A tampa do esgoto
Manoel Hygino
Passei parte do feriado de Corpus Christi meditando sobre o Brasil que
nos viu nascer e no qual sobrevivemos. Li artigo do advogado Aristóteles
Atheniense sobre a hora que atravessamos e no qual evoca o primeiro
pronunciamento no STF do ministro Luís Roberto Barroso. Declarou este que o
mensalão não foi o maior escândalo de nossa história, mas somente o mais
investigado. Em sua opinião, não há corrupção em um ou outro partido, mas
somente “existe corrupção”.
Os fatos seguintes à delação do senador Delcídio do Amaral servem de
exemplo. Parece que se abriu a caixa de segredos espúrios envolvendo figurões
da política, que põem em dúvida ou lançam na areia movediça do crime cidadãos
supostamente incorruptíveis e respeitáveis. Se não o foram, deveriam sê-lo.
Pensar o Brasil agora é necessidade urgente em razão do perigo que a
nação enfrenta, e no mesmo barco nos encontramos. A propósito se manifestou o
filósofo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Denis Larrer Rosenfeld no
distante 2009: “A corrupção tem se revelado uma calamidade que consome o
resultado do trabalho de milhões de brasileiros, envergonha o país e mancha a
imagem do Brasil no exterior. É um problema que, como se viu nos últimos anos,
independe de ideologia ou de partidos políticos.
O povo brasileiro sabe dos fatos e acontecimentos. Conhece porque o
dinheiro dos impostos não volta em obras e serviços públicos, em elevação de
padrões de vida, em melhoria de estrutura rodoviária, por exemplo; em mais
saúde, educação e segurança, como de direito do cidadão e ser humano. Grande
parcela de sua contribuição se perde nos desvãos da máquina administrativa e
nos esgotos da política, cujas tampas se abrem hoje para conhecimento geral e
irrestrito.
Já sentenciavam os antigos: Impunitas peccandi illecebra. Assim é: a
impunidade estimula a delinquência. O desconforto em que vivemos, a ausência de
um sistema eficiente de assistência ao cidadão e à sua família, a ampliação da
violência de um modo geral resultam do desrespeito na origem, quando os
mandatários agem sem observância de princípios éticos, a talvez ou certamente
confiantes em que os criminosos, os desviadores de recursos públicos, não serão
punidos como deveriam. Entre nós, estabeleceu-se a regra de que a lei é dura,
mas estica.
Trágico o que há. As agremiações políticas, em grande parte, são
comandadas pelos mesmos grupos há anos, décadas, cuidando dos cargos como
patrimônio pessoal. Não há espaço para novas lideranças, quando estas até temem
assumir uma posição diante das falcatruas. O êxito dos escândalos provoca o
descrédito na atividade política e os cidadãos de bem dela fogem.
No Brasil, deixam de existir cidadãos, substituídos por meros
contribuintes ou pagadores de impostos e consumidores. A primeira prova de que
se pode enfrentar o quadro deletério e pernicioso foi o mensalão, pelo qual
ainda alguns pagam. Tornou-se a abertura apenas da rede de esgoto, que se vai
descobrindo a cada dia e hora e não mais causa surpresa. Pelo esgoto, que falta
no saneamento das cidades, vê-se escapulir o dinheirinho suado do trabalhador,
aliviado em suas dores pela esperança em bons resultados das partidas de
futebol de seu time e pela esperança de uma grande bolada na Mega-Sena.
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