Paulo Haddad
O que fazer com a economia brasileira
após um período de profunda desorganização das finanças públicas, da matriz
energética, das expectativas de consumidores e de empreendedores? Não há dúvida
de que é inadiável formular e implementar um programa de ajuste ou de
reconstrução das bases da nossa economia. Mas há algumas precauções e percalços
que devem ser considerados previamente a fim de que o ajuste não venha a
magnificar ainda mais as mazelas, os desacertos e os desarranjos que de fato
ocorreram. Nada como seguir a trajetória do velho paradigma de “ver, julgar e
agir”.
Em primeiro lugar, para fazer um
ajuste é preciso conhecer o que precisa ser ajustado. Para encobrir o tamanho
da herança desastrosa do primeiro mandato da Presidente Dilma Rousseff, a
equipe econômica anunciou no início do ano um valor subestimado do déficit
fiscal. Já agora constata-se que esse valor é quase três vezes maior,
comprometendo assim a credibilidade da capacidade de gestão operacional e
estratégica da atual equipe. Sem se penetrar nas entranhas das contas públicas
do Governo Federal para ver e identificar os truques e artimanhas utilizadas
para camuflar a irresponsabilidade fiscal no primeiro mandato, fica difícil
para a população brasileira aceitar os sacrifícios que a ela serão impostos
durante o atual mandato.
Em segundo lugar, para se desenhar a
arquitetura do ajuste seria necessário avaliar os atuais contextos político,
econômico e institucional em que o processo seria realizado. Haja visto a
avalanche de problemas sociais que o modelo de ajuste adotado (existem
alternativas mais inteligentes) vem trazendo. O realinhamento dos preços
controlados pelo governo ocorre sob a forma de um choque inflacionário. O corte
dos gastos públicos e a elevação estratosférica das taxas de juros induziram a
expansão da taxa de desemprego para mais de dez por cento neste final de 2015.
Os serviços públicos tradicionais estão tendo imensa perda de qualidade e de
quantidade, particularmente os de saúde e de saneamento básico. Não há como
neste mar tumultuado motivar um comportamento mais otimista que possa estimular
a expansão da demanda agregada da economia. De fato, neste contexto, a julgar
pela overdose de perdas e danos por que passam empresários e consumidores, o
otimista é muitas vezes um pessimista mal informado.
Finalmente, as ações que estão em
andamento são carentes de sequenciamento consistente, de intensidade
proporcional e de cadência rítmica. É ilusório achar que é necessário primeiro
ajustar para que o crescimento venha por acréscimo, embalado pelo sopro das
livres forças de mercado e pelas virtudes inefáveis da mão invisível do
capitalismo competitivo. Como de início se subestimou a dimensão da crise, as
medidas adotadas até agora não têm a intensidade para impulsionar a grande
transformação necessária para desencadear um ciclo de prosperidade com
estabilidade. Não têm também a cadência adequada para compatibilizar a busca do
equilíbrio fiscal sem agudizar as desigualdades sociais e preservar as
conquistas dos mais pobres com as políticas sociais compensatórias.
Se o atual modelo e os processos de
ajuste ou de austeridade fiscal não forem repensados, reestruturados e
renegociados, iremos assistir a um inesperado paradoxo político conduzido por
um partido de esquerda. Um partido que quer ser desenvolvimentista e afunda a
economia numa recessão a qual pode até mesmo caminhar eventualmente para “a
Grande Recessão ou a Depressão”. Um partido que quer ser o legítimo defensor
dos direitos e anseios dos trabalhadores, e os joga numa taxa inusitada de
desemprego crescente. Um partido que quer a promoção da justiça social, e que
aprofunda as desigualdades sociais dentro de um estilo de política econômica
que vem sendo denominado de “o socialismo dos ricos” ou de “o reverso de Robin
Hood”.
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