Petrobras paga por
equipamento inútil no Comperj
Alguns conjuntos de vasos, torres e reatores
custaram mais de US$ 20 milhões
José Casado, Bruno Rosa e Ramona
Ordoñez
Equipamentos da Petrobras que seriam
usados no Comperj foram estocados em depósito na Ilha do Governador -
Genilson Araújo/05-03-2015
BRASIL — São
enormes, chegam a pesar uma tonelada. Alguns conjuntos de vasos, torres e
reatores, custaram mais de US$ 20 milhões. Fabricados sob encomenda para o
Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), localizado em Itaboraí,
receberam tratamento térmico especial para manter um nível de pressão interna.
Chegaram ao porto do Rio quarenta e quatro meses atrás, em 2011. Lá ficaram por
mais de um ano —“hibernados”, no idioma da burocracia.
Depois foram
distribuídos entre pátios na Ilha do Governador e em Itaguaí, onde permanecem.
O estacionamento custa em média US$ 360 por hora, com despesa de US$ 3 milhões
por ano. Alguns chegaram ao canteiro de obras do Comperj, em Itaboraí. Estão
abandonados.
Metade desses
equipamentos, comprados para as unidades de nafta, destilação e coque,
tornou-se inútil e a Petrobras não sabe qual será seu destino. Eles contam a
história de administração desastrosa, reconhecida pela companhia estatal e pelo
Tribunal de Contas da União, e permeada por casos de corrupção.
Começou em 2003,
quando a Petrobras anunciou investimento de US$ 6,5 bilhões na construção de um
complexo petroquímico na Região Metropolitana do Rio. Passaram-se doze anos, a
empresa gastou US$ 21,6 bilhões — 232% acima do previsto —, e o Comperj acabou
reduzido a uma refinaria de petróleo. Produzirá combustíveis, mas nem um quilo
de petroquímicos.
O enredo de
infortúnios ganhou velocidade no segundo semestre de 2006, na campanha de
reeleição do presidente Lula em plena crise do mensalão.
A diretoria da
estatal expediu uma ordem (código DIP AB-PQF 178) para imediata licitação,
contratação de obras, compra e montagem de equipamentos considerados essenciais
ao polo. A Petrobras encomendara o “projeto conceitual” do parque petroquímico,
com entrega prevista em três anos. Ainda não possuía sequer um projeto básico,
registram as auditorias da empresa e do tribunal de contas.
A decisão de
antecipar tudo aconteceu sob orientação do presidente da estatal José Sérgio
Gabrielli, apoiado pelos diretores Paulo Roberto Costa (Abastecimento) e Renato
Duque (Engenharia e Serviços). Estabeleceram até uma data, quarta-feira 12 de
dezembro de 2012, para entrega da obra do Comperj “completa” — uma imposição
“fortíssima”, na descrição feita por Pedro Aramis, chefe do inquérito interno
conduzido na Petrobras, em depoimento na Justiça Federal, em Curitiba: “Isso
deu margem a uma série de quebras dos padrões usuais de trabalho.”
“O PROCESSO ERA MALFEITO”
Costa e Duque
deflagraram uma corrida contra o relógio na empresa. Duque distribuiu um mapa
dos contratos necessários, com datas previstas para assinatura e prazos
apertados de execução. Os dois diretores listaram quais empresas seriam
convidadas, como demonstram e-mails enviados por Pedro Barusco,
gerente-executivo de Duque. Marcaram reuniões trimestrais com fornecedores para
resolver aumentos nos contratos sem licitação, classificados como
“emergenciais”.
Nos meses seguintes,
de 2007 a 2012, a Petrobras assinou três dezenas de contratos do gênero para o
Comperj. Somaram US$ 7 bilhões, com 21 empresas privadas — todas são
investigadas em processos por corrupção.
A propina era
disfarçada como “custo operacional” das empreiteiras, confessou Eduardo Leite,
vice-presidente da Camargo Corrêa, em depoimento à polícia há três semanas.
Repassavam os custos dos subornos à Petrobras encobertos como “custos
contingenciados”. Na Camargo Corrêa, por exemplo, o sistema de orçamento de
obras — conhecido internamente como Primavera —, admitia variações nesse item
de até 5%.
“Era fácil”, disse
Leite, “porque 1% do contrato se torna insignificante em um projeto mal
orçado”. E na Petrobras ficava ainda mais simples, acrescentou, porque “o
processo era malfeito” no orçamento, na contratação e na fiscalização dos
serviços, ao contrário do que ocorria em outras empresas “como a Vale”.
Em parte dos
contratos era inserida uma cláusula (“Quantidade determinada”) prevendo compra
de equipamentos mesmo sem a certeza da sua necessidade. “Funcionava como um
cheque em branco para as empresas", contou Almir Barbassa, ex-diretor
financeiro da estatal, à comissão interna.
Como resultado da
antecipação nas compras, sem o plano básico de engenharia e análise de riscos,
“algumas contratações acabaram se tornando inúteis”, segundo o tribunal de
contas.
Foi o caso dos
equipamentos comprados em 2010 para melhoria da nafta, que serviria de
matéria-prima à produção de petroquímicos. Em 2012, porém, a Petrobras
redesenhou tudo para usar o gás natural extraído do pré-sal como insumo. Assim,
o conjunto de peças adquirido em caráter “emergencial” dois anos antes, tornou-se
desnecessário.
A unidade de
hidrotratamento de nafta hoje é uma inutilidade de US$ 20,5 milhões abandonada
em Itaboraí. Oito grupos de equipamentos, também adquiridos “com urgência” para
o Comperj, não têm mais finalidade, nem destino.
Alguns podem ser usados,
quando solucionados problemas nas obras de logística para transporte. Mas até à
montagem, a estatal deverá pagar um adicional de US$ 569 milhões por “elevações
de custos”, informa o TCU.
Em janeiro,
perguntaram à então presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster, qual
seria o valor de venda do Comperj. A resposta foi seca e enfática:
— Zero!
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