sábado, 31 de outubro de 2015

DESNUDANDO A NOTÍCIA




  

José Eutáquio de Oliveira


“Deu no New York Times,” berrou o locutor no rádio do carro: o diretor da Playboy, Scott Flander, anunciou que a partir de março de 2016 a revista não publicará mais ensaios fotográficos de mulheres nuas na América. Tomei um susto danado com a notícia, que mais tarde viraria manchete nos principais jornais do mundo. Putzgrila, temi: será que o tal do Tea Party, os ultradireitistas do Partido Republicano, conseguiu impor a volta aos tempos da inquisição no Tio Sam?

Junto com o temor pela perda das liberdades na América, veio-me à mente a luta do jornalista Larry Flint, editor da concorrente Hustler – muito mais ousada do que a Playboy em erotismo – que venceu na Suprema Corte, a sanha dos fundamentalistas religiosos, que queriam o fim da publicação. O caso virou até filme de Hollywood – “O Povo Contra Larry Flint” – e se tornou paradigma de como a liberdade de expressão é levada a sério na terra do Tio Sam. “Estamos ferrados, tudo que acontece nos EUA se espalha pelo mundo”, pensei. Em mundo tão paradoxal, como diria Tim Maia, em que até cafetão tem ciúme de suas “meninas”...
Ah, as meninas! Como eram belas aquelas moças que a Playboy desnudava. Foram muitas. Inesquecíveis. De Marilyn Monroe a Cléo Pires; de Vera Fischer a Maitê Proença. Os pupilos de Hugh Hefner de 28 países aprenderam bem a escolher lindas playmates para apresentá-las em cada edição da revista desde 1953, quando foi fundada. Filho de pais carolas, Hugh Hafner entendeu como ninguém de sua época as carências e expectativas sexuais da geração do pós-Segunda Guerra. O rock estava no início e a juventude transviada começava a botar as manguinhas de fora. Porém, beijo na boca, mão naquilo e aquilo na mão, meu caro, nem pensar.

Sociólogo de botequim, advogo que, ao romper com a caretice da época, Hefner colaborou decisivamente para a revolução sexual que marcaria os anos 1960. Como era libertador comprar uma Playboy importada nas bancas para, em seguida, devorar a revista no banheiro sob a orientação de Onan! Prazer que ficou mais fácil quando a publicação passou a ter uma versão brasileira – apesar de a ditadura militar impedir as fotos das genitálias nacionais tal como Deus as fez.

As feministas odiavam a Playboy e a nossa paixão pela revista. Mas tínhamos um grande álibi para escapulir da acusação de machistas: a qualidade editorial da publicação. Que seguia um padrão: na capa uma beldade da moda, que era também a figura central do ensaio fotográfico. E o pulo do gato: alentadas entrevistas com grandes personalidades (Martin Luther King e Pelé foram algumas delas), reportagens exclusivas espetaculares, e contos eróticos de escritores como Jorge Amado e Tom Wolf.

Pois é, a partir de 2016 panos e sombras cobrirão as beldades e seus principais mistérios, em fotos que apenas insinuarão erotismo. Uma decisão que, para meu alívio, não foi uma derrota para os fundamentalistas. Pelo contrário. A mudança foi imposta pela Internet e pelo festival de pornografia que ela veicula em tempo real, de graça, diariamente. Prefiro a pornografia à censura. Afinal de contas, é uma escolha.
Minha esperança é que a Playboy e suas similares optem agora por desnudar a falta de pudor dos políticos, empresários, sindicalistas e demais corruptos que insistem na prática de roubar o dinheiro público e de promover a miséria no mundo. Estou pedindo demais?


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