Belo Horizonte
e são preparadas por laboratórios particulares. A fila de espera está sendo
formada e a procura é grande. Afinal, de janeiro a julho deste ano, foram
526.622 casos prováveis da doença com 195 óbitos registrado em todo o Estado.
A gravidade do quadro mostra que a imunização deveria ser o caminho
urgente para conter o avanço da doença, mais urgentemente, e evitar que outras
epidemias ocorram a cada surgimento de um novo tipo de vírus.
Temos, porém, dois aspectos a lamentar: primeiro, o fato dessa vacina
não ter sido desenvolvida por algum dos vários institutos brasileiros
capacitados. A doença já está presente nas grandes cidades do país desde os
anos 1990. De lá para cá, houve tempo suficiente para o desenvolvimento de uma
vacina, caso nossos cientistas tivesse recebido recursos e apoio para a
pesquisa.
O segundo – até consequência do primeiro – é o fato de a vacina não ser
oferecida gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde. É justamente nas
comunidades carentes que está a maior parte dos focos do mosquito transmissor,
e, portanto, a população desses locais está mais exposta à doença.
No entanto, os primeiros a receber as vacinas são aqueles que vão ter
condições de pagar cerca de R$ 300 pela dose. Nada contra quem tem condições de
se proteger, mas em se tratando de uma doença que já prejudicou milhões de
pessoas e matou milhares no Brasil, a imunização não deveria chegar somente
para quem pode pagar uma quantia significativa em relação à renda do
brasileiro. Se somarmos as três doses necessárias para imunização completa aos
R$ 427 do custo da cesta básica, conforme divulgamos ontem, o trabalhador
gastaria mais que um salário mínimo para comer e não ter dengue, sem sobrar
mais nada.
E embora a Agência Nacional de Vigilância Sanitária tenha alertado para
o risco de abuso de preços praticados ao consumidor na compra das doses,
divulgando o valor do custo de cada aplicação, em torno de R$ 135, a lei que
deve orientar os preços é a da grande procura em relação à pouco oferta do
produto: a alta no preço é inevitável.
E não temos muitas possibilidades em um horizonte próximo. União,
Estados e municípios estão de cofres vazios e sem condições de honrar os
compromissos constitucionais em relação ao atendimento básico de saúde em
geral, ainda mais para a compra e a distribuição dessas vacinas pelo SUS.
O que ocorre que mais uma vez pagamos pela falta de planejamento, de
visão de futuro e de cuidado com a saúde da população. O maior penalizado é,
mais uma vez, a parte mais pobre, que terá que abrir mão da alimentação se
quiser evitar pegar dengue.
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