BNDES: divulgação de
contratos mostra que Odebrecht ficou com 70% do crédito para obras no exterior
Cinco empreiteiras concentram 99,4% do valor
contratado entre 2007 e 2015
Eliane Oliveira / Danielle
Nogueira / Ruben Berta
BRASÍLIA e RIO - O BNDES tornou públicos nesta terça-feira, na internet,
dados dos contratos de exportação de serviços de engenharia entre 2007 e 2015,
no total de US$ 11,9 bilhões, o que inclui financiamentos a obras e serviços em
Cuba e Angola. Levantamento feito pelo GLOBO a partir das informações mostra
que cinco empreiteiras concentram 99,4% do valor contratado no período. O grupo
Odebrecht foi o mais beneficiado, com US$ 8,4 bilhões ou 70% do total.
Odebrecht fez obras no metrô de Lima,
no Peru: infraestrutura e novos mercados atraem empresas brasileiras
No financiamento de obras públicas no exterior, o BNDES concede o
crédito a um país, que repassa os recursos à empresa que executará as obras. A
escolha da empreiteira fica a cargo do governo daquele país.
Uma das críticas feitas ao banco era justamente o bloqueio do acesso à
informação às condições de financiamento dos contratos no exterior e em
operações domésticas. Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal decidiu que
o banco terá de repassar dados sobre operações com o JBS, por exigência do
Tribunal de Contas da União
As cinco
empreiteiras que concentram o crédito à exportação são Odebrecht (US$ 8,2
bilhões, incluindo sua subsidiária em Cuba, a Companhia de Obras e
Infraestrutura), Andrade Gutierrez (US$ 2,6 bilhões), Queiroz Galvão (US$ 388
milhões), OAS (US$ 354,2 milhões) e Camargo Corrêa (US$ 258,8 milhões).
Uma das operações que teve detalhes revelados foi a contratação de
serviços da Companhia de Obras e Infraestrutura para obras de ampliação do
Porto Mariel, em Cuba. A operação foi feita em cinco etapas, com contratos
entre 2009 e 2013, totalizando US$ 682 milhões. Em cada uma das etapas, foi
fixada taxa de juros em dólar, que variou de 4,44% a 6,91% ao ano.
SEM COMPARAÇÃO
Economistas afirmam que não é possível comparar as taxas de
financiamento a exportações com as praticadas no Brasil, porque os empréstimos
internacionais são em dólar ou euro. Além disso, leva-se em conta o risco do
país onde a obra será executada, que é diferente do risco Brasil.
— O nível de competição no exterior é muito elevado. O problema do banco
são os critérios para escolher empresas que recebem crédito no Brasil. Deveria
haver isonomia de condições aqui — afirmou o economista da USP Fabio Kanzuc.
Indagado sobre a concentração da carteira de exportações de serviços, o
BNDES disse que "são apenas quatro ou cinco players nesse segmento" e
que a Odebrecht "é, de longe, a mais diversificada e a que atua há mais
tempo no mercado internacional". Frisou ainda que o banco não interfere na
escolha do exportador pelo governo ou empresa pública que contrata a
construtora para executar o projeto.
A Odebrecht disse, em nota, que é a maior empresa do setor de construção
na América Latina e a construtora brasileira há mais tempo atuando no exterior
(desde 1979) e presente em maior número de países (21), "muito à frente
das demais". Ressaltou que "considerando o período mencionado no
portal de transparência do BNDES (2007-2015), os recursos da linha do banco
para financiamento da exportação de bens e serviços representaram menos de 10%
do faturamento anual da empresa". A empreiteira disse que "é
totalmente favorável à transparência em qualquer tipo de contrato".
A Andrade Gutierrez disse que os financiamentos junto ao BNDES
"obedecem à legislação brasileira e seguem avaliação técnica rigorosa do
banco". Informou que "os valores são compatíveis com o volume de
projetos em contratos de exportação realizados pela companhia, que opera em
mais de 40 países e tem atuação internacional há mais de 30 anos". E
considerou "benéfico para a sociedade que se dê transparência aos
contratos". A Queiroz Galvão lembrou que está presente em 20 países e que
"participou de algumas obras em países que receberam financiamento do
governo brasileiro". A OAS informou que seus contratos "obedecem à
legislação vigente e às regras definidas pelo BNDES".
TRANSPARÊNCIA FISCAL E FINANCEIRA
Para o pesquisador José Roberto Afonso, do Instituto Brasileiro de
Economia (Ibre), da Fundação Getulio Vargas, a iniciativa é um avanço para
conciliar transparência fiscal e financeira. A maior parte dos recursos do
BNDES é de origem pública, observou. Ele defendeu que outras instituições
oficiais, como Caixa, Banco do Brasil e bancos estaduais ajam da mesma forma.
— O mais importante é que essa contribuição seja o início de um novo processo
de transparência. Agora, a sociedade tem de cobrar das demais agências oficiais
de crédito a mesma coisa — afirmou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário