quarta-feira, 27 de abril de 2016

CONSIDERAÇÕES SOBRE A CORRUPÇÃO



Por que a corrupção vicia e dá prazer?

Bernardo Barbosa



Como uma droga, a corrupção vicia e dá prazer, e o "tratamento" possível -- a punição -- não garante que o problema será resolvido, segundo profissionais de psicanálise, psiquiatria e ciência política, que se debruçam sobre a questão.
"A sensação de poder tudo é muito excitante, produz o maior barato que existe. Imagine um orgasmo que durasse para sempre", diz a psicanalista Marion Minerbo, da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. "Essa sensação maravilhosa vicia, quer dizer, ela pode se tornar necessária para a manutenção do equilíbrio psíquico dessas pessoas. Se perderem esse barato, ou mesmo se se sentirem ameaçadas de perder esse barato, podem se deprimir seriamente ou surtar."

A sensação de poder tudo é muito excitante, produz o maior barato que existe. Imagine um orgasmo que durasse para sempre

Para o psiquiatra Fernando Portela, da Associação Brasileira de Psiquiatria, a corrupção é "um vício, um modo de vida" adotado por pessoas com "um vazio muito profundo" em seu sentimento de existência.
"Ele (o corrupto) tenta obter o maior número de coisas, de poder, de bens, o maior número possível para saciar um vazio na sua existência que ele nunca consegue saciar", explica.

"Punição inibe até certo ponto"

Na esfera pública nacional, este vício é satisfeito pela oportunidade. Segundo a cientista política Rita Biason, do Centro de Estudos e Pesquisas sobre Corrupção da Unesp, a falta de controle é o maior incentivo para um corrupto.
"O indivíduo que tem a possibilidade de obter algum ganho fácil com a utilização de recursos públicos irá fazê-lo", afirma. "O que temos são as duas extremidades: mecanismos de prevenção, como comitês e leis, e uma obsessão pela punição, como se ela fosse resolver. Só que a punição é um inibidor até certo ponto."
De acordo com Rita, a corrupção aparece em um ciclo complicado, no qual um político depende de dinheiro para atender eleitores, se reeleger e continuar dentro do esquema.
"Quando eu entro [no esquema], de alguma forma eu acabo participando, e não acho que haja inocentes", diz. "Não acho que seja uma escolha individual. É uma onda que te empurra e o mecanismo político que obriga a entrar. Se você está fora, você está fora do jogo."
Um mal incurável
Seja pela compulsão, seja pela falta de freios, os especialistas ouvidos pelo UOL dizem que a corrupção é um problema impossível de ser solucionado, mas pode ser contido.
"A corrupção não acaba. Ela vai ser controlada. Esse controle depende dos dispositivos que temos para mantê-la sob controle", reforça Rita Biason.
Segundo Portela, não se pode falar em cura. Um forte "choque moral", diz o psiquiatra, pode conter o corrupto por certo tempo. Mas, como um dependente químico, ele pode sucumbir diante do contato com a "droga".

A corrupção não acaba. Ela vai ser controlada. Esse controle depende dos dispositivos

A psicanalista Marion Minerbo, por sua vez, afirma que não é possível falar em tratamento para uma pessoa corrupta porque o fenômeno depende de fatores individuais, interpessoais e culturais.
"Mas é possível falar em 'tratamento', com aspas, se considerarmos os fatores interpessoais e culturais. A impunidade é o fator interpessoal que cria a cultura que confirma ao indivíduo que ele pode ser/ter tudo. Já a aplicação justa da lei é o fator interpessoal que desconstrói essa cultura. É possível -- mas nada garante -- que, uma vez punido, comece a sentir emocionalmente que, como todo mundo, infelizmente, ele não pode tudo. Poderíamos então falar em 'cura'."

Por que a corrupção é tão tolerada?

Apesar da indignação generalizada que a corrupção provoca, ela mexe com desejos presentes em qualquer pessoa e é muito mais tolerada por nós do que gostaríamos de imaginar, dizem especialistas em psicologia e psiquiatria que estudam esse fenômeno social.
"Todos nós tivemos de nos conformar com o fato de que não podemos ter/ser tudo, mas a verdade é que esse desejo não desaparece nunca", diz a psicanalista Marion Minerbo, da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. "Se alguém, ou um grupo de pessoas, sinaliza que você é melhor do que os outros e, portanto, tem mais direitos do que os outros, o desejo que estava adormecido pode ser acordado."

Há uma grande diferença entre saber intelectualmente que fez algo errado e sentir emocionalmente que fez algo errado

Uma certa normalização da conduta corrupta também empurra esta vontade adiante. Para Marion, isso acontece com a desqualificação da lei e a institucionalização da corrupção como modo de vida.
"O desejo de ser/ter tudo que foi acordado pode ser satisfeito sem medo das consequências", diz.

"Se todos fazem, por que não posso fazer?"

Já para o psiquiatra Fernando Portela, da Associação Brasileira de Psiquiatria, esta aceitação da corrupção como algo que não é problemático pode vir por meio da ação em grupo.
"Quando esse indivíduo (corrupto) tem outros juntos com ele, e essas pessoas estão compactuando entre si, a culpa que este tipo de atitude gera num indivíduo é mitigada. Porque estão fazendo aqui, eu também posso. Então o indivíduo se sente mais livre, à vontade", afirma.

Quando você se envolve com corrupção, você fala 'isso é só como as coisas são'

Segundo o psicólogo Dan Ariely, da Universidade Duke, autor de pesquisas sobre desonestidade, a motivação para a corrupção vem da crença de que "todas as outras pessoas estão sendo corruptas" e da aceitação deste comportamento como "a forma como as coisas são feitas".
"Se você for a um restaurante e sair sem pagar a conta, você vai se sentir mal com isso. Mas, quando você se envolve com corrupção, você fala 'isso é só como as coisas são'. A corrupção é muito corrosiva, muito perigosa", diz.
Mesmo em casos em que a pessoa corrupta é punida ou exposta publicamente, não há garantia de que ela vá sentir qualquer constrangimento.
"Para alguém se constranger e se envergonhar, é preciso que sinta que fez algo errado. Veja bem: há uma grande diferença entre saber intelectualmente que fez algo errado e sentir emocionalmente que fez algo errado. As pessoas que não sentem que estão erradas simplesmente não se constrangem. E, quando se sentem vítimas de injustiça, sentem ódio, em vez de vergonha", diz a psicanalista Marion Minerbo.
Segundo Ariely, a única forma de cortar a motivação para a corrupção é adotar uma mudança coletiva.
"O problema da corrupção é que, se todos estão fazendo e se esse é o jeito de fazer as coisas, por que eu não posso fazer? Então, para bloquear a corrupção, seria necessário que todos nós concordássemos em mudar as coisas ao mesmo tempo. Se não for assim, não vai dar certo", afirma.

ESCÂNDALO DA MANDIOCA -- O QUE FOI: desvio de Cr$ 1,5 bilhão da agência do Banco do Brasil de Floresta (PE) destinado ao Programa de Incentivo Agrícola (Proagro), do governo federal. QUANDO: 1979 a 1981. DETALHES DO CASO: os envolvidos no esquema usaram o dinheiro desviado para comprar imóveis, automóveis e outros bens. O procurador da República Pedro Jorge de Melo, que lançou as denúncias, foi assassinado. QUE FIM LEVOU? Em 2013, 22 acusados tiveram penas aumentadas para 3 a 16 anos de prisão. Dois réus foram dispensados do julgamento por terem mais de 70 anos de idade. Ninguém foi preso porque ainda podiam entrar com recurso .


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