Por que a
corrupção vicia e dá prazer?
Bernardo Barbosa
Como uma droga, a corrupção vicia e dá prazer, e o
"tratamento" possível -- a punição -- não garante que o problema será
resolvido, segundo profissionais de psicanálise, psiquiatria e ciência
política, que se debruçam sobre a questão.
"A sensação de poder tudo é muito excitante, produz o maior barato
que existe. Imagine um orgasmo que durasse para sempre", diz a
psicanalista Marion Minerbo, da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São
Paulo. "Essa sensação maravilhosa vicia, quer dizer, ela pode se tornar
necessária para a manutenção do equilíbrio psíquico dessas pessoas. Se perderem
esse barato, ou mesmo se se sentirem ameaçadas de perder esse barato, podem se
deprimir seriamente ou surtar."
A sensação de poder tudo é muito excitante, produz o maior barato que
existe. Imagine um orgasmo que durasse para sempre
Para o psiquiatra Fernando Portela, da Associação Brasileira de
Psiquiatria, a corrupção é "um vício, um modo de vida" adotado por
pessoas com "um vazio muito profundo" em seu sentimento de
existência.
"Ele (o corrupto) tenta obter o maior número de coisas, de poder,
de bens, o maior número possível para saciar um vazio na sua existência que ele
nunca consegue saciar", explica.
"Punição inibe até certo ponto"
Na esfera pública nacional, este vício é satisfeito pela oportunidade.
Segundo a cientista política Rita Biason, do Centro de Estudos e Pesquisas
sobre Corrupção da Unesp, a falta de controle é o maior incentivo para um
corrupto.
"O indivíduo que tem a possibilidade de obter algum ganho fácil com
a utilização de recursos públicos irá fazê-lo", afirma. "O que temos
são as duas extremidades: mecanismos de prevenção, como comitês e leis, e uma
obsessão pela punição, como se ela fosse resolver. Só que a punição é um
inibidor até certo ponto."
De acordo com Rita, a corrupção aparece em um ciclo complicado, no qual
um político depende de dinheiro para atender eleitores, se reeleger e continuar
dentro do esquema.
"Quando eu entro [no esquema], de alguma forma eu acabo
participando, e não acho que haja inocentes", diz. "Não acho que seja
uma escolha individual. É uma onda que te empurra e o mecanismo político que
obriga a entrar. Se você está fora, você está fora do jogo."
Um mal incurável
Seja pela compulsão, seja pela falta de freios, os especialistas ouvidos
pelo UOL dizem que a corrupção é um problema impossível de ser
solucionado, mas pode ser contido.
"A corrupção não acaba. Ela vai ser controlada. Esse controle
depende dos dispositivos que temos para mantê-la sob controle", reforça
Rita Biason.
Segundo Portela, não se pode falar em cura. Um forte "choque
moral", diz o psiquiatra, pode conter o corrupto por certo tempo. Mas,
como um dependente químico, ele pode sucumbir diante do contato com a
"droga".
A corrupção não acaba. Ela vai ser controlada. Esse controle depende dos
dispositivos
A psicanalista Marion Minerbo, por sua vez, afirma que não é possível
falar em tratamento para uma pessoa corrupta porque o fenômeno depende de
fatores individuais, interpessoais e culturais.
"Mas é possível falar em 'tratamento', com aspas, se considerarmos
os fatores interpessoais e culturais. A impunidade é o fator interpessoal que
cria a cultura que confirma ao indivíduo que ele pode ser/ter tudo. Já a
aplicação justa da lei é o fator interpessoal que desconstrói essa cultura. É
possível -- mas nada garante -- que, uma vez punido, comece a sentir
emocionalmente que, como todo mundo, infelizmente, ele não pode tudo.
Poderíamos então falar em 'cura'."
Por que a corrupção é tão tolerada?
Apesar da indignação generalizada
que a corrupção provoca, ela mexe com desejos presentes em qualquer pessoa e é
muito mais tolerada por nós do que gostaríamos de imaginar, dizem especialistas
em psicologia e psiquiatria que estudam esse fenômeno social.
"Todos nós tivemos de
nos conformar com o fato de que não podemos ter/ser tudo, mas a verdade é que
esse desejo não desaparece nunca", diz a psicanalista Marion Minerbo, da
Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. "Se alguém, ou um grupo
de pessoas, sinaliza que você é melhor do que os outros e, portanto, tem mais
direitos do que os outros, o desejo que estava adormecido pode ser
acordado."
Há uma grande
diferença entre saber intelectualmente que fez algo errado e sentir
emocionalmente que fez algo errado
Uma certa normalização da
conduta corrupta também empurra esta vontade adiante. Para Marion, isso
acontece com a desqualificação da lei e a institucionalização da corrupção como
modo de vida.
"O desejo de ser/ter
tudo que foi acordado pode ser satisfeito sem medo das consequências",
diz.
"Se todos fazem, por que não posso fazer?"
Já para o psiquiatra
Fernando Portela, da Associação Brasileira de Psiquiatria, esta aceitação da
corrupção como algo que não é problemático pode vir por meio da ação em grupo.
"Quando esse indivíduo
(corrupto) tem outros juntos com ele, e essas pessoas estão compactuando entre
si, a culpa que este tipo de atitude gera num indivíduo é mitigada.
Porque estão fazendo aqui, eu também posso. Então o indivíduo se sente
mais livre, à vontade", afirma.
Quando você se envolve com corrupção, você fala 'isso é só como as coisas são'
Quando você se envolve com corrupção, você fala 'isso é só como as coisas são'
Segundo o psicólogo Dan Ariely, da Universidade Duke, autor de pesquisas sobre
desonestidade, a motivação para a corrupção vem da crença de que "todas as
outras pessoas estão sendo corruptas" e da aceitação deste comportamento
como "a forma como as coisas são feitas".
"Se você for a um
restaurante e sair sem pagar a conta, você vai se sentir mal com isso. Mas,
quando você se envolve com corrupção, você fala 'isso é só como as coisas são'.
A corrupção é muito corrosiva, muito perigosa", diz.
Mesmo em casos em que a
pessoa corrupta é punida ou exposta publicamente, não há garantia de que ela
vá sentir qualquer constrangimento.
"Para alguém se
constranger e se envergonhar, é preciso que sinta que fez algo errado. Veja
bem: há uma grande diferença entre saber intelectualmente que fez algo errado e
sentir emocionalmente que fez algo errado. As pessoas que não sentem que estão
erradas simplesmente não se constrangem. E, quando se sentem vítimas de
injustiça, sentem ódio, em vez de vergonha", diz a psicanalista Marion
Minerbo.
Segundo Ariely, a única
forma de cortar a motivação para a corrupção é adotar uma mudança coletiva.
"O problema da
corrupção é que, se todos estão fazendo e se esse é o jeito de fazer as coisas,
por que eu não posso fazer? Então, para bloquear a corrupção, seria necessário
que todos nós concordássemos em mudar as coisas ao mesmo tempo. Se não for
assim, não vai dar certo", afirma.
ESCÂNDALO DA MANDIOCA -- O QUE FOI: desvio de Cr$ 1,5 bilhão
da agência do Banco do Brasil de Floresta (PE) destinado ao Programa de
Incentivo Agrícola (Proagro), do governo federal. QUANDO: 1979 a 1981. DETALHES
DO CASO: os envolvidos no esquema usaram o dinheiro desviado para comprar
imóveis, automóveis e outros bens. O procurador da República Pedro Jorge de
Melo, que lançou as denúncias, foi assassinado. QUE FIM LEVOU? Em 2013, 22
acusados tiveram penas aumentadas para 3 a 16 anos de prisão. Dois réus foram
dispensados do julgamento por terem mais de 70 anos de idade. Ninguém foi preso
porque ainda podiam entrar com recurso .

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