Comperj: estrada de US$ 181
milhões virou rodovia do tráfico
Construída para levar equipamentos pesados ao
complexo, via facilita fluxo de armas e drogas
José Casado, Bruno
Rosa e Ramona Ordoñez
RIO - Gastaram US$ 7
bilhões em encomendas “emergenciais” de equipamentos, montagem e construção das
instalações para abrigá-los. Fizeram acordos diretos, sem concorrência, com 21
empresas privadas — todas, atualmente, investigadas em processos por corrupção.
Levaram quatro anos
para resolver a abertura da estrada de 18 quilômetros vital para transportar
milhares de toneladas de peças (vasos pressurizados, torres e reatores, entre
outros) entre o píer na Praia da Beira, em Itaóca, São Gonçalo, e o Complexo
Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), em Itaboraí.
Só contrataram a
obra na véspera do Natal de 2011, seis meses depois da decisão, sem
concorrência e também sem a completa desapropriação das terras. Pagaram US$ 63,5
milhões — custo médio de US$ 3,5 milhões por quilômetro —, e estabeleceram
prazo de 16 meses.
Quase dois anos
depois, apenas 20% da estrada estavam prontos. Deram à empreiteira Egesa mais
oito meses e um adicional de US$ 1 milhão.
O prazo ampliado se
esgotou, e a estrada não ficou pronta. Dispensaram a Egesa e contrataram a
Carioca Christiani-Nielsen Engenharia, sem licitação.
UMA VIA EXPRESSA DO
TRÁFICO
Pagaram mais US$ 118
milhões pelo serviço complementar contrariando recomendações do departamento
jurídico da estatal: era 85% acima do valor do contrato
No final, custou US$
181,5 milhões, o equivalente a US$ 10 milhões por cada um dos 18 quilômetros —
mais que a autoestrada vizinha, o Arco Metropolitano.
Ficou pronta em
outubro, oito anos e quatro meses depois das contratações “emergenciais” de
equipamentos, montagem e construção das suas instalações em Itaboraí. A essa
altura, no entanto, o complexo petroquímico já estava reduzido a uma única
refinaria, parte dos equipamentos comprados se tornara inútil, o canteiro de
obras paralisado e as empresas fornecedoras submetidas a múltiplos inquéritos
por corrupção.
A estrada criada
pela Petrobras exclusivamente para transportar equipamentos ultrapesados até o
Comperj não ficou abandonada: foi tranformada em via expressa do tráfico de
armas e drogas. Acabou facilitando a logística das gangues cujos negócios
começam nas margens da Baía de Guanabara.
Ela integrou todas
as favelas do chamado complexo do Salgueiro, no Rio, com o Jardim Catarina, em
São Gonçalo. É uma área extensa, com cerca de 300 mil habitantes sem serviços
básicos de Saúde, Educação e saneamento. Pela complexidade da geografia local, pontilhada
por manguezais, a circulação entre uma favela e outra sempre foi difícil.
Deixou de ser.
Barcos com armas e
drogas continuam atracando nas praias de Itaóca, bairro-ilha de São Gonçalo,
onde foi construído o píer da Praia da Beira, ponto de traslado dos
equipamentos para o Comperj.
Antes, as gangues
atuavam com elevada margem de risco na logística de distribuição. Percorriam o
trajeto entre Itaóca e Salgueiro, mas precisavam enfrentar mato e terrenos
pantanosos para chegar à planície do Jardim Catarina, onde se concentram mais
de 20% da população de São Gonçalo.
EFEITO EM CASCATA
NOS CONTRATOS
Com a estrada, as
limitações acabaram. O caminho ficou livre entre Itaóca e o distrito de Itambi,
em Itaboraí, com inúmeras possibilidades de saída para a BR-493 — “é uma rota
de fuga financiada pelo poder público”, na definição de um graduado policial
militar do 7º Batalhão, responsável pelo policiamento da área.
