Os fantasmas se revoltam
Manoel Hygino
A história se repete? A morte do prefeito de Santo André, Celso Daniel,
em 2002, volta à tona. Ele foi sequestrado, torturado e morto, e oito pessoas,
entre os suspeitos e testemunhas de investigadores que trataram do caso,
ingressaram no rol dos assassinatos. Ninguém cumpre pena.
A Polícia Federal concluiu, a época, que o executivo petista foi morto
por assaltantes e prendeu Dionísio Aquino, o líder do grupo, liquidado no
presídio. O Ministério Público de São Paulo denunciou como mandante Sérgio
Gomes da Silva, o Sombra, tido como escudeiro-mor de Celso Daniel. Preso
durante sete meses, foi beneficiado por habeas-corpus do STF. Jamais quis
colaborar e não foi julgado. Ainda há disso por aqui.
O promotor Roberto Wilder Filho declara que não há dúvida de que o
assassinato foi motivado no âmbito de um grande esquema de pagamento de
campanha eleitoral na prefeitura do município, em contratos superfaturados de
coleta de lixo, obras públicas e transporte, que teriam causado mais de R$ 100
milhões de prejuízo. O promotor afirma ter encontrado indícios de que o
dinheiro desviado foi depositado em contas de José Dirceu, mas o MP não teve
autorização do Supremo para acesso aos dados.
Muito a imprensa já publicou, mas a Operação Lava-Jato pode mudar o
desenrolar da história de um crime sem castigo. Os jornais comentam que os
fantasmas se erguem de seus túmulos com as investigações de agora, quem sabe
para conseguir desvendar os mistérios de Santo André.
Os acontecimentos atuais nos remetem a um rei da Dinamarca, assassinado
pelo próprio irmão, que se unira à rainha viúva, Gertrudes, e assumira o poder.
Uma tragédia, contada pela primeira vez pelo frade Saxo Gramatiucus, na segunda
metade do século XII, e inspiração para autores ingleses, o mais celebrado
deles Shakespeare. O desenlace é trágico e muitas cabeças rolaram após o
príncipe, filho da vítima, Hamlet, ouvir a denúncia pelo próprio espectro do
pai, no castelo de Elsimore.
O espectro revela: “Escuta, Hamlet! Contaram que uma cobra me picara,
quando a dormir, eu no jardim me achava. Assim, foi ludibriado todo o ouvido da
Dinamarca por uma notícia falsa de minha morte. Mas, escuta, nobre mancebo! A
cobra que peçonha lançou na vida de teu pai agora cinge a coroa dele”.
Identificando o criminoso, Hamlet ouviu muito mais do fantasma no
adiantado da noite no alto do castelo: “Sim, esse monstro adúltero e
incestuoso, com o feitiço pessoal e com presentes – ó dotes maus, ó brindes,
que tal força já tendes de sedução! – pôde a vontade da rainha conquistar, que
parecia tão virtuosa, dobrando-a para o vício”.
Os acontecimentos atuais nos remetem a um rei da Dinamarca, assassinado
pelo próprio irmão, que se unira à rainha viúva...
O fantasma quer abrir-se diante do príncipe, crescentemente transtornado
pela confissão paterna. Hamlet quer vingar, mas titubeia, tem dúvidas cruéis, é
considerado louco. Rompe o noivado, revolta-se contra o assassino, “um vil
escravo, que não é um vigésimo do outro marido, um rei-bufão, um simples gatuno
desta terra, que a coroa empalmou da prateleira e a pôs no bolso”.
O enredo evolui. O espectro, a alma do pai, por algum tempo condenada a
vagar durante a noite, prevê que só descansará quando todas as culpas forem
purificadas nas chamas, vingado o assassínio estranho, torpe, vil e
inconcebível.

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