Ambulantes e trabalhadores
informais perdem renda e cortam até o essencial
Janaína Oliveira
Pipoca] – Até a venda de produtos baratos miguou, segundo Ana Carolina
Não está fácil pra ninguém. Mas difícil mesmo está a realidade de quem
ganha a vida vendendo produtos e serviços nas ruas de Belo Horizonte. Camada
mais frágil da pirâmide social, esses trabalhadores informais, que não têm
quaisquer direitos, agora são atropelados pelo sumiço da clientela. De donos do
pedaço, passaram a principais vítimas da crise. Com a renda corroída, mudaram
hábitos, cortaram muito além do supérfluo e deram adeus a conquistas.
Para a ambulante Argentina de Melo, sinal fechado era sinônimo de lucro.
Era. “Pode ser carrão chique ou simples. Hoje não vendo quase nada”, diz ela,
que vende panos de chão. Quando os ventos da economia sopravam a favor,
Argentina vendia 100 unidades por dia. Até que veio a turbulência que derrubou
as vendas pela metade.
Hoje, a aposentada completa 76 anos. Mas nada de comemorar com a filha e
o neto, que vivem com ela no apartamento alugado no bairro São João Batista.
“Nem as frutas que eu levava para meu netinho estou conseguindo comprar. Dói o
coração da gente”, conta.
Pagar contas com 10 ou 15 dias de atraso virou rotina para o lavador de
carro Vagner Augusto da Silva. Até o ano passado, ele lavava 18 automóveis em
um só dia de serviço. Hoje, se aparecem dez clientes, Silva já considera que
está no lucro.
Para reduzir o rombo no orçamento, ele trocou a marca do leite e o
feijão perdeu o status de trivial para virar prato apenas aos domingos. “Também
cortei o lanche e pego um ônibus a menos para economizar a passagem”, afirma. E
o churrasco que ele tanto adora não tem data para voltar. “Tenho um filho
pequeno e ajudo a minha mãe. Os pobres são sempre os mais prejudicados”, diz.
Horário esticado
Veterano em portas de universidades e no atendimento a comerciários, o
casal Verônica e Douglas Macedo, do trailer de lanches Dougão, teve que
reinventar o negócio. O cardápio oferecido, antes resumido a cachorro-quente
(de R$ 5 a R$ 7), ganhou o reforço de espaguete (R$ 9). E a carga horária foi esticada.
“A gente chegava às 15 horas. Agora, servimos almoço também. Foi o
jeito. Como lojas fecharam e os alunos não estão dando conta de pagar a
faculdade, temos que trabalhar dobrado para sobreviver”, diz Verônica. Com a
queda de 30% nos pedidos, ela e o marido resolveram adiar o sonho de ter o
primeiro filho. “Não temos condição por enquanto. E praia, só pela televisão
neste ano”, brinca.
A recessão também deixou mais amarga a vida do vendedor de churros
Sidney Silva. Há quatro anos na profissão, ele viu a venda da iguaria doce, que
custa R$ 3, despencar 60%. “Reduzi a produção de dez para quatro quilos por
dia. O pessoal cortou até a sobremesa”, lamenta.
Para amenizar a redução na renda, ele fica no “pé” dos filhos para que
não deixem luz acesa à toa, substituiu itens no carrinho do supermercado e
eliminou a cervejinha. “Só não atraso conta, porque meu nome é tudo o que
tenho”, diz.
Aposentado pela antiga Telemig, Márcio Maia vende picolés para completar
o salário. “Mas está difícil pro caboclo tirar R$ 1,50 do bolso”, comenta.
Desde que a crise se instalou, as vendas derreteram pela metade. Sobrou até
para a pipoca, cujas vendas caíram 10%, segundo a pipoqueira Ana Carolina
Nascimento.
