Os paradoxos das
desigualdades sociais
Paulo Haddad
As relações entre o processo de crescimento econômico e o processo de
distribuição da renda e da riqueza ao longo do tempo são de natureza paradoxal.
No Brasil, houve diversos períodos históricos em que essas relações se
manifestaram através de configurações bastante diferenciadas das quais puderam
ser extraídas muitas lições e paradigmas.
No início dos anos 1970, como resultado das reformas de base, concebidas
e implementadas na gestão econômica Campos-Bulhões (reformas econômicas e
institucionais), o país vivenciou praticamente uma década de crescimento
econômico acelerado (com taxas superiores à da China no século XXI), mas
igualmente de profunda concentração da renda que era gerada. Os frutos do
crescimento se concentraram de forma generalizada entre indivíduos, famílias e
grupos sociais heterogêneos, assim como entre Estados e Regiões.
A grande lição desse período histórico é a de que a compatibilidade
entre o crescimento econômico e o desenvolvimento social não se processa
espontaneamente pelas forças dos mercados. O desenvolvimento social não se
apresentou como um subproduto cronológico do crescimento econômico, pois os
efeitos genuínos do crescimento econômico estão estruturalmente vinculados aos
imperativos da acumulação e à lógica da diferenciação social.
Para atenuar essas mazelas, na elaboração da Constituição de 1988 deu-se
particular ênfase política à formulação dos direitos sociais do cidadão
brasileiro, muitos dos quais se desdobraram nas conhecidas políticas sociais
compensatórias que foram implementadas a partir dos anos 1990 e consolidadas
nos primeiros anos do atual século. Os resultados foram surpreendentemente
positivos: reduziram-se de forma expressiva os números de brasileiros pobres e
miseráveis. Uma redução que se deve também à introdução da dimensão
distributiva em outras políticas públicas (política salarial, subsídios e
incentivos fiscais, promoção da agricultura familiar, etc.).
Assim, aprendemos que a desigualdade não tende a tornar-se
necessariamente mais aguda quanto mais rápida seja a expansão econômica. A
partir de uma ideologia política igualitária é mais flexível para o poder
público manipular parcela expressiva do excedente econômico para favorecer
soluções para os problemas econômicos e sociais dos segmentos mais pobres da
população.
Para compreender a questão crucial das desigualdades, é preciso examinar
todos os aspectos da sociedade, em sua realidade atual e como evoluíram ao
longo do tempo. Não se pode segmentar e isolar um objetivo de desenvolvimento
da sociedade e buscar instrumentos econômicos e mecanismos institucionais para
atingi-lo, sem considerar a sua interdependência com os demais objetivos. Veja,
por exemplo, a experiência de ajuste fiscal dos últimos anos.
Apesar da redução da pobreza e da miséria no Brasil a partir de 1990, o
nosso país ainda se destaca pela intensa concentração de renda. O grupo formado
pelos 10 por cento mais ricos recebe 68 vezes o que recebe os 10 por cento mais
pobres. Essa relação é extremamente superior à do Japão (4,23) à da França
(9,1), à dos EE.UU. (15,57), etc. Ora, o ajuste fiscal que vem sendo adotado,
ao elevar a taxa de juros, ao aumentar o desemprego e ao reduzir a capacidade
de financiamento das políticas sociais compensatórias torna-se implicitamente
uma política pública que aumenta as desigualdades.

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