Para
domar Congresso, governo reabre balcão
Josias de
Souza
Com o hálito das ruas a
fustigá-lo, o governo deflagrará a partir desta semana uma ofensiva para tentar
reagrupar sua base congressual. A estratégia sustenta-se sobre dois pilares
contraditórios. Num, Dilma Rousseff esgrime um discurso de combate aos maus
costumes políticos. Noutro, ela autoriza o vice-presidente Michel Temer, novo
coordenador político do seu governo, a reativar o balcão por onde transitam o
clientelismo e fisiologismo.
Neste domingo de
protestos, Dilma foi ao palco do Facebook para declarar: “A guerra contra a corrupção deve
ser, simultaneamente, uma tarefa de todas as instituições, uma ação permanente
do governo e também um momento de reflexão da sociedade de afirmação de valores
éticos.''
No camarim do
Planalto, onde a ausência de refletores torna os “valores éticos” mais opacos,
a presidente admitiu dias atrás reacomodar na Transpetro, subsidiária da
Petrobras, um afilhado político de Renan Calheiros (PMDB-AL), o encrencado
presidente do Senado.
Repetindo: a
pretexto de abrir espaço para o aproveitamento do ex-deputado Henrique Eduardo
Alves (PMDB-RN) no Ministério do Turismo, Dilma cogitou entregar ao atual
titular da pasta, Vinicius Lages, homem de Renan, a presidência da Transpetro
—a mesma subsidiária da Petrobras de cujo comando foi apeado sob suspeitas o
ex-senador Sérgio Machado, outro apadrinhado de Renan.
A essa altura,
alvejado por inquérito no STF e com a força-tarefa da Operação Lava Jato nos
seus calcanhares de vidro, nem Renan parece ambicionar a reconquista da
Transpetro. Ele sinaliza a preferência por espaços menos chamativos. Mas a
notícia sobre a cogitação de Dilma corre pelos subterrâneos de Brasília como
evidência de que o esforço do governo para se recompor no Legislativo não está
sujeito a limites.
Em aspas divulgadas
por sua assessoria, Michel Temer comentou assim o novo ronco do asfalto: “O
fato de ter menos gente nas ruas não diminuiu a importância do alerta que está
sendo dado pela população, mostrando que é fundamental que o goveno compreenda
que há a necessiade de dialogar e ouvir mais. O governo tem de continuar
trabalhando muito.”
Não é preciso
aproximar muito os ouvidos do meio-fio para perceber que uma das reivindicações
mais gritantes das ruas é o combate à corrupção. E o resultado
da reativação do balcão do toma-lá-dá-cá, vistas as coisas da perspectiva
histórica, é que, em vez de aprender com os próprios erros e rever práticas que
potencializam os riscos de corrupção, o governo tende a tornar-se ainda mais
igual a si mesmo.
O rateio de
poltronas a ser coordenado por Temer parte de um cardápio variado. Inclui desde
delegacias e superintendências dos ministérios nos Estados até diretorias e
vice-presidências de bancos estatais. Essa estratégia de trocar pedaços do
Estado por apoio congressual equivale à admissão de que uma dose de perversão
política é inevitável. É como se o governo precisasse chafurdar no arcaísmo
para respirar no Congresso.
O mais paradoxal é
que Dilma teve de recorrer a Temer, presidente licenciado do PMDB, para tentar
deter os dois presidentes peemedebistas das Casas do Legislativo: Renan
Calheiros, o xerife do Senado, e Eduardo Cunha, o mandachuva da Câmara —ambos
às voltas com inquéritos abertos no Supremo como desdobramentos da Operação
Lava Jato.
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