Saiba como os EUA viraram o
jogo contra a corrupção
Foram necessárias algumas décadas e a adoção de
várias medidas de regulação para que o problema fosse controlado
BBC MUNDO.com
Grandes projetos de
infraestrutura manchados por corrupção; apadrinhamento político nos governos
federal, estadual e local, bem como o uso de cargos públicos para obter ganhos
privados e manter-se no poder.
No século 19, a
falta de um funcionalismo público profissional favorecia o apadrinhamento nos
EUA
O cenário acima
poderia descrever a situação atual de diversos países do mundo - inclusive do
Brasil -, mas se refere especificamente aos Estados Unidos do fim do século 19.
No período a partir
de 1870, conhecido como “Gilded Age” (Era Dourada), o surgimento de uma
sociedade mais urbanizada e industrializada e de novas fontes de riqueza nunca
antes vistas, em um momento de rápido crescimento econômico nos EUA, evidenciou
os altos níveis de corrupção política no país.
Seriam necessárias
algumas décadas e a adoção de várias medidas de regulação para que o problema
fosse controlado.
Apesar de
ressaltarem que a corrupção não foi totalmente erradicada nos EUA, analistas
concordam que as reformas adotadas na virada do século 19 para o 20 foram
essenciais para combater o problema e fazer com que o país hoje se situe entre
aqueles com baixos níveis deste tipo de delito.
No mais recente
Índice de Percepção da Corrupção, divulgado em dezembro passado pela
Transparência Internacional, os EUA aparecem na 17ª posição entre 175 países,
ao lado de Irlanda, Hong Kong e Barbados. O Brasil ficou em 69º lugar, ao lado
de Bulgária, Grécia, Itália, Romênia, Senegal e Suazilândia.
Intolerância
Segundo analistas, nas décadas finais do século 19, práticas até então dominantes nos EUA, como clientelismo e apadrinhamento político, começaram a ser menos toleradas.
“Muitas práticas que simplesmente eram encaradas como normais em períodos anteriores da história americana passaram a ser vistas como problemas”, disse à BBC Brasil o historiador Alan Lessoff, professor da Illinois State University.
Segundo analistas, nas décadas finais do século 19, práticas até então dominantes nos EUA, como clientelismo e apadrinhamento político, começaram a ser menos toleradas.
“Muitas práticas que simplesmente eram encaradas como normais em períodos anteriores da história americana passaram a ser vistas como problemas”, disse à BBC Brasil o historiador Alan Lessoff, professor da Illinois State University.
“O problema talvez
não tenha sido que os EUA estavam ficando mais corruptos. Segundo vários historiadores,
não houve necessariamente um aumento dos níveis de corrupção no período, talvez
estivesse até diminuindo. Mas a intolerância em relação ao problema estava
crescendo. E a capacidade de relatar (os casos de corrupção), também”, afirma
Lessoff.
Especialistas listam
vários fatores que contribuíam para a corrupção no período.
“Subornos, favoritismo e fraudes eram constantes em governos estaduais e locais”, disse à BBC Brasil o cientista político Michael Johnston, professor da Colgate University, em Nova York.
“Havia também a tendência de grandes empresas evitarem regulação ou 'comprarem' a regulação que lhes fosse mais favorável”, afirma Johnston.
“Subornos, favoritismo e fraudes eram constantes em governos estaduais e locais”, disse à BBC Brasil o cientista político Michael Johnston, professor da Colgate University, em Nova York.
“Havia também a tendência de grandes empresas evitarem regulação ou 'comprarem' a regulação que lhes fosse mais favorável”, afirma Johnston.
Senadores
A falta de um funcionalismo público profissional favorecia a prática de apadrinhamento político tanto no nível federal quanto nos Estados e municípios americanos.
A falta de um funcionalismo público profissional favorecia a prática de apadrinhamento político tanto no nível federal quanto nos Estados e municípios americanos.
“Você não precisava
fazer um concurso. Apenas se dirigia ao chefe do departamento, ou ao prefeito,
governador, presidente dos EUA, e pedia um emprego”, disse à BBC Brasil o
historiador Richard Schneirov, professor da Indiana State University.
“A corrupção que
hoje ocorre por trás dos panos ocorria abertamente na época. E não era chamada
de corrupção, mas simplesmente de política”, salienta Schneirov.
O fato de que até
até a segunda década do século 20 os senadores americanos não eram eleitos pelo
público, também é citado.
“Você tinha esses
empresários muito ricos e poderosos distribuindo dinheiro nos Estados para
conseguirem serem nomeados senadores”, observa Johnston.
A especialista em
corrupção Susan Rose-Ackerman, professora de Direito e Ciências Políticas da
Universidade de Yale, lembra que grandes projetos de infraestrutura, como a
construção de ferrovias e portos, estavam em andamento na época e podiam ser
vulneráveis à corrupção.
Rose-Ackerman destaca também que a burocracia do governo federal se concentrava basicamente na alfândega e nos correios, ambos marcados por diversos casos de corrupção.
Rose-Ackerman destaca também que a burocracia do governo federal se concentrava basicamente na alfândega e nos correios, ambos marcados por diversos casos de corrupção.
Mobilização popular
Segundo os analistas, a mobilização popular e o papel da imprensa, com os chamados muckrackers, jornalistas investigativos da época que tentavam expor os escândalos de corrupção, foram cruciais para mudar essa situação.
Segundo os analistas, a mobilização popular e o papel da imprensa, com os chamados muckrackers, jornalistas investigativos da época que tentavam expor os escândalos de corrupção, foram cruciais para mudar essa situação.
“Havia um movimento
de cidadãos muito ativo, o Movimento Progressista, organizado por pessoas que
estavam tentando fazer com que o governo se tornasse mais limpo e honesto”, diz
Rose-Ackerman.
“Em algumas grandes
cidades, eles se aliaram a setores da comunidade empresarial que reclamavam de
altos impostos”, afirma.
Muitas reformas
foram motivadas, em parte, por escândalos. Rose-Ackerman cita o assassinato do
presidente James Garfield, em 1881, como um dos fatores que levaram à reforma
do serviço civil, que na década de 1880 profissionalizou o funcionalismo
público.
O assassino, Charles
Guiteau, cometeu o crime após ter seus pedidos de emprego negados pelo
presidente.
“(O vice-presidente)
Chester Arthur substituiu Garfield e o escândalo envolvendo o assassinato
forneceu um certo incentivo para mudanças. Além disso, havia alegações de que o
próprio Arthur estaria envolvido em corrupção, então ele se tornou um apoiador
da reforma”, afirma Rose-Ackerman.
Regulação
Schneirov observa que, a partir do final dos anos 1880, consolidou-se também uma nova percepção de que não eram apenas "homens maus" (políticos) que causavam a corrupção, e sim grandes empresas, o que levou a esforços para maior regulação.
Em 1887, em resposta
a diversos escândalos envolvendo a construção de ferrovias, incluindo pagamento
de propinas, foi criada a Interstate Commerce Commission (ICC, na sigla em
inglês), agência responsável pela regulamentação de ferrovias. Ampliada a
partir de 1906 para abranger outros setores, a ICC foi a primeira agência a
monitorar grandes corporações nos EUA.
Seguiram-se várias
outras medidas para regular o setor bancário, o mercado de capitais, alimentos,
medicamentos, em um movimento que se estendeu por décadas.
Apesar dos avanços,
os EUA não eliminaram totalmente o problema, e ainda registram eventuais casos
de corrupção. “Os americanos não sentem que a sociedade resolveu completamente
o problema da corrupção”, avalia Lessoff.
“No Estado de
Illinois, onde vivo, dois dos últimos quatro governadores (George Ryan e Rod
Blagojevich) acabaram na prisão por casos de corrupção e um congressista da
cidade em que vivo (Aaron Schock) renunciou no mês passado, em meio a um
escândalo envolvendo financiamento de campanha e gastos particulares
extravagantes”, ressalta.
“Nenhum país superou
totalmente o problema. O que se vê é uma mudança de variedades mais visíveis e
nocivas para outras menos visíveis”, complementa Johnston.
Segundo analistas,
entre os principais desafios atuais está o financiamento de campanhas
políticas. Apesar de a Suprema Corte ter legalizado em 2010 contribuições sem
limites de empresas e indivíduos por meio dos chamados Super PACs (comitês de
ação política que não são ligados oficialmente a nenhum candidato ou partido,
mas podem arrecadar fundos e fazer campanhas a favor ou contra candidatos ou
causas), a decisão é polêmica.
“Só porque houve uma
decisão legal não quer dizer que a população vá mudar sua definição do que é
apropriado”, diz Rose-Ackerman. “(A decisão) não é relacionada diretamente com
corrupção, mas é sobre a influência do dinheiro na política, o que é uma questão
mais ampla que simplesmente propinas ou corrupção.”
Ao comparar a
situação dos EUA com o Brasil, Johnston lembra que, nos EUA, o combate à
corrupção levou mais de um século para surtir efeito. Ele vê avanços no Brasil.
“Nós fizemos
progressos contra a corrupção, mas levou 150 anos”, diz. “Acho que no Brasil há
razão para otimismo. O problema agora já não pode mais ser varrido para baixo
do tapete.”
COMENTÁRIO:
Somente a mobilização popular fará desaparecer a corrupção no Brasil além da punição rigorosa dos corruptos.
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