Para a Petrobras,
sobraram custos adicionais decorrentes dos atrasos da construção do acesso ao
Comperj. “Desencadearam reações em cadeia em outras obras”, diz o Tribunal de
Contas da União em análise sobre o projeto em Itaboraí.
Os equipamentos
comprados chegaram no tempo previsto, em 2011. Parte se tornou inútil porque a
Petrobras decidiu redesenhar o Comperj. Substituiu a nafta pelo gás natural
como insumo na produção de petroquímicos.
Fabricados sob
encomenda para a operação com nafta, perderam lugar em Itaboraí e continuam armazenados,
sem destino. Outra parte do material adormece há quatro anos, à espera de
estradas para transporte — são grandes e ultrapesados para as rodovias
convencionais.
A falta de
equipamentos no canteiro do Comperj no tempo previsto provocou a suspensão de
contagem de prazos em outros contratos, com adiamentos por responsabilidade da
Petrobras. No conjunto, segundo o tribunal, as despesas da companhia estatal
aumentaram em US$ 500 milhões apenas com tais “ineficiências, replanejamento,
retrabalho e prorrogação de prazos”.
As marcas da má
gerência, pontuada por episódios de corrupção, espalham-se pelo empreendimento
em Itaboraí. Empresas sem capacidade técnica foram contratadas, sem
concorrência, para projetos mal elaborados, e depois abandonaram as obras —
contaram Marcelino Simão Tuma e Jansem Ferreira da Silva, ex-gerentes do
Comperj, em depoimentos à comissão de inquérito da Petrobras no ano passado.
Citaram como exemplo a falida construtora Delta, que está sob investigação.
A Delta estava
cadastrada como fornecedora de estruturas metálicas. Sem experiência, sequer
fora cogitada para a lista de convidados na concorrência para erguer o conjunto
de melhoria da nafta petroquímica (Unidade de Hidrotratamento-Nafta).
Porém, os então
diretores Paulo Roberto Costa (Abastecimento) e Renato Duque (Serviços)
exigiriam sua inclusão. As regras da licitação exigiam nota mínima de 6,5 na
licitação. A Delta alcançou 2,1 e, mesmo assim, foi declarada vencedora. O
contrato acabou rescindido “por baixo desempenho”, segundo a comissão de
inquérito da estatal.
UMA HISTÓRIA DE
PERDAS SEM FIM
Ano passado, a
Petrobras decidiu encolher o complexo petroquímico, transformando-o numa única
refinaria para produção de combustíveis. Em dezembro, quando a operação da
refinaria contava dois anos e meio de atraso, em relação ao último cronograma
feito pela companhia, decidiu-se suspender a maioria dos contratos de serviços
no Comperj.
As perdas de receita
acumuladas até o final de 2014 com os atrasos na refinaria, de acordo com o
TCU, já podem ter superado US$ 2,3 bilhões.
No conjunto, os
prejuízos da Petrobras no Comperj derivam de um padrão gerencial aplicado na
construção da Refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco. Esses dois
empreendimentos consumiram US$ 41,7 bilhões durante o governo Lula, que
partilhou a gestão da empresa entre aliados políticos. Destacam-se entre os
mais caros na indústria mundial de petróleo: foram US$ 21,6 bilhões em Itaboraí
e outros US$ 20,1 bilhões em Pernambuco.
A refinaria
pernambucana entrou em operação em novembro e, no limite, vai produzir 230 mil
barris de óleo refinado a um custo (US$ 87 mil por barril) acima do dobro da
média internacional. O Comperj está com 82% das obras concluídas e não tem
prazo para começar a refinar o petróleo do pré-sal. Foi desenhado para
processar 165 mil barris de petróleo/dia. Seu custo operacional (US$ 130 mil
por barril) tende a superar o de Abreu e Lima.
A história dos
prejuízos em Itaboraí está longe do fim. (Colaborou Débora Diniz)
Nenhum comentário:
Postar um comentário