Por Bernardo
Guimarães
Os R$ 170 bilhões de reais e as discussões sobre o ajuste fiscal ganharam
as manchetes, mas o que significam esse e outros números das contas
públicas?
A questão de fundo é a seguinte: a dívida pública não pode sair do
controle e se tornar insustentável. Esse post busca ajudar a
entender o que é preciso para que a dívida pública seja sustentável.
Os números são bem aproximados e o resultado depende de hipóteses
sobre o crescimento da economia e a taxa real de juros no médio e
longo prazo. Assim, o resultado é pouco preciso. Mas o importante não
é o número final. O objetivo do post é montar um guia para se pensar sobre as
contas públicas.
Começamos com a dívida. Hoje, a dívida pública brasileira é cerca de 70%
do PIB. Países com o nível de renda do Brasil têm, em geral, uma dívida
menor com proporção do PIB.
Assim, é preciso evitar que esse percentual cresça, ou seja,
que a relação dívida/PIB se torne mais e mais alta e tenhamos um calote
(que poderia vir também em forma de inflação).
Isso não significa que a dívida tenha que ficar estável. A dívida
pode crescer, mas o crescimento da dívida não pode ser maior que o
crescimento do PIB.
Digamos que em média, nos próximos anos, o PIB cresça 2,5% ao ano, que é
mais ou menos o que cresceu nos últimos 20 anos. Hoje, um crescimento
de 2,5% ao ano parece um sonho, mas se o país estiver em ordem, essa taxa
de crescimento é bem factível.
A dívida precisa então crescer no máximo 2,5% ao ano (porque
aí a dívida fica constante como proporção do PIB). Se a dívida é 70% do PIB,
temos um limite máximo para o crescimento da dívida de 2,5% vezes 70%
do PIB, que dá um pouco mais de 1,5% do PIB.
Um crescimento maior do PIB tornaria a dívida relativamente menor (como
um aumento do salário torna mais fácil pagar as dívidas de uma família),
enquanto um crescimento menor do PIB significaria um aumento da relação entre
dívida e PIB.
Vamos considerar então que não queremos que a dívida cresça mais
que 1,5% do PIB (seria desejável que crescesse menos, mas vamos
com esse limite). O que isso implica?
O crescimento da dívida de um ano para o outro é o déficit. O
déficit é a diferença entre o que o governo gasta e o que arrecada.
Então, o déficit não pode ser mais que 1,5% do PIB. Agora, qual déficit?
O rombo de R$ 170 bilhões anunciado é o déficit primário. Isso dá
algo entre 2,5% e 3% do PIB. Só que isso não é tudo, porque o déficit
primário não considera os juros sobre a dívida pública.
Quanto custa esse pagamento de juros?
Os juros sobre a dívida podem ser decompostos em duas partes: a
correção pela inflação e o pagamento de juros reais.
Por exemplo, digamos que no começo de 2015 você tivesse uma dívida de R$
1.000 e tivesse que pagar juros de R$ 150. Com uma inflação de cerca
de 10%, temos que R$ 100 apenas corrigiriam o valor da dívida pela inflação. Os
juros reais seriam apenas os R$ 50.
O que importa é o pagamento de juros reais. Por quê? A dívida
ficaria estável em termos reais se subisse de R$ 1.000 para R$ 1.100 (pois com
a inflação, os preços estão 10% mais altos). Os R$ 50, os juros reais, de
fato precisam ser pagos para evitarmos um aumento real da dívida.
Muito se fala sobre quanto se gasta com juros sobre a dívida, mas
em geral, foca-se nos juros nominais. A conta de juros nominais de fato é
altíssima (foi 15 vezes o Bolsa Família, etc), mas não significa nada em termos
econômicos. Da mesma forma, espera-se para esse ano um déficit nominal de 9% do
PIB, mas esse número exagera o tamanho do problema porque considera os
juros nominais sobre a dívida.
Quanto deve ser a conta de juros reais sobre a dívida?
A taxa de juros que remunera a dívida emitida pelo governo é hoje muito
alta e deve continuar alta por mais algum tempo. Parte do problema é que a
inflação ultrapassou o teto da meta e o Banco Central quer recuperar a
credibilidade, o que o impede de baixar juros mais rapidamente. Parte do
problema é que o governo fornece crédito barato pelo BNDES, muita gente
toma esse crédito, então falta crédito para o resto da economia. “Falta
crédito” se traduz em “o crédito fica caro”, ou seja, os juros ficam altos (eu
explico esse ponto aqui).
Contudo, no cenário otimista em que o Banco Central recupere a
credibilidade perdida e o governo feche boa parte das torneiras do BNDES, os
juros devem cair. Para quanto e em quanto tempo, é difícil saber.
Vamos supor que no médio prazo a gente tenha juros reais de 3%
ao ano (por exemplo, inflação de 5% e taxa Selic de uns 8% ao ano). O
pagamento de juros seria 3% vezes 70% do PIB, que dá um pouco mais que 2%
do PIB.
Somando esse pouco mais de 2% do PIB com o déficit primário de
pouco menos de 3% do PIB, temos um déficit operacional, que
é o que importa, de uns 5% do PIB.
Tínhamos chegado à conclusão que o déficit não podia ser mais que 1,5%
do PIB. Se os juros sobre a dívida forem de fato uns 2% do PIB, precisamos de
um superávit primário de cerca de 0,5% do PIB para a dívida não subir mais
rapidamente que a nossa capacidade de pagamento (que é proporcional ao PIB).
Isso significa que o déficit primário de R$ 170 bilhões precisa virar um
superávit de uns R$ 30 bilhões para a dívida não entrar em uma trajetória
explosiva. Uma diferença de R$ 200 bilhões, pouco menos de 3,5%
do PIB. Com as hipóteses que eu fiz nesse post, esse é o tamanho da encrenca. É
grande.
Parte dessa diferença pode ser coberta com uma recuperação
econômica. Se o nível de emprego aumenta, aumenta também a arrecadação sem
necessariamente aumentarem-se os gastos públicos (note o “necessariamente” na
frase…). Uma recuperação de 3% do PIB (além do crescimento de 2,5% que a
gente usou para fazer as contas) aumenta a arrecadação em cerca de 1% do PIB.
Não resolve, mas ajuda bem. O problema é que a incerteza quanto a
sustentabilidade da dívida desestimula os investimentos e a criação de
empregos.
A saída, portanto, é um ajuste que resolva parte do problema
de curto prazo, transmita confiança no reequilíbrio das contas
públicas no médio prazo e, assim, estimule a retomada dos investimentos e a
recuperação econômica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário