Autópsia do gasto do
governo
Vinicius Torres
Freire
Quase todos os interessados no assunto sabem que o registro das contas
do governo é um pouco distorcido por incoerências contábeis, falhas
burocráticas e vícios velhos. Foi muito distorcido de 2012 a 2014 por fraudes
grossas.
Do mesmo modo que as pedaladas do governo Dilma 1 disfarçaram o aumento
de gastos, porém, o conserto da fraude fez parecer nas estatísticas que em 2015
houve uma esbórnia nas despesas; desmereceu alguns esforços fiscais relevantes.
A observação aparece em estudo do Ipea, de Sérgio Gobetti e Vinicius de
Almeida, que fizeram uma grande revisão do histórico das contas públicas de
2001 a 2015.
Os pesquisadores na verdade foram bem além disso. Desenvolveram um
método para fazer com que os diversos registros dos gastos públicos
"conversem", se tornem compatíveis e, enfim, revelem com mais
precisão para onde vai o dinheiro dos impostos federais.
A baderna das contas públicas durante Dilma 1 foi tamanha que até agora
está difícil de compreender a evolução de vastas despesas. De 2014 para 2015, o
gasto federal aumentou 1,21 ponto percentual do PIB, mas quase 92% disso
equivaleu a pagamento de pedaladas, débitos com bancos públicos e com o FGTS,
na prática dívidas omitidas e empurradas com a barriga, a maioria delas entre
2010 e 2014.
Os pesquisadores chamam a atenção para o esforço de ajuste fiscal feito
em 2015. A despesa federal cresceu em média a 4% ao ano entre 1999 e 2014
(excluídos gastos com juros da dívida pública). Em 2015, a redução real, já
descontada a inflação, foi próxima de 4%, "muito significativa, embora
fique obscurecida pela queda do PIB e pelos problemas contábeis e acertos de
conta".
Na área social, os gastos com educação foram os que mais sofreram. Em
relação ao tamanho da economia, que também encolheu, caíram de 2014 para 2015:
passaram de 0,31% do PIB para 0,21% do PIB. Padeceram o Pronatec, o auxílio
federal à educação infantil e à alimentação escolar, livros e ensino superior,
por exemplo.
Sob Dilma 1, o investimento federal em "obras" ficou estagnado
em torno de 0,96% do PIB, apesar do aumento da receita, sendo compensado em
parte e precariamente pelos subsídios para casas populares (Minha Casa, Minha
Vida). Em 2015, o investimento despencou para 0,66% de um PIB bem menorzinho.
Convém relembrar: o gasto que mais cresce é o do INSS e o dos benefícios
assistenciais (Bolsa Família entre eles); ambos de resto levam a maior fatia da
despesa federal: 48%. Outros 22% vão para os servidores federais.
O crescimento de despesa mais disparatado foi aquele com
seguro-desemprego e abono salarial, que passam de 0,49% do PIB para 0,92% do
PIB de 2003 a 2014.
Decerto nesse período o número de trabalhadores com carteira, com
direito ao benefício, aumenta 44%. Mas o desemprego caiu brutalmente, e a
economia, o PIB, cresceu 50%. Trata-se, pois, de um aumento de despesa muito
extravagante, indício de política pública equivocada (aqui, opiniões deste
jornalista).
O estudo ("Texto para Discussão" 2.191, deste abril) está no
site do Ipea. Aqui aparecem apenas migalhas da pesquisa. Trata-se de um
trabalho técnico, especializado e penoso, que deveria servir para revisar a
apresentação das contas do governo.

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