Otávio Dulci defende que sistema de proteção para trabalhadores informais
é fundamental
O cientista político Otávio Soares Dulci, professor do Departamento de
Relações Internacionais da PUC Minas, diz que a única alternativa para
minimizar o drama dos trabalhadores informais durante as crises econômicas é o
amparo de um eficiente sistema de proteção social público. Nessa base de
proteção, ele destaca o Sistema Único de Saúde (SUS), os programas de
transferência de renda e o sistema previdenciário. É o que o governo teria
obrigação de fazer, já que as crises econômicas são cíclicas e recorrentes.
Qual a leitura que o senhor faz do drama vivido pelos trabalhadores
informais, que ascenderam socioeconomicamente nos últimos anos, mas que
recentemente não conseguem mais manter o padrão de vida?
Isso é uma coisa um pouco cíclica, já aconteceu em outros momentos, e está acontecendo em outros países também. Além disso, oscila muito de acordo com o movimento da economia. Para as pessoas é um revés, porque elas fazem planos. Quando é um jovem, ele procura se encaixar nos estudos mais à frente, evoluir nos estudos. Quando é uma pessoa mais velha, procura fazer isso para os filhos. Uma dificuldade grande é não ter previsibilidade. A crise gera um revés imediato, e ao mesmo tempo uma dificuldade para as pessoas desenvolverem projetos de continuidade. Eu acho muito ruim mesmo.
Isso é uma coisa um pouco cíclica, já aconteceu em outros momentos, e está acontecendo em outros países também. Além disso, oscila muito de acordo com o movimento da economia. Para as pessoas é um revés, porque elas fazem planos. Quando é um jovem, ele procura se encaixar nos estudos mais à frente, evoluir nos estudos. Quando é uma pessoa mais velha, procura fazer isso para os filhos. Uma dificuldade grande é não ter previsibilidade. A crise gera um revés imediato, e ao mesmo tempo uma dificuldade para as pessoas desenvolverem projetos de continuidade. Eu acho muito ruim mesmo.
Mas como fica a vida dessas pessoas, e que tipo de garantias que o
Estado pode dar para impedir que elas percam direitos e acesso bens e produtos?
No Brasil e outros países ainda mais existe um esquema de apoio. Nós temos uma política de proteção social para as pessoas muito pobres. Tem as transferências de renda, tem o SUS. No passado não tinha isso. Com o tempo, o país foi construindo alguns mecanismos. Isso não tem jeito de tirar. É uma conquista importante da Constituição (Federal, de 1988), e faz parte do pacto social brasileiro. Se isso for abolido, aí cairíamos num capitalismo selvagem, violento.
No Brasil e outros países ainda mais existe um esquema de apoio. Nós temos uma política de proteção social para as pessoas muito pobres. Tem as transferências de renda, tem o SUS. No passado não tinha isso. Com o tempo, o país foi construindo alguns mecanismos. Isso não tem jeito de tirar. É uma conquista importante da Constituição (Federal, de 1988), e faz parte do pacto social brasileiro. Se isso for abolido, aí cairíamos num capitalismo selvagem, violento.
O que o governo pode fazer para impedir que essas pessoas voltem a ficar
à margem da economia?
A questão da mobilidade depende muito da economia. Não depende tanto da lei. A lei não pode garantir o emprego para todos. A lei pode garantir proteção. Outra questão importante é o problema da formalidade da Previdência. O Brasil estava caminhando para uma maior formalização do trabalho, que é a constituição da cidadania, para a pessoa ter também a proteção. Uma dificuldade que muitas pessoas têm, quando caem de novo no aperto, é que ficam à margem dessa legalidade, desprotegidos.
A questão da mobilidade depende muito da economia. Não depende tanto da lei. A lei não pode garantir o emprego para todos. A lei pode garantir proteção. Outra questão importante é o problema da formalidade da Previdência. O Brasil estava caminhando para uma maior formalização do trabalho, que é a constituição da cidadania, para a pessoa ter também a proteção. Uma dificuldade que muitas pessoas têm, quando caem de novo no aperto, é que ficam à margem dessa legalidade, desprotegidos.